A Rússia não pode salvar sozinha o acordo nuclear com o Irã, afirmou o presidente russo Vladimir Putin, acrescentando que o desmanche do acordo foi desencadeado pelos EUA, enquanto a Europa mal reagiu.
Para a Rússia, o acordo só pode ser salvo “através dos esforços de todos os seus signatários”. A declaração foi feita em coletiva de imprensa na quarta-feira (15), após encontro com o presidente austríaco Alexander Van der Bellen.
O acordo, assinado pelo Irã, pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU – EUA, Rússia, China, Grã-Bretanha e França – e mais a Alemanha, e oficializado pelo CS, foi no ano passado rasgado unilateralmente pelo regime Trump, apesar de ter sido negociado e assinado pelo presidente anterior, Barack Obama.
“A Rússia não é uma equipe de combate a incêndios, não podemos sair por aí e salvar tudo o que não depende totalmente de nós”, assinalou o presidente da Rússia. Ele acrescentou que dizer tal coisa “não diplomática” pode incomodar “os ouvidos de nossos amigos europeus”.
“Os norte-americanos se retiraram do acordo, o acordo está desmoronando e os países europeus foram incapazes de fazer qualquer coisa para salvá-lo, incapazes de realmente trabalhar com o Irã e compensar suas perdas econômicas”, afirmou Putin.
Para Putin, a permanência do Irã dentro do acordo seria a postura mais adequada no interesse de Teerã. “Eu disse repetidamente aos nossos parceiros iranianos que, na minha opinião, seria aconselhável que o Irã permanecesse dentro do acordo”, comentou Putin.
“O Irã pode tomar medidas de retaliação [contra as sanções de Trump] e dizer que está deixando [de cumprir] alguma coisa, mas amanhã todo mundo esquecerá que [isso] foi deflagrado pelos EUA e toda a culpa será atribuída ao Irã”, alertou.
Na semana passada, diante da escalada de pressões do regime Trump, o governo de Teerã anunciou que deixaria de cumprir algumas cláusulas do acordo e estabeleceu 60 dias de prazo para que os europeus façam alguma coisa de verdade para compensar o Irã, no espírito do acordo de 2015, que era a troca do fim das sanções contra o Irã pelo mais rigoroso regime de inspeção da Agência Internacional de Energia Nuclear (AIEA) já imposto a qualquer país.
Em última instância, esse embate em relação ao Irã expressa a urgência de que seja restaurada a Carta da ONU, já que, se os EUA soberanamente podem não querer comprar nada do Irã, não podem exigir isso de todos os demais países do planeta, num movimento que só difere da definição de guerra de agressão condenada no Tribunal de Nuremberg pela falta – ainda ? – da agressão militar direta.
A ordem de Trump é matar os iranianos de fome, ao decretar “zero de exportação de petróleo iraniano” e ameaçar os países e empresas que mantenham negócios com o Irã. Trump também anunciou que qualquer um que compre metais do Irã sofrerá sanções.
Política descrita por um relator especial de direitos humanos da ONU como “a volta dos cercos medievais às cidades” para matar pela fome seus habitantes.
Até aqui, as compensações que a União Europeia se dispôs a efetivamente assegurar a Teerã foram mínimas, se alguma.
Os dois membros europeus do CS da ONU que assinaram o acordo – França e Grã-Bretanha -, mais a Alemanha, haviam se comprometido a manter o alívio econômico sobre o Irã, enquanto o país cumprisse o acordo nuclear. Mas as promessas não se traduziram em nada de realmente factível, com as empresas europeias se retirando do Irã, para evitar sanções norte-americanas.
O achaque promovido por Trump contra o Irã é ainda mais maligno, por se inscrever em uma iniciativa cujo objetivo é impor aos palestinos a condição de bantustão sob o apartheid israelense, cinicamente chamado de “acordo do século”, e a tempo de tentar atrair o voto dos judeus norte-americanos para o palanque de reeleição de Trump de 2020.
Na segunda-feira, a ministra de Relações Externas europeia, Federica Mogherini, rechaçou as ameaças de Washington de atacar militarmente o Irã. Enquanto o jornal The New York Times falava em planos do Pentágono de “120 mil soldados no Oriente Médio”, Trump enviava porta-aviões nuclear e quatro bombardeiros estratégicos nucleares B-52 à região, numa provocação explícita.