Em matéria publicada nesta quarta, um dia após as eleições israelenses, o editor do portal em inglês do jornal Haaretz, Bradley Burston, nascido nos Estados Unidos, nacionalizado israelense e residente no país desde 1976, expõe em detalhe a malha fraudulenta utilizada por Netanyahu para, através do medo e da mentira, conseguir um empate em número de cadeiras com o principal oponente, Benny Gantz, e abrir passo para uma aliança com a ultradireita que deve lhe conferir maioria parlamentar assegurando-lhe mais um mandato á frente de Israel. Segue a íntegra da matéria de Burston, intitulada “Com a vitória de Netanyahu, temos que admitir: Israel tornou-se uma ditadura”. N.B.
“É o próprio andamento das eleições que fornece a prova de que sob Netanyahu Israel transitou para uma ditadura.
Uma vez que Benjamin Netanyahu consiga subornar seu caminho para uma decrépita coalisão depois de sua apagada aparição nas eleições desta terça [mesmo com todo o aparato utilizado por ele, Netanyahu conseguiu apenas empatar com o principal opositor e deve assumir com base em uma aliança que vai desde os religiosos mais ortodoxos até a direita assumidamente fascista], saberemos de uma questão com segurança: Israel tornou-se uma ditadura.
Não precisa ir mais longe do que olhar as obscenidades de fraude em sessões eleitorais e na supressão de eleitores.
CÂMERAS ESCONDIDAS
A primeira das obscenidades a vir à tona, no dia das eleições, foi a operação através da qual o Likud [partido de Netanyahu] plantou 1.200 câmeras escondidas em sessões eleitorais nas áreas árabes de Israel.
Somente nas áreas árabes.
Um clássico de Netanyahu. Uma jogada de gênio totalitário que lhe permitiu alguns ganhos fundamentais:
Gano número 1 com esta ação: Assim que as urnas se abrem para votação as câmeras são facilmente descobertas, levando a boletins nacionais de notícias que chamam a atenção para o papel do Likud na operação, assim exaltando a performance de Netanyahu entre os eleitores da extrema direita, que odeia os árabes.
Ganho número 2: A revelação das câmeras escondidas detém árabes israelenses de virem às sessões eleitorais, deprimindo o seu comparecimento e colocando os partidos árabes em perigo de eliminação de sua participação no Knesset (parlamento israelense).
Ganho número 3: A análise matemática deixa claro que um baixo comparecimento árabe pode permitir que os pequenos partidos ultradireitistas passem a cláusula de barreira e assim ajudem a formar um governo com maioria parlamentar pró-Netanyahu.
Ganho número 4: Netanyahu sai a público – com a cara mais lavada – para defender o uso das câmeras escondidas pois com isso, diz ele, estaria garantida a sua lisura. Assim alimenta mais os noticiários do dia sobre o assunto, intimidando ainda mais os eleitores árabes.
CÉDULAS SUPRIMIDAS
Mas, a coisa não parou aí. Nas sessões de cidades de maioria judaica, a exemplo de Rishon Letzion, onde era sabido que os eleitores se alinhavam majoritariamente com o partido Kahol Lavan (Azul e Branco) do opositor Benny Gantz, principal rival de Netanyahu, eleitores que planejavam votar em Gantz ficaram chocados ao ver que as cédulas trazendo o símbolo do Azul e Branco estavam faltando nas urnas. Os eleitores de Rishon Letzion ficaram assim simplesmente impedidos de votar por Gantz.
Em outras áreas, cédulas do Azul e Branco, tinham o símbolo impresso em tamanho diminuto para dificultar os eleitores de achá-las o que pode ser material jurídico suficiente para desqualificar estas cédulas e a votação nestas urnas.
No entanto, é a própria campanha eleitoral que fornece a prova de que Israel sob sua liderança já transitou para uma ditadura – o surgimento da equação de emergência com a qual Netanyahu espera negociar a anexação dos assentamentos na Cisjordânia em troca da sua imunidade, livrando-o dos processos [com quatro processos por corrupção nas costas e com o procurador–geral já tendo declarado que vai pedir seu indiciamento, denunciando-o por ‘suborno, fraude e quebra de confiança’, foi amplamente anunciado que ele pretende passar uma lei dando total imunidade a quem exercer o cargo de primeiro-ministro, para isso oferece aos direitistas mais uma transgressão da Lei Internacional e dos próprios acordos firmados por Israel: a anexação a Israel de território palestino ocupado em 1967, na Cisjordânia, coisa que nenhum dos sucessivos governos israelenses ousou fazer].
A lista não para por aí, inclui a recepção ao presidente do Brasil que, ao sair do museu Yad Vashem (museu que trata do genocídio de judeus na Segunda Guerra), disse que o nazismo foi um movimento de esquerda.
CHANTAGEM SOBRE A IMPRENSA
No essencial, a campanha foi marcada pela monopolização e manipulação midiática. Sob uma pressão de acusações por Netanyahu acerca de uma suposta tendência persecutória a ele pela imprensa e com o amplo conhecimento, com base em atitudes anteriores, de que o premiê poderia prejudicar carreiras e danar veículos, a imprensa recuou e não se viu repostas a uma cascata de mentiras direcionadas a manchar a imagem de Gantz.
Não apenas entraram em jogo os vastos recursos financeiros de Sheldon Adelson [capo de Las Vegas, amigo de Netanyahu, eleitor de Bush e Trump] como máxima pressão – exemplo disso é a edição da segunda-feira, um dia antes da eleição, no qual o jornal israelense Israel Hayom [Israel Hoje], de propriedade do bilionário, com nada menos do que 25 adoráveis fotos do primeiro-ministro.
Netanyahu estava em todo canto, o tempo todo, na rádio, na TV, na maior parte dos muros do país e em uma profusão de outdoors.
O tempo inteiro, Netanyahu transgrediu as normas e regulamentos que regem as eleições governamentais à vista do Conselho Eleitoral e recebeu, por isso, pouco mais do que um tapinha no pulso.
Uma campanha que foi regredindo até as raias do quase inacreditável, com Netanyahu defendendo suas decisões unilaterais através de seu mais estratégico argumento: uma frota submarina composta de seus velhos defensores oficiais.
MENTIRAS E BAIXEZAS
Foi ficando cada vez mais claro, enquanto prosseguia a campanha, qual seria o bordão aplicado por ele e seu séquito licudista (de filiados a seu partido). Quem estivesse na oposição era taxado com o epíteto de quatro letras em hebraico: “Smol!” [esquerda], que são aqueles por eles denominados de ‘sub-israelenses, inimigos do povo e do Estado’.
O subtexto era claro: Netanyahu, ele próprio, tornara-se o Estado.
Passo a passo, os instrumentos de um ditador tornaram-se as armas escolhidas por Netanyahu: em particular a mentira diametricalmente oposta à realidade. Exemplo disso foi a auto-vitimização, com as falsas acusações de que o adversário estaria fazendo com ele exatamente o que ele e o Likud brandiam contra o adversário: acusavam Gantz de dizer que ele, Netanyahu, seria um “traidor”.
Os resultados revelam que grande número de israelenses foi contaminado por tais mentiras, golpes baixos, acusações sem base alguma, entre elas a de que a esposa de Gantz seria uma ‘esquerdista radical’; de que Gantz – que serviu como Chefe de Estado Maior no exército sob comando político de Netanyahu – teria participado de uma cerimônia em homenagem a um ‘terrorista do Hamas’; de que Gantz seria afeito a abuso sexual, um desviado, um doente mental e um traidor, determinado e com vontade de ajudar os políticos árabes a exterminar Israel”.
BRADLEY BURSTON – Editor do portal em inglês do jornal Haaretz, foi colunista do jornal Jerusalem Post.