“Vou querer que a metodologia para dar o número de desempregados seja alterada no Brasil. O que está aí é uma farsa”
Tal qual o doente que se irrita com o aumento da febre e acha que a solução está em quebrar o termômetro, Jair Bolsonaro voltou a atacar o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) pelo fato do órgão ter detectado uma elevação na taxa de desemprego no Brasil, medida em fevereiro deste ano.
Segundo o IBGE, este índice subiu de 11,6% no trimestre terminado em novembro de 2018 para 12,4% no trimestre terminado em fevereiro de 2019. Com isso, o total de desempregados no Brasil atingiu a cifra de a 13,1 milhões de pessoas. Os números representam a entrada de 892 mil pessoas na condição de desocupação.
Em entrevista na segunda-feira (1) à TV Record, Bolsonaro, em franco delírio, insinuou que o emprego estaria melhorando e que o IBGE estaria deturpando esses dados. Ele afirmou que, quando há aumento na procura por emprego, o desemprego sobe. “Como é feita hoje em dia a taxa? Leva-se em conta quem está procurando emprego, só quem está procurando emprego. Quem não procura emprego, não é tido como desempregado (…)”.
“Então, quando há uma pequena melhora na questão do emprego no Brasil, essas pessoas que não estavam procurando emprego, procuram, e, quando procuram e não acham, aumenta a taxa de desemprego. É uma coisa que não mede a realidade. Parecem índices que são feitos para enganar a população”, afirmou Bolsonaro.
Porém, uma análise simples dos números desautoriza completamente o diagnóstico de Bolsonaro. O aumento do desemprego em fevereiro, quando a taxa subiu para 12,4%, atingindo mais de 13 milhões de pessoas, não foi provocado por uma maior procura por vagas.
Pelo contrário, o número de desalentados, ou seja, que estão disponíveis para trabalhar, mas, por algum motivo, deixaram de buscar emprego no mês anterior à pesquisa, aumentou de 4,70 para 4,85 milhões, um patamar recorde.
A taxa do IBGE é calculada levando em conta a força de trabalho, e ela, por sua vez, só considera as pessoas ocupadas e desocupadas. Exclui o grupo dos desalentados.
Ao contrário do que sugeriu o presidente na entrevista, o número de desalentados – em suas palavras, “Quem não procura emprego” – não interfere na taxa de desocupação do Brasil.
Apesar de, em tese, um desalentado que procura emprego justamente na semana de referência da pesquisa e não encontra uma vaga, poder engrossar o contingente de desocupados naquele momento, não foi isso o que ocorreu. Se assim fosse, o número de desocupados aumentaria e o de desalentados se reduziria. Só que aconteceu o contrário, o número de desalentados subiu.
Daniel Duque, economista da FGV explica que “quando a economia cresce e o desalento é muito alto, as pessoas começam a ter uma perspectiva de encontrar um emprego, e alguns começam a procurar. Então, primeiro você tem um aumento para depois ter uma redução do desemprego. O mecanismo [mencionado por Bolsonaro] está correto, mas não é o que está acontecendo no Brasil hoje”, afirma.
O economista classificou como um “equívoco sério” a ideia do presidente de que o indicador de desemprego enganaria a população. Ele não sabe para que servem esses indicadores. Não é só o Brasil que usa essa metodologia, é o mundo inteiro”, observou o economista.
Apesar de a força de trabalho (a soma das pessoas empregadas e das pessoas desempregadas) ter aumentado, a quantidade de pessoas ocupadas – ou seja, com emprego – não acompanhou esse ritmo. De acordo com o IBGE, eram 92,1 milhões de brasileiros empregados no trimestre que encerrou em fevereiro. Esse número é 1,1% menor do que o medido no trimestre de setembro a novembro de 2018 (menos 1,062 milhão de pessoas empregadas).
Em outra entrevista à Band, Bolsonaro ameaçou intervir no IBGE para promover alterações nos índices. “Vou querer que a metodologia para dar o número de desempregados seja alterada no Brasil. O que está aí é uma farsa”, afirmou ele, ao responder uma pergunta.
“Quem recebe Bolsa Família é tido como empregado, quem não procura emprego há mais de um ano é tido como empregado, quem recebe seguro-desemprego é tido como empregado. Temos que ter uma taxa não de desempregados, e sim de empregados. Não tem dificuldade para ter isso aí e mostrar a realidade para o Brasil”, continuou.
Em nota, o IBGE desmentiu o inquilino do Planalto também sobre essa questão. Sobre os beneficiários do Bolsa Família, o IBGE esclarece que esse universo de pessoas é retratado especificamente em uma edição anual da PNAD Contínua. “Em 2017, este universo abrangia cerca de 9,5 milhões de domicílios do país”, diz trecho da nota.
Num outro trecho da entrevista, Bolsonaro seguiu atacando o IBGE. “Quem gera emprego é o setor privado. Tenho dito aqui, fui muito criticado, e volto a repetir: não interessam as críticas. Eu tenho de falar a verdade. Com todo respeito ao IBGE, essa metodologia, em que pese ser aplicada em outros países, não é a mais correta”, disse ele.
Bolsonaro acrescentou que “é fácil se chegar à metodologia correta no que diz respeito à taxa de desemprego. É você ver dados bancários e dados junto à secretaria de Trabalho, quantos empregos geramos a mais por mês ou quantos perdemos. É muito simples”.
O Cadastro Geral de Empregados e Desempregos (Caged), de responsabilidade do extinto Ministério do Trabalho, realmente faz esse levantamento. Entretanto, ele considera apenas os trabalhadores que têm carteira de trabalho assinada e são regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Isso significa que não são contabilizados trabalhadores sem carteira, nem os que trabalham por conta própria ou os funcionários públicos. A pesquisa do IBGE visita mais de 200 mil domicílios no país e investiga todo tipo de ocupação no mercado de trabalho.
Em nota, o IBGE esclareceu que investiga todo tipo de ocupação no mercado de trabalho. E esclarece que são estudadas as condições do mercado de trabalho do país a partir de uma amostra com mais de 210 mil domicílios, distribuídos por cerca de 3.500 municípios.
“Esta amostra é visitada, a cada trimestre, por cerca de 2 mil agentes de pesquisa. A PNAD Contínua levanta informações cruciais sobre os trabalhadores do país, inclusive aqueles sem vínculo de trabalho formal. Trata-se de uma das pesquisas mais avançadas do mundo, que segue as recomendações dos organismos de cooperação internacional, em especial a Organização Internacional do Trabalho (OIT)”, diz outro trecho da nota.
Segundo o Instituto, além da taxa de desemprego, são investigadas as diversas formas de subutilização da força de trabalho, “um universo com mais de 27 milhões de pessoas em diferentes situações precárias, incluindo os subocupados por insuficiência de horas trabalhadas e, ainda, aqueles que necessitam e gostariam de poder buscar um emprego, mas não conseguem, por terem que cuidar de crianças ou de pessoas idosas, por exemplo”.
Leia abaixo a íntegra da nota do IBGE
Nota de esclarecimento sobre a PNAD Contínua
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do IBGE investiga as condições do mercado de trabalho do país a partir de uma amostra com mais de 210 mil domicílios distribuídos por cerca de 3.500 municípios. Esta amostra é visitada, a cada trimestre, por cerca de 2 mil agentes de pesquisa. A PNAD Contínua levanta informações cruciais sobre os trabalhadores do país, inclusive aqueles sem vínculo de trabalho formal. Trata-se de uma das pesquisas mais avançadas do mundo, que segue as recomendações dos organismos de cooperação internacional, em especial a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Desde 2012, sua coleta está totalmente digitalizada.
A PNAD Contínua também monitora o número de pessoas desocupadas no país, isto é, aquelas que não têm emprego e estão em busca de uma ocupação: em setembro deste ano, o Brasil tinha 12,5 milhões de pessoas nessa condição. Além disso, também são investigadas as diversas formas de subutilização da força de trabalho, um universo com mais de 27 milhões de pessoas em diferentes situações precárias, incluindo os subocupados por insuficiência de horas trabalhadas e, ainda, aqueles que necessitam e gostariam de poder buscar um emprego, mas não conseguem, por terem que cuidar de crianças ou de pessoas idosas, por exemplo. Sem mencionar os chamados desalentados, aqueles que desistiram de buscar uma ocupação. Em setembro último, o país tinha 4,8 milhões de pessoas nessa condição.
O IBGE esclarece que os beneficiários do Bolsa Família são retratados especificamente por uma edição anual da PNAD Contínua, que investiga os rendimentos provenientes de todas as fontes. Em 2017, este universo abrangia cerca de 9,5 milhões de domicílios do país. Os beneficiários que vivem nestes domicílios podem encontrar-se em diferentes condições, em relação ao mercado de trabalho: alguns deles podem estar desempregados, outros trabalhando apenas para consumo próprio, outros fora da força de trabalho e outros, ainda, desalentados.
Finalmente, o IBGE ressalta que, há 82 anos, mantém um intenso diálogo com os diversos segmentos da sociedade brasileira, na busca incessante pelo aprimoramento de todas as suas pesquisas, inclusive a PNAD Contínua. O instituto sempre esteve aberto a sugestões e à disposição do governo e dos cidadãos para esclarecimentos a respeito do seu trabalho.
Rio de Janeiro, 6 de novembro de 2018
A Direção.
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