Conclusão faz jus aos méritos de Hillary Clinton, a musa de Wall Street
Depois de 675 dias de “investigações”, 500 testemunhas interrogadas, 2.800 intimações, 37 indiciados por questões subalternas e um Himalaia de documentos, e-mails e gravações arrolado, ao custo de US$ 25 milhões, a farsa do Russiagate acabou melancolicamente com uma carta de quatro páginas do procurador-geral [ministro da Justiça] William Barr ao Congresso, informando que a investigação não encontrou evidência de conspiração entre Donald Trump e a Rússia nas eleições de 2016.
“[A] investigação não estabeleceu que os membros da Campanha Trump conspiraram ou coordenaram com o governo russo em suas atividades de interferência eleitoral”, diz o trecho mais relevante da carta de Barr, citando o relatório de Robert Mueller. Quanto à suposta obstrução da justiça por Trump, Barr informou que o promotor especial não o indiciou nem o exonerou.
Em suma, depois de todo o alarido na mídia e toda a histeria macartista por quase dois anos, só foi confirmado o óbvio: o Russiagate é um embuste. Da equipe de Mueller participavam 19 advogados e 40 agentes do FBI.
MACARTISMO 2.0
A caça às bruxas, de certo modo uma reedição da histeria macartista dos anos 1950, agora diante da ressurgimento da Rússia, emplacou porque não eram poucos os interesses contrariados com a vitória de Trump, um lumpen-bilionário, que soube surfar nas imensas contradições geradas nos EUA pelo crash de Wall Street e a desapiedada política de Obama para salvar os banqueiros “too big to fail” às expensas de todos os demais.
Só assim para uma figura como Trump poder se apresentar nada menos como o ‘campeão dos desvalidos’ e aquele que iria ‘drenar o pântano’ em Washington.
Marketagem que colou porque o crash de 2008 tornara ainda mais insuportável a vida no destroçado cinturão industrial do Meio Oeste, de que o aumento de mortes por overdose de brancos pobres é o sintoma mais cruel.
Com aquele ar de ‘politicamente correto’, o ‘primeiro presidente negro’ Obama encabeçou a maior operação de transferência de dinheiro público da história para salvar cinco bancos privados, e o resto que se dane.
Deixou os negros serem caçados à vontade por policiais racistas brancos, o salário mínimo congelado por sete anos, foi recordista de expulsão de imigrantes, e sempre na maior simpatia. Também destruiu a Líbia, fez a Síria sangrar e assassinou a rodo com drones.
Só mesmo Hillary para perder a eleição para um desclassificado como Trump, cuja principal credencial era ter sido estrela de reality show, além de trambiqueiro do ramo imobiliário, do topete louro mais ridículo dos EUA e do racismo e xenofobia explícitos.
A pretensa ‘primeira mulher presidente’ não passava de uma falsidade total: a feminista que, como advogada, havia inocentado um tarado que violentara uma jovem e arrasado a reputação dela no tribunal. A líder popular que fazia discursos de “prosa shakespeariana” para os banqueiros de Wall Street. A ‘amiga dos negros’, que ajudara a aprovar a legislação draconiana que encarcerou negros em massa, chamados de “predadores” por ela. A benemérita das negociatas via Fundação Clinton. Foi por isso que o apelido de “Hillary vigarista” e o “bota ela em cana” pegou que nem tatuagem.
BOTS NO BÁLTICO
Precisa ser muito fanático pela Matrix para acreditar que, de uma suposta fábrica de bots à beira do Mar Báltico, Putin pudesse eleger Trump via redes sociais nos EUA.
Ainda mais, conforme o próprio Facebook revelou, com a maior parte dos impulsionamentos tendo sido feitos depois da eleição. E as ditas propagandas russas eram uma gota – menos do que isso – no oceano de bilhões de dólares e da manipulação gigantesca das redes sociais que acompanhou a eleição de 2016 nos EUA.
Grandes redes como a CNN investiram nessa onda freneticamente porque era boa para a audiência e para manter o cerco à Rússia.
O New York Times chegou a chamar Trump de “candidato siberiano”. Para os democratas, era a melhor desculpa que podiam arrumar para evitar a cólera dos doadores de campanha. Os memes russos no Facebook e Putin eram os culpados, não Hillary.
Mais de fundo, a questão de como lidar com a decadência imperial: mantendo o caminho da provocação e enfrentamento com a Rússia, para depois pegar a China em ascensão; ou, certa acomodação com Moscou, para poder se lançar ao embate com Pequim. A estratégia dos Acordos Transpacífico e Transatlântico não é exatamente a mesma da guerra comercial contra todos de Trump. Nem como lidar com o petróleo do Oriente Médio e o Irã, ou manter o financiamento da ocupação e das mil bases no exterior.
SUBMUNDO
Foram 22 meses de encenação e blefe. Estrelas da pornografia do circuito Trump. O ex-chefe de campanha Manafort condenado por propinas do tempo em que foi marqueteiro preferido do presidente ucraniano, aquele deposto pela CIA. A lavagem de roupa suja do ex-advogado faz-tudo do presidente. Um ex-consultor tirado da cama por espalhafatosa operação da Swat, devidamente registrada por equipe da CNN.
A campanha praticamente tornou inviável qualquer cúpula Trump-Putin – os presidentes das duas superpotências nucleares com capacidade para destruir o planeta -, já que seria a evidência que “faltava”.
Trump já tenta fazer o fiasco da ‘investigação Mueller’ servir para um empurrãzinho em sua campanha à reeleição em 2020, agora posando de “vítima”. Correu para tuitar “nenhum conluio, nenhuma obstrução e” – na maior cara de pau – “completa e total exoneração. Mantenha a América Grande!”
Na segunda-feira, Trump disse que “não podemos deixar que isso aconteça novamente a um presidente” e acrescentou que “poucas pessoas poderiam ter lidado com isso”. Ele acusou seus adversários de terem feito “coisas muito más … coisas traiçoeiras a nosso país”.
“NÃO EXONERA?”
Apesar da presidente da Câmara, Nancy Pelosi, já ter cantado a pedra de que não haveria impeachment, entre os democratas se insiste em achar uma via para manter a pressão contra Trump, pós-relatório Mueller.
No início da semana, os presidentes democratas de seis comitês da Câmara exigiram de Barr a divulgação do texto completo do relatório. Eles estão especialmente interessados na parte em que, conforme a carta do procurador-geral, Barr, Mueller não acusa Trump de obstrução de justiça, “mas também não o exonera”. Com tantas tuitadas sem noção de Trump, é quase impossível não haver uma dúzia que sirva para o propósito.
No mês passado, Adam Schiff, o democrata que preside a Comissão de Inteligência da Câmara, chegara a ameaçar convocar Mueller para testemunhar perante o Congresso.
Na encenação do Russiagate, também se envolveram abertamente, além dos principais jornais e redes de televisão, e da liderança democrata, parcelas substanciais dos serviços secretos norte-americanos.
PERGUNTAS QUE FICAM
Mas ficaram muitas questões por responder. Como se explica a vigilância realizada pelo governo Obama sobre a campanha presidencial de Trump – e a lisura eleitoral, a legalidade, a democracia, como ficam?
Por que não foi investigada a conspiração, dentro da direção democrata, para impedir a vitória de Bernie Sanders sobre Hillary e para fraudar as primárias?
Qual a verdade sobre o vazamento dentro do Comitê Nacional Democrata? Um ex-diretor técnico da NSA, a agência de grampo dos EUA, William Binney, dos Veteranos da Inteligência pela Sanidade, afirmou que fisicamente é impossível ter ocorrido hackeamento à distância, devido ao tempo exíguo que durou a cópia dos arquivos vazados. Não existem ainda redes com tal velocidade. Teve de ser feito por um dispositivo no local, um pendrive. Portanto, trabalho interno. A versão sobre “hackers russos” não se sustenta.
Como o bizarro Dossiê Steele contra Trump, o do ‘Golden Shower’ em Moscou, foi produzido e depois encaminhado ao FBI e qual a participação da campanha de Hillary? O FBI sabia que era uma encomenda da campanha Hillary a um ex-espião britânico especializado em operações na Rússia?
O que estava ocorrendo dentro do FBI a ponto de, segundo o ex-vice-diretor, Andrew McCabe, haver a sugestão de grampear Trump, prendê-lo e desencadear um impeachment?
BATOM NO PORCO
Como notou o escritor Jonathan Cook no ‘Counterpunch’, a insistência da direção democrata, com sustentação da mídia, de centrar na denúncia do inexistente do ‘conluio com a Rússia’ serviu para dificultar que o povo empreendesse uma resistência verdadeiramente eficaz à política de favorecimento dos bancos e cartéis e desmonte dos gastos sociais de Trump. “Sempre foi uma disputa interna entre diferentes alas do establishment”, a esquerda “nunca teve um cachorro nessa corrida”.
Ele alertou os que “dormiram durante dois anos” esperando por Mueller “o ex-chefe do FBI, a polícia política dos EUA, pelo amor de Deus!, para salvá-los de Trump”, e que foram manipulados pelas elites liberais “no beco sem saída das políticas de identidade”, com slogans vazios e chapeuzinho pussy-hat.
Para Cook, Trump enfrenta oposição de dentro do establishment “não porque ele é ‘antiestablishment’, mas porque ele se recusa a pintar de batom o focinho do porco. Ele está arrancando a máscara da ganância do capitalismo e da autodestrutividade no estágio final. E está fazendo isso não porque quer reformar ou derrubar o capitalismo turbinado, mas porque quer remover as últimas restrições, em grande parte cosméticas, do sistema para que ele e seus amigos saqueiem com maior desenvoltura – e destruam o planeta mais rapidamente”.
ANTONIO PIMENTA