Zelensky obteve 30,2% e disputará o 2º turno no dia 21 com o atual presidente, que alcançou apenas 15,9%
Um comediante de shows de stand-up e que atua em uma popular série de televisão, no papel de um professor honesto que vira presidente da Ucrânia para combater a corrupção, Volodymyr Zelenskiy, irá disputar o segundo turno das eleições presidenciais no dia 21 com o atual mandatário, Petro Poroshenko, o oligarca instalado no poder pelo golpe da CIA e seus nazis em 2014 na praça Maidan.
Zelenskiy venceu no primeiro turno com 30,2%. O ‘Rei do Chocolate’ Poroshenko ficou em segundo, com 15,9% – apesar das pesquisas sobre a aprovação de seu governo não saírem de um dígito: 9%.
Em terceiro ficou a ex-primeira-ministra Yulia Tymoshenko, musa da ‘Revolução Laranja’ de 2004, com 13,4%, que assevera que foi roubada na apuração mas não irá recorrer da fraude.
Em quarto lugar, Yuriy Boyko, com 11,7%, o candidato tido como o mais próximo da população de fala russa do Donbass (leste da Ucrânia). Sua legenda, Partido da Oposição pela Vida, é a que mais se aproxima do que era o ‘Partido das Regiões’, de antes do golpe.
Outros cinco candidatos tiveram votações entre 7% e 1%. A participação no pleito foi de 63,4%, quase 18,9 milhões de votos – mas milhões de ucranianos na Rússia não puderam votar por veto de Kiev.
Dito de outra forma, 84% dos votantes optaram por rejeitar Poroshenko. O comediante, Tymoshenko e Boyko, juntos, principais opositores a Poroshenko na eleição, têm mais de 10,5 milhões de votos. A votação de Zelenskiy foi principalmente na área central e sul do país. No leste, o vencedor foi Boyko.
MAIS POBRE DA EUROPA
Cinco anos depois de a subsecretária de Estado, Victoria Nulan, e o senador John McCain irem em pessoa a Kiev supervisionar o golpe em curso, que derrubou o presidente Victor Yanukovich quando faltava um ano para a próxima eleição, episódio recheado de rosquinhas, notas de 100 dólares e o célebre “quero que a União Europeia se f…”, o regime Poroshenko logrou transformar a Ucrânia no mais pobre país da Europa.
Também tornou a corrupção mais intensa do que nunca, segue alucinado no intento de anexar a Ucrânia à Otan, moveu uma guerra fratricida contra o Donbass, não cessa as provocações à Rússia – de que a indústria ucraniana depende para não ser dizimada -, endividou e submeteu o país ao FMI, arrochou salários e cortou drasticamente subsídios ao aquecimento de inverno.
Oficializou o colaboracionista Bandera como patrono do regime e as marchas fascistas. Baniu a língua russa e colocou os comunistas na ilegalidade. Também se tornou um aríete da política do Pentágono e CIA de cerco à Rússia.
A juventude ucraniana foi empurrada para emigrar em massa, para escapar do elevado desemprego, da miséria e do alistamento compulsório para a guerra de Poroshenko no Donbass.
Seu lema de campanha era “exército, idioma, fé” – ou seja, a guerra aos irmãos do Donbass, o banimento da língua russa e a divisão dentro da igreja ortodoxa.
‘GOVERNO KAMIKAZE’
O que explica o porquê de Poroshenko só ter vencido em duas áreas – as mais ocidentais e reacionárias do país, na chamada Galiza – resultado digno de um regime que é, como seu primeiro-ministro inaugural, “Yats” – o preferido de Nulan -, confidenciou, um “governo kamikaze” – consequência inarredável de ir ao FMI.
Resultado ainda mais pífio considerando que, além de bilionário e com controle de boa parte da mídia, o magnata também domina a máquina de governo.
Assim, pode-se dizer que a votação em Zelenskyi, que sequer tem partido e teve que arrumar um às pressas, de mesmo nome da série de televisão, ‘Servo do Povo’, é principalmente um voto contra Poroshenko e tudo que ele representa.
Mesmo com o candidato não tendo nada perto de um programa de governo, apenas generalidades, e de não se opor ao ingresso na Otan e na União Europeia, embora sem os arroubos antirrussos de Poroshenko. Propôs, ainda, convocar referendos, eliminar a imunidade parlamentar e proibir os condenados por corrupção de ocuparem cargos públicos.
Outra particularidade de Zelenskiy é que ele é oriundo da cidade da região central, Kryvvyi Rih, falante russo, e se diz disposto a negociações pela paz.
DEVASTAÇÃO
Como salientou em entrevista ao Euronews a jornalista e ex-deputada Yelena Bodarenko,
“a economia ucraniana está sendo destruída não apenas pela corrupção, como a mídia ocidental relata, mas também pelo isolamento autoimposto de Kiev do tradicional mercado russo. Esse infortúnio é autoinfligido, já que foi Kiev que declarou a Rússia um país hostil e impôs sanções primeiro, muito antes de a Rússia reagir ”.
“Contrariamente às promessas de Poroshenko, o acordo de associação com a UE não compensou o mercado russo que foi perdido para a Ucrânia. Na verdade, as exportações ucranianas para a UE diminuíram em 36% no primeiro ano após Yanukovich ter sido deposto.”
A queda do PIB que se seguiu ultrapassou os 17% em dois anos, enquanto a moeda ucraniana (o hryvna) entrou em colapso, passando de 8,2 por dólar para 25,3 apenas no primeiro ano.
SEM FORO
Quanto a Poroshenko, se não conseguisse ir para segundo turno, perderia a imunidade da condição presidencial e provavelmente teria de fugir do país para não ser preso pelo assalto aos cofres públicos.
A premente necessidade de foro privilegiado pode fazer com que Poroshenko tente alguma provocação nas próximas duas semanas, para tentar reverter o quadro eleitoral adverso.
Conforme o analista “Saker”, os nazistas estão “em pânico total, estão declarando que a vitória de Zelenskiy é o ‘triunfo de Moscou’, que Zelenskyi vai vender tudo o que é ucraniano e que é ‘agente de Putin’. Assim, literalmente, tudo pode acontecer nas próximas semanas, desde algum escândalo no passado de Zelenskiy, até um ataque ukranazi ao Donbass”.
BIDEN & JÚNIOR
Depois do show particular de Nulan, coube ao vice de Obama, Joe Biden, comportar-se como vice-rei da Ucrânia. Até mesmo nomeou um filho para a diretoria de uma empresa ucraniana de gás, onde sua função era acolher propinas.
Depois que Biden anunciou sua intenção de se candidatar contra Trump, alguns deputados republicanos andaram ameaçando divulgar as falcatruas dele na Ucrânia.
A interferência de Washington na Ucrânia é tão absurda que o procurador-geral Yuri Lutsenko relatou ao The Hill ter recebido, das mãos da embaixadora Marie Yovanovitch, na primeira vez em que se reuniu com ela, uma lista das pessoas que “não poderiam ser processadas em circunstância alguma”, em decorrência de seu apoio ao golpe. O que, segundo a entrevista, ele considerara “inadmissível” se houvesse um crime.
ANTIFASCISTAS
O golpe da CIA em Kiev foi repudiado no leste, região mais industrializada, de forte consciência antifascista e maioria de fala russa – esta, logo proibida pelo novo regime -, o que desencadeou as revoltas que levaram à constituição das repúblicas populares de Donetsk e de Lugansk e ao plebiscito que massivamente aprovou a reunificação da Crimeia com a Rússia, de que havia sido separada intempestivamente por Krushev em 1954.
Na Crimeia, o estopim foi o anúncio de que a autonomia da região dentro da Ucrânia seria cassada pelo parlamento golpista.
No Donbass, a tentativa de esmagar os levantes antifascistas do regime Poroshenko causou mais de 13 mil mortos. Só recuaram após a principal força ucranazista ser destroçada em 2015, o que conduziu aos Protocolos de Minsk, até hoje sabotados por Kiev.
Lei de 2018 na prática inviabilizado os acordos de Minsk, ao impedir a anistia aos revoltosos e recusar autonomia às regiões sublevadas.
JOGUETE?
Poroshenko, que não esconde sua condição de títere de Washington, acusa o comediante de não passar de um joguete do também oligarca Ihor Kolomoisky, que está foragido em Israel (tem dupla nacionalidade), depois de desentendimentos sobre a rapinagem em Odessa.
Confrontos que acarretaram sua demissão do cargo de governador e, mais tarde, a estatização do maior banco do país, de que era dono, após escândalo de fraude.
Em 2014, Kolomoisky foi um dos grandes articuladores do golpe e não teve qualquer pejo em se unir aos fascistas. Ele possui, ainda, a principal empresa aérea ucraniana e canais de televisão, justamente os que passam a série que tornou Zelenskiy famoso.
Dizia-se, ainda, que o Kolomoisky jogou dinheiro em Tymoshenko, mas preferiu deixá-la de fora, por sua já demonstrada sagacidade nos negócios, que lhe valeram a alcunha de “princesa do gás” – ou, mais precisamente, princesa das propinas nos contratos de gás.
O ataque fascista à Casa dos Sindicatos em Odessa, em 2 de maio de 2014, em que 50 ativistas foram queimados vivos ou linchados, ocorreu na gestão de Kolomoisky.
Após os desentendimentos com Kolomoisky, Poroshenko apelou à importação de fantoches caídos em desgraça em ex-repúblicas soviéticas, o que só podia dar errado. Outro fato digno de nota em Kiev é a confluência de nazistas e sionistas nos atuais círculos dirigentes ucranianos.
OUVIDOS MOUCOS
Ao mesmo tempo em que estão dispostos a servirem a Washington, a rataria em Kiev não desiste de pilhar a Ucrânia em causa própria e faz ouvidos moucos às exortações do FMI para acabar com a amadora corrupção doméstica, em prol dos honestos e confiáveis monopólios norte-americanos e alemães. Afinal, a especialidade dos oligarcas foi justamente enricar com as privatizações do patrimônio soviético.
O infame ministro do Interior, Arsen Avakov, considerado nas repúblicas populares criminoso de guerra e que apostara suas fichas na “princesa do gás”, já antecipou o que aguarda Zelenskiy.
“Um homem decente, de outro mundo. De outro plano. Pronto para lidar com problemas, mas ao mesmo tempo reconhecendo que em muitas questões não é totalmente competente. Isso significa que está pronto para delegar autoridade. No entanto, surge a pergunta: podemos – sociedade ucraniana – oferecer a qualidade da elite, a que pode ser confiada a implementação de tais poderes?”
Então vem o bote: “Afinal, se ele delegar autoridade aos canalhas – como acontece em alguns episódios de “Servo do povo” – isso será muito ruim para o país. Do ponto A, é necessário chegar ao ponto B, e estou pronto para concordar com isso. Mas o problema é como seguir esse caminho. Muitas vezes, se você for em frente, você vai bater em uma parede ou quebrar”.
Quanto a Maidan, é oportuno o questionamento feito por Dmitry Babich, sobre qual era “seu propósito”, se a Ucrânia “ficou mais pobre e corrupta do que sob Yanukovich”, citando um think tank polonês, Nows Europa Wschodnia (‘Nova Europa Oriental’). A resposta é simples: “seu objetivo era tornar a Ucrânia um país hostil à Rússia, em constante confronto com seu vizinho, e envolvido em um conflito latente com um grande segmento de sua própria população”. Ele acredita que os dias de Poroshenko parecem contados, mas não os do regime que ajudou a impor. Na telinha, Zelenskiy já “preside” a Ucrânia desde 2015.
ANTONIO PIMENTA