Grávida de 5 meses, Dayana descreve o ocorrido na fuzilaria de Guadalupe.
“Não recebi apoio de ninguém. Nem do Exército nem das autoridades. Nunca me procuraram. Ele era pintor, teve carteira assinada e tudo. Não era bandido. Mas estava muito difícil conseguir emprego, e ele passou a catar latinhas”
Dayana Horrara da Silva Fernandes, a viúva do catador Luciano Macedo, um dos dois mortos na ação que teve mais de 80 tiros disparados pelo Exército na Zona Oeste do Rio, no último dia 7 de abril, conta com detalhes os momentos de terror que viveu ao lado do marido no meio do fogo cruzado.
Ela está grávida de cinco meses de uma menina. O marido morreu sem saber o sexo da criança. Dayana lembra a felicidade de Luciano com a gravidez, seria a sua primeira filha. Ela já tem um menino de 5 anos. No vídeo, gravado pela ONG Rio de Paz, ela revela como tem vivido com a ausência do companheiro e fala do futuro.
Veja o vídeo:
Luciano morreu 11 dias depois de ser baleado ao ajudar a família do músico Evaldo dos Santos Rosa, cujo carro foi fuzilado por soldados do Exército no dia 7 de abril, em Guadalupe. Evaldo morreu na hora após ter recebido nove disparos nas costas e na cabeça.
Luciano recebeu três tiros de fuzil disparados pelos soldados.
No dia em que foi baleado, Luciano e Dayana estavam na rua catando material para construir um barraco para morar. Mas, ao avistar uma criança no meio do fogo cruzado, ele foi ajudar o menino e acabou ferido.
Dayana lembra que, quando os tiros pararam, Luciano correu até o carro, no lado do motorista. O músico ainda tentou falar, mas não conseguiu. Foi nesse momento que mais tiros foram disparados, atingindo Luciano.
“Ele disse para eu correr e me esconder. Corri para trás de um carro e fiquei gritando para ele sair de lá. Aí, ele veio já ferido, com a blusa na mão”, recorda.
“Enquanto estava com ele ali, sangrando, um soldado chegou apontando o fuzil para mim, dizendo para eu sair de perto, que ele era bandido. Disse que o Luciano não era bandido, que só estava ajudando. Um soldado riu e reforçou, afirmando que viu ele saindo do carro”, contou a viúva.
Os militares só se afastaram quando moradores começaram a gritar que eles eram moradores da região e trabalhadores.
Nove dos 12 militares envolvidos na ação estão presos. O Ministério Público Militar pediu a soltura deles.
MEDO
Desde então, Dayana diz que vive assustada e não quer mais morar em Guadalupe. Ela está vivendo na casa de uma amiga, com apoio da ONG Rio de Paz, que pagou as despesas do enterro de Luciano.
“Não recebi apoio de ninguém. Nem do Exército nem das autoridades. Nunca me procuraram. Ele era pintor, teve carteira assinada e tudo. Não era bandido. Mas estava muito difícil conseguir emprego, e ele passou a catar latinhas”, lamenta.
“A gente ia construir um barraco, mas não quero mais morar lá. Perdi meu companheiro e não sei mais o que fazer. Ele me acompanhava no posto médico, beijava a minha barriga. Ele estava muito feliz, sonhava, estava louco para ver o rosto da filha que ia nascer”, disse.
“Não sei o que vou dizer para a minha filha quando ela perguntar pelo pai dela. Nunca vou esquecer meu marido. Toda vez que olhar minha filha, vou lembrar dele. Ele cuidava de mim. Ainda acordo de madrugada procurando por ele. Não sei ainda o que vou fazer. Penso que depois que minha filha nascer, vou trabalhar e voltar a estudar e melhorar de vida. Pobre que mora em favela não tem valor”, disse.
TIAGO CÉSAR
Leia mais: