O recado não poderia ser mais claro: “ou votam o que o governo quiser ou mando as Forças Armadas reinstalarem a Ditadura”
O porta-voz da Presidência da República, Otávio Rêgo Barros, voltou atrás na informação que havia dado na semana passada, de que não haveria comemorações do golpe de 1964, e anunciou, nesta segunda-feira (25), que o presidente Jair Bolsonaro determinou ao Ministério da Defesa que faça as “comemorações devidas” pelos 55 anos do golpe que deu início à ditadura militar no país.
“O nosso presidente já determinou ao Ministério da Defesa que faça as comemorações devidas com relação a 31 de março de 1964, incluindo uma ordem do dia, patrocinada pelo Ministério da Defesa, que já foi aprovada pelo nosso presidente”, afirmou Rêgo Barros, durante entrevista coletiva no Palácio do Planalto.
Segundo o porta-voz, “o presidente não considera 31 de março de 1964 um golpe militar. Ele considera que a sociedade, reunida e percebendo o perigo que o país estava vivenciando naquele momento, juntou-se, civis e militares, e nós conseguimos recuperar e recolocar o nosso país em um rumo que, salvo o melhor juízo, se isso não tivesse ocorrido, hoje nós estaríamos tendo algum tipo de governo aqui que não seria bom para ninguém”, disse.
A destituição do presidente constitucional João Goulart se deu através de uma ruptura com a ordem democrática em 1º de abril de 1964. Ela foi deflagrada com vistas a impedir o “perigo” de um desenvolvimento independente e próspero do país e para impôr pesadas perdas salariais aos trabalhadores.
O “movimento” de 1964 contou, como revelam documentos do Departamento de Estado Norte-Americano, liberados recentemente, com a participação direta do governo dos EUA.
A cadeira de Presidente da República foi ilegalmente declarada vaga numa sessão noturna do Congresso. Esta sessão já foi, inclusive recentemente anulada, porque o chefe de Estado – João Goulart – encontrava-se dentro do país quando a cadeira foi declarada vaga. Consumado o golpe, as eleições foram abolidas e o arbítrio se instalou no Brasil.
A partir de então, apesar da cínica negativa de Bolsonaro, o país viu suas instituições serem amordaçadas. O Congresso Nacional foi manietado, parlamentares foram cassados e presos, lideranças sindicais e estudantis foram perseguidas e torturadas. Nas Forças Armadas, cerca de seis mil militares foram afastados e presos. Com o Ato Institucional número 5, em 1968, o Congresso Nacional foi fechado e a imprensa calada.
A iniciativa de ‘comemorar’ a instalação de um regime arbitrário e anti-nacional como este, que tantos males trouxe ao país, à sua economia e ao seu povo, e, na sequência, insistir em dizer que o que houve não foi um golpe, mas sim um “movimento democrático”, como faz Bolsonaro, revela uma decisão carente de qualquer base no bom senso e na realidade.
Ela representa uma tentativa de ameaçar o país, a Justiça e o Congresso Nacional num momento em que crescem as resistências à aprovação da proposta de Emenda Constitucional que desmonta a Previdência Social pública.
As dificuldades políticas estão levando Bolsonaro a sonhar com aventuras autoritárias. Ele está querendo impôr aos deputados o voto no desmonte da Previdência ou, como está implícito na inoportuna comemoração do golpe, ele manda um recado de que, se não o obedecerem, poderá reinstalar uma ditadura.
A resistência às modificações do regime de aposentadoria, que prejudicará grande parte da população trabalhadora, está crescendo até mesmo na chamada base aliada do governo. Até hoje não teve início a tramitação da proposta elaborada pela equipe econômica do governo. Os próprios governistas não estão conseguindo se entender dentro do Congresso Nacional.
A crescente falta de autoridade de Bolsonaro junto aos parlamentares e ao Congresso Nacional, e o repúdio, também crescente, da opinião pública à perda das aposentadorias, estão gerando no capitão uma tentação de ressuscitar o passado e de usar as “comemorações” de 1964 como forma de chantagear o país e o mundo politico. Depois da vivência política já obtida pelos brasileiros, não parece que esse caminho esteja propenso a proporcionar bons resultados a quem deseja segui-lo.