Já tem data marcada a eleição na Argélia para substituir o octogenário Abdelaziz Bouteflika, que renunciou após sete semanas consecutivas de protestos: 4 de junho. Para encaminhar a transição e a eleição presidente, as duas câmaras do Congresso argelino, em reunião conjunta, nomearam o presidente do senado nos últimos 17 anos, Abdelkader Bensalah como presidente interino.
Nas ruas, milhares de estudantes repudiaram na capital Argel o nome do interino, com as manifestações exigindo “fora todos” e “Argélia livre e democrática”. O mandato de Bensalah será de 90 dias.
Os manifestantes o acusam de ser uma continuação de Bouteflika sem Bouteflika e a rejeição atinge todos os três principais nomes civis do regime agora: “Nem Bedoui, nem Belaiz e nem Bensalah”, clamaram os estudantes.
Já Nordin Bedoui é o último primeiro-ministro nomeado por Bouteflika antes de cair; e Tayeb Belaiz, o jurista setentão que permaneceu fiel a Bouteflika até o último minuto e a quem este entregou a carta de renúncia que alguém escreveu por ele.
Todos permanecem nos cargos e deverão pesar no processo de transição e na eleição.
O Congresso argelino primeiro votou aprovando a vacância da presidência em consequência da renúncia de Bouteflika e, depois, conforme a constituição, indicou Bensalah presidente interino.
De 77 anos, ele foi fundador da Reunião Nacional Democrática (RND), partido que em coalizão com a Frente de Libertação Nacional (FLN) dirige o país. Foi embaixador na Arábia Saudita entre 1989 e 1993 e presidiu por três anos o Conselho Nacional de Transição (CNT), órgão chave durante a ‘década negra’ – a guerra civil na Argélia.
À Reuters, Bensalah asseverou que “em breve teremos um presidente que construirá uma nova Argélia”.
“Nós – cidadãos, a classe política e as instituições do Estado – devemos trabalhar para garantir que todas as condições sejam adequadas para uma votação presidencial transparente e regular”, afirmou o interino em discurso televisionado.
Ele anunciou, ainda, a formação de um novo órgão eleitoral e pediu a superação das diferenças no seio do povo.
Os estudantes também não livraram a cara do general Gaid Salah, chefe do Estado Maior e vice-ministro da Defesa, de quem partiu a conclusão de que o país estaria sob ameaça se as manobras para manter no poder o clã Bouteflika não fossem abortadas. Em poucos minutos, o octogenário presidente renunciou.
“Estamos com o exército, mas não com Gaid”, provocaram os universitários. Analistas dizem que, com o interino Bensalah na linha de tiro, Gaid Salah fica menos visado pelos protestos.
Após a eleição do interino no Congresso argelino, o general Salah reiterou que o exército “atenderá as demandas do povo” e voltou a denunciar a “gangue” corrupta que parasita o país – em referência à exigência das multidões nas ruas de que “el issaba” (a gangue) palaciana se vá.
O militar também disse que o judiciário deve agir para coibir os corruptos – o empreiteiro e ex-presidente da entidade empresarial, Ali Haddad, conhecido pelos vínculos com o irmão caçula de Bouteflika, Said, está preso há mais de uma semana.
Mas Salah se opôs às conclamações para virar pelo avesso as “instituições” da república, dizendo que são necessárias para manter a estabilidade e a soberania do país.
Em seu discurso, o general argelino acusou a França de secretamente interferir no processo de transição: “Deploramos o surgimento de tentativas de certas partes estrangeiras que têm antecedentes históricos em nosso país, impulsionando determinados indivíduos ante a cena atual e ordenando-os representantes do povo para liderar a transição”.
Por conluio com agentes franceses para interferir nos acontecimentos na Argélia, foi afastado o atual chefe da inteligência argelina, e também seu antecessor foi repreendido. O caçula Bouteflika teria participado dessas reuniões. O diretor da agência de notícias France Presse em Argel, Aymeric Vincenot, teve recusada a renovação de seu credenciamento e foi forçado a deixar o país.
Dirigentes oposicionistas rechaçaram os nomes da transição, considerando-os “um golpe de estado contra a vontade e a soberania populares”. Na sexta-feira, as ruas voltarão a dar o ar da sua graça, com o grito de “fora os três Bês” do Bouteflikismo sem Bouteflika. No sábado, o protesto será dos advogados e dos juristas, no centro de Argel.
A.P.