O governador Wilson Witzel (PSC) estava a bordo do helicóptero que realizou disparos a esmo no fim de semana em Angra dos Reis, no Rio, e atingiu uma tenda evangélica e dois prédios da cidade.
Num dos trechos do vídeo, a arma é disparada sobre uma área de mata de uma comunidade. Em êxtase, o governador filmou um desses momentos e mostrou um policial com um fuzil em punho dentro do helicóptero. “Vamos botar fim na bandidagem em Angra dos Reis”, berrava o governador bolsonarista.
“Se tivesse um grande número, como sempre tem, tinha morrido alguém. Porque eles atiraram na tenda azul”, afirmou o morador Rodrigo Bernardes. “Aquela barraquinha ali foi criada pelos irmãos evangélicos e serve de banheiro. Aqui não tem ponto de tráfico, é uma tranquilidade”, completou.
A polícia alegou que fez os disparos porque aquela seria uma barraca “montada por traficantes como ponto de observação”. Dois apartamentos de um prédio em Angra dos Reis também foram atingidos pelos tiros na manhã de segunda-feira (6).
As operações das polícias Civil e Militar começaram no sábado (4). No domingo (5), um trecho da BR-101, a Rodovia Rio-Santos, chegou a ser fechado pela polícia por cerca de 20 minutos por causa de tiroteios. No dia seguinte, pelo menos dois apartamentos de um prédio foram atingidos.
“Foi uma operação de reconhecimento para que agentes da Core e das polícias Militar e Civil pudessem entrar na comunidade”, justificou Witzel.
Desde que assumiu o governo, o ex-juiz faz apologia da ação de franco atiradores nas comunidades. Witzel defende o uso de helicópteros com “snipers” para sobrevoar operações em favelas, orientados a “abater” traficantes ou supostos traficantes com fuzis, mesmo que estes estejam fora de situação de combate e não ofereçam risco imediato às tropas.
Em recente entrevista ao jornal ‘Estado de S. Paulo’, ele afirmou que seu plano para a segurança pública do Estado gira em torno do “abate de bandidos de fuzil”. Recentemente ele anunciou que seus “snipers” já estavam em ação.
Realmente, já há sinais de que os assassinos de Witzel estejam em ação. O laudo da morte de Rômulo Oliveira da Silva, de 37 anos, concluiu que ele morreu após receber “um tiro de fuzil vindo de cima”. Rômulo estava estacionando sua moto em um mecânico, em Manguinhos, Zona Norte do Rio, quando foi vítima dos tiros.
De acordo com o laudo da autópsia, o disparo entrou no corpo da vítima pelo peito e saiu pela “região lombar esquerda”, ou seja, pela base da coluna. O tiro, segundo o texto do perito Ronaldo Martins Junior, do Instituto Médico Legal (IML), percorreu a barriga de Rômulo e causou ferimentos no fígado, nas alças intestinais e no estômago.
Moradores de Manguinhos relatam que ‘snipers’ teriam atirado do alto da torre da Cidade da Polícia, contra a comunidade. De acordo com a irmã da vítima, Leidelene de Oliveira, um pouco antes de Rômulo ser atingido, outro morador também foi baleado ali no mesmo local.
“Quando o Rômulo passou por ali, em direção ao mecânico, as pessoas alertaram que eles estavam dando tiro na torre da Cidade da Polícia e ele tentou parar para estacionar, mas foi atingido, quando estava de frente para a torre”, conta a jovem. A Cidade da Polícia é um complexo de delegacias especializadas da Polícia Civil que fica na frente da favela.
Segundo o professor de medicina legal da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Nelson Massini, ao analisar o laudo da perícia, as lesões comprovam que o tiro foi feito com um fuzil. “O tiro tem características típicas de fuzil, provocou lesões em vários órgãos”, afirma Massini.
Rômulo trabalhava como porteiro da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e segundo seus parentes, ele estava a caminho de uma oficina mecânica, dentro da favela. Foi baleado ali mesmo, na região conhecida como Praça do Flamenguinho.
Momentos antes do porteiro ser alvejado, um ajudante de pedreiro de 22 anos também foi alvo de um tiro de fuzil na mesma região, a poucos metros de distância do ponto em que Rômulo foi atingido. O tiro perfurou a barriga do jovem, que foi socorrido e sobreviveu. Em depoimento ao Ministério Público, ele disse que o tiro que o atingiu veio da torre da Cidade da Polícia. Outro procedimento investiga o assassinato de Carlos Eduardo dos Santos Lontra, de 27 anos, quatro dias antes na mesma região. Ele foi baleado na barriga quando passava pelo. Os parentes afirmam que os tiros partiram da torre.
Sobre a ação em Angra dos Reis, Witzel fez questão de divulgar os vídeos nas redes sociais dizendo que acompanhava de perto o trabalho da polícia. “Faz parte do meu trabalho reconhecer essa situação, como nenhum outro governante fez, e participar ativamente junto com a polícia daquilo que é a obrigação do governante”, disse.
Segundo o governador, “a polícia vai fazer o correto: vai mirar na cabecinha e… fogo! Para não ter erro”. Ele classifica a execução de criminosos, sem qualquer direito a julgamento, por “abate”. O conjunto de normas da Secretaria de Segurança Pública do Rio prevê que policiais podem atirar do alto, a partir de helicópteros, durante operações. Mas os disparos só são autorizados em casos específicos.
O documento diz que os tiros podem ser dados do helicóptero quando estritamente necessário para legítima defesa dos tripulantes, de equipes em terra e da população.
Depois de participar da operação de Angra, o governador passou o fim de semana com a família em um hotel de luxo na cidade, com diárias que variam de R$ 1,6 mil a R$ 5,5 mil. Wilson Witzel disse que recebeu a hospedagem do hotel.
“Eu me hospedei no hotel porque foi o hotel que ofereceu. Dali partiu o helicóptero. As minhas despesas pessoais eu paguei com o meu cartão de crédito e o hotel fez a cessão da hospedagem para que a minha família ficasse ali naquele final de semana”, explicou.
Assista ao vídeo sobre a operação
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