Em audiência pública na Comissão dos Direitos Humanos do Senado Federal, o economista Eduardo Moreira analisou a PEC 06/2019 da reforma da Previdência enviada por Bolsonaro e a campanha de propaganda feita para que ela seja aprovada, e observou os impactos da reforma na economia. Na avaliação do economista, a PEC representa a destruição da Previdência Pública, que hoje beneficia mais de 100 milhões de pessoas.
“Estamos falando de uma proposta que atinge 100% dos brasileiros. Como podemos estar apressando uma questão na qual a sociedade não sabe ao certo chegar nos números? E talvez esse seja aqui um dos maiores objetivos, entender os números que se joga nas mídias”, afirmou Eduardo.
O economista demonstrou que a situação da Previdência está diretamente ligada a situação econômica geral do país, e que não há nela nenhum problema estrutural. Com desenvolvimento econômico, a Previdência apresenta superávit, como demonstram os números até 2015 – tendo seu auge recente sido em 2013, com R$ 78,8 bilhões de superávit. O déficit aparece somente em 2016, no seio da crise econômica e da recessão, tendo sido de R$ 54,5 bilhões, e em 2017 aproximadamente R$ 57 bi.
Segundo Eduardo, existem três visões sobre a Previdência entre aqueles que afirmam que ela é deficitária. O primeiro consiste somente considerar no cálculo de receita e despesa os valores do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). A partir disso, chega-se a conclusão de que existe um déficit de R$ 182 bilhões na Previdência. Essa visão é conflitante com os termos da Constituição, que, como explicou, define que “não é só aquilo que é contribuído para o RGPS” que servirá como receita.
A Constituição explicita: “A seguridade social será financiada por toda a sociedade de forma direta e indireta pelo empregador, da empresa, sob várias formas, e pelo trabalhador e demais segurados pela previdência social”, por exemplo.
“Quando você olha para o que a Constituição diz e faz a conta sendo estritamente fiel, você chega a uma receita de R$ 780 bilhões em 2017, e que teve um total de R$ 837 bilhões de despesas no mesmo ano”, resultando nos R$ 57 bilhões de déficit, conforme já citado.
Porém, “seguindo o que manda a Constituição, até 2015 tivemos um superávit nas contas da seguridade social. E a partir de 2015, quando o Brasil passa a decrescer, a gente passa a ter um déficit”, explica.
“Todos os momentos em que o sistema de seguridade social teve um superávit, esse superávit foi gasto. Onde foi gasto a maior parte dele? Com juros da dívida”.
“Aí, no primeiro ano que tem déficit, a gente fala o seguinte: olha, vamos mudar todas as regras e cortar. Que país é esse que quando tem sobra, gasta, e quando tem falta, corta? Você não consegue ter nenhum tipo de estabilidade ou política de longo prazo pensando assim”, afirmou.
“Se é um modelo estruturalmente deficitário, por que existe a Desvinculação de Receitas da União, que hoje tira até 30% do Orçamento?”, questionou o professor.
A visão que o governo vem tentando passar coloca na conta do RGPS, “o regime próprio dos servidores, que é o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS). Só que ele não faz parte da Constituição”. Além disso, na conta são embutidos os militares. “Tá tudo misturado nos números do governo”, disse.
Para Eduardo, existem duas perguntas chave: “O déficit da Previdência freou a economia ou a economia fraca gerou o déficit da Previdência?”. E “para onde iria a economia de R$ 1 trilhão desejada e de onde ela vem?”.
O economista explicou que o Brasil é o país com maior concentração de renda do mundo, tendo superado os países do Oriente Médio em 2005, e também o de menor carga tributária sobre renda, visto que “a maior parte da renda dos ricos é recebida via dividendos”, não sendo estes tributados. Estes fatores convergem para a paralisação de capitais.
Como disse no debate, quando você tem impostos sobre o dinheiro que você deixa dentro da empresa, mas não sobre aquele fora dela, é natural que se tire, mas você deixa, dessa forma, de estar investindo em capacidade produtiva.
Além da possibilidade de poupar grande parte de sua renda, mesmo que pagando todos os impostos sobre bens e serviços, os ricos no Brasil ainda recebem juros do Estado. “Esse juros que ele ganha na parcela que ele poupa é pago pelos impostos que ele mesmo paga e que o pobre paga”, sintetizou.
Eduardo acredita que parte dos problemas de desigualdade social pode ser combatida através da seguridade social. O regime geral da Previdência beneficia quase 30 milhões de pessoas, “só que essas pessoas têm filhos, netos, e com isso passa a beneficiar quase 100 milhões de pessoas”.
A Previdência Social promove a economia regional, sustentando 3.875 municípios, e reduz a pobreza. “Hoje em dia a gente tem uma taxa de pobreza muito grande entre os pobres e uma taxa muito baixa entre as pessoas mais velhas. Não fosse o regime geral da Previdência e a gente teria 65% das pessoas com mais de 75 anos vivendo na pobreza, e hoje são menos de 10%”, contou.
BPC
Sobre a proposta do governo de reduzir o valor do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que hoje auxilia idosos em situações de miséria com um salário mínimo, para R$ 400 reais, Eduardo falou que até mesmo parlamentares da base de Bolsonaro ficaram indignados.
“O grupo que recebe o BPC vive, a mais, com qualidade, os homens um ano a mais, as mulheres quatro anos a mais. Cortar o BPC significa cortar esses anos a mais. E cortar esses anos a mais significa matar, não tem outra palavra”, considerou o economista.
CONTRIBUIÇÃO
Quando colocados em comparação os dados sobre a idade média de falecimento entre brancos e negros, tendo em mente que a reforma de Bolsonaro coloca uma idade mínima de 65 anos para se aposentar, percebe-se que na imensa maioria dos bairros de São Paulo, por exemplo, a média da população negra nem sequer poderá se aposentar. “O estudo é muito claro e eu posso afirmar com toda a certeza: a reforma da previdência proposta pelo novo governo é racista”, concluiu.
Além disso, a reforma estabelece um tempo de contribuição mínimo de 20 anos. “O que parece ser apenas 5 anos de contribuição não é só isso. 40% das pessoas consegue comprovar no máximo 9 meses de contribuição por ano, enquanto a média é de 5 meses. Isso representa 12 anos a mais trabalhando e contribuindo. Isso é agravado pela reforma Trabalhista, que permite trabalhar sem contribuir”.
Veja a palestra de Eduardo Moreira na íntegra: