O líder da oposição, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), apresentou na quinta-feira (16) um projeto de decreto legislativo (PDL) para suspender o decreto de Bolsonaro que concede à Secretaria de Governo (Segov), dirigida pelo ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz, a atribuição de avaliar indicações para postos de segundo e terceiro escalão, reitores de instituições federais de ensino e para funções no exterior.
De acordo com Molon, a nomeação de servidores para cargos em comissão e função de confiança em universidades deve ser de responsabilidade do reitor ou de autoridades por ele designadas e que um decreto presidencial hierarquicamente não pode contrariar o texto constitucional.
Para o líder da oposição, essa medida de Bolsonaro é uma “retaliação” à comunidade universitária por ter reagido aos cortes para o setor em grandes manifestações realizadas na quarta-feira (15). “Fica evidente que o presidente da República está retaliando as universidades por terem protestado contra os cortes no orçamento feitos pelo governo. É mais uma tentativa de atacar a autonomia das universidades para enfraquecê-las. Isso vai ter o efeito contrário: os protestos vão crescer. E nós, da oposição, vamos lutar pra derrubar esse decreto aqui no Parlamento”, afirmou Molon, em nota.
Para o deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA), o governo Bolsonaro comete um absurdo atrás do outro “em sua cruzada contra a educação”.
“Ele reincide em agressões à autonomia universitária, conquista importante do processo democrático brasileiro. O presidente não disfarça o ódio que nutre pelo conhecimento, pela ciência, por nossas instituições educacionais. Muito especialmente expele ódio contra as universidades e institutos federais”, destacou.
O decreto de Bolsonaro foi publicado na quarta-feira (15), exatamente no dia das gigantescas manifestações que aconteceram no país, em menos de cinco meses de governo Bolsonaro, no Diário Oficial da União. Além de alterar os trâmites de indicações para postos de segundo e terceiro escalão, reitores de instituições federais de ensino e para funções no exterior, o ato institui também um sistema na internet de indicações para cargos de confiança na administração federal. A medida está marcada para entrar em vigor no dia 25 de junho.
O governo alega que o decreto só formaliza o que já vem sendo feito. É o que disse o secretário-executivo do Ministério da Educação (MEC), Antônio Paulo Vogel, após reunião com representantes da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). “Esse decreto que saiu ontem só formaliza algo que já é feito há anos. O sistema para nomeações de pessoal já existia. Abin e CGU já são consultadas há anos para nomeações. Elas fazem análise formal. Já passa na Segov há anos, inclusive nos governos anteriores. Não mudou nada. É a mesma coisa”, tentou minimizar Vogel.
No entanto, o presidente da Andifes, Reinaldo Centoducatte, reitor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), informou que ainda vai analisar o decreto para saber o seu impacto. Ele relatou que quanto à escolha de reitores, a legislação já estabelece que o presidente pode escolher qualquer nome de uma lista tríplice elaborada pela própria universidade.
Segundo ele, a tradição tem sido nomear o mais votado nessa escolha interna, mas não há garantia de que Bolsonaro vai segui-la. Sobre a possibilidade de uma ação na Justiça caso o primeiro da lista não seja indicado reitor, Centoducatte afirmou que já há uma lei tratando do assunto e que o caminho é o convencimento e a busca de apoio político para que o primeiro colocado da lista continue sendo nomeado. Para Centoducatte, o primeiro colocado é a pessoa mais indicada para liderar uma universidade.
O Andes (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições do Ensino Superior) encomendou uma avaliação do seu setor técnico para avaliar o decreto bolsonarista. “A Diretoria Nacional do ANDES-SN, junto com a Assessoria Jurídica Nacional, está verificando as possibilidades de ação contra esse decreto, o qual avaliamos como inconstitucional. Informamos que todas as ações políticas e jurídicas cabíveis serão adotadas pelo Sindicato Nacional”, diz o Andes.
A Assessoria Jurídica Nacional do Andes, em parecer assinado por Rodrigo Péres Torelly, diz que “salta aos olhos a ilegalidade e a inconstitucionalidade do decreto, que busca certamente por esse novo sistema não aprimorar o funcionamento do serviço público, mas criar mecanismos para institucionalizar interferência política nas nomeações”.
“Em uma análise preliminar, constata-se a ilegalidade e inconstitucionalidade do Decreto nº 9.794/19, porquanto, por se tratar de ato normativo infralegal, não pode se contrapor a comandos previstos em lei e na própria Constituição Federal”, diz o texto.
O parecer lista os itens da Constituição e da legislação que o decreto de Bolsonaro afronta:
a) artigo 16, I, da Lei nº 5.540 – “Art. 16. A nomeação de Reitores e Vice-Reitores de universidades, e de Diretores e Vice-Diretores de unidades universitárias e de estabelecimentos isolados de ensino superior obedecerá ao seguinte: (…) IV – os Diretores de unidades universitárias federais serão nomeados pelo Reitor, observados os mesmos procedimentos dos incisos anteriores – Violação desse dispositivo por um decreto;
b) artigo 207, da CF, violação à autonomia universitária, quando retira das universidades a competência para nomear e exonerar os ocupantes de cargos em comissão e nomear candidatos aprovados em concurso público, bem como quando determina que as indicações para reitor sejam submetidas ao crivo da Secretaria de Governo da PR;
c) Lei nº 8.112 – ao estabelecer como requisito para nomeação de cargo em comissão a pesquisa da vida pregressa, o que não está previsto no RJU;
d) Artigo 5º, X, da CF, Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. A pesquisa da vida pregressa, sem que haja motivação para tanto, pode representar violação à intimidade;
e) Decreto-Lei nº 200, artigo 5º, I e IV, violação à autonomia administrativa das fundações e autarquias;
f) Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: – Violação ao princípio da legalidade ao afastar a aplicação de disposições legais.
g) Desvio de finalidade do decreto;
CIENTISTAS ENGAJADOS
A procuradora Municipal de Curionópolis (PA), Bárbara Cozzi, integrante do grupo Cientistas Engajados, alertou que pelo decreto 9.794 a ameaça de ser escolhido pelo governo Bolsonaro um nome fora da lista tríplice escolhida pela comunidade universitária “existe, sim”.
A procuradora chamou a atenção que os cargos de diretor, reitor, são cargos comissionados, ou seja, não são cargos de carreira, concursados, são cargos de confiança, de indicação do Executivo. “Então ele [o reitor] não tem a mesma garantia se fosse concursado. É indicado [pelo governo] para ser reitor”, esclareceu. “Ele é demissível a qualquer momento, pode ser afastado a qualquer momento”. “Existe algumas ressalvas por conta da liberdade acadêmica, que são princípios que estão na Constituição. Eu nunca vi um reitor ser destituído por um presidente da República, até porque se respeita a liberdade de ensino nas instituições. Agora, desse governo tudo se espera. Porque o sonho deles é isso: fazer com que os reitores fiquem na mão deles. ‘Se você, reitor, não fizer isso, eu vou te demitir’”, explicou.
“Mas que fique claro uma coisa: independentemente desse decreto, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação coloca critérios para eleger reitores, critérios de votação, e ela também dá algumas ressalvas ao cargo, a ressalva maior que é a Constituição. Se a instituição de ensino tem liberdade de pensamento, de autogestão, até por serem autarquias e fundações, não faz sentido demitir o reitor por qualquer coisa, por ele não concordar com o governo”.
“O meu medo”, advertiu Cozzi, “é que, através desse decreto, o governo queira burlar a lei para demitir o reitor por qualquer coisa. O que não vai conseguir, porque legalmente isso é errado”. “Um decreto jamais vai se sobrepor a uma lei”. “Isso é um risco real, no sentido de uma ameaça jurídica, no sentido de uma ameaça à Constituição”.
“Temos que voltar para a rua, sim, e fazer barulho com isso”. “Isso está indo contra a lei”, enfatizou.