O presidente da Huawei, Ren Zhengfei, rechaçou o banimento, pelo regime Trump, da venda de componentes e software norte-americanos à gigante chinesa dos equipamentos de telecomunicações, movimento que agrava a guerra comercial contra Pequim, e afirmou que “as ações do governo dos EUA subestimam nossas capacidades” e que o assédio “não afetará em nada” as redes 5G, cuja liderança inquestionável é da Huawei.
Tecnologia de ponta em que “as outras empresas não alcançarão a Huawei em dois ou três anos”, asseverou. Ele acrescentou que “nosso trabalho é beneficiar toda a Humanidade” e que o equipamento 5G da Huawei reduz em muito o custo de implantação das redes de alta velocidade, vitais para o aumento da produtividade e da conectividade. Apenas a faixa de custo inferior da linha de celulares da empresa será afetada pela medida.
Na semana passada, Trump colocou a Huawei numa lista negra, sujeitando o fornecimento de componentes e software norte-americanos à prévia autorização de Washington. Em outro movimento, ele proibira o uso de equipamentos 5G da Huawei nos EUA, sob o pretexto de ameaça “à segurança nacional” e vinha pressionando governos aliados para vetarem a empresa chinesa. Em suma, oficializou a disposição de sufocar a Huawei.
Vitrine do avanço chinês na alta tecnologia e do desenvolvimento das redes de alta velocidade 5G no mundo, a Huawei se tornou a maior fabricante de equipamentos de telefonia do mundo e a segunda maior nos celulares, tendo suplantado a Apple em 2018. No primeiro trimestre deste ano, a Huawei vendeu 59,1 milhões de smartphones, 19% do mercado.
Apesar de toda a fabulação de Trump sob o déficit comercial, a principal fonte do confronto vem de sua recusa em admitir a decisão chinesa de dominar soberanamente a alta tecnologia até o ano de 2025, sob o ponto de vista de projeto e inovação, da computação quântica aos veículos elétricos, passando pela inteligência artificial, energias limpas e novos materiais – além, claro, da ânsia de Wall Street de que o sistema financeiro chinês lhe seja escancarado.
Após o abalo nas bolsas sofrido por corporações norte-americanas da alta tecnologia na segunda-feira, o governo Trump anunciou uma trégua de 90 dias no banimento, que irá até 19 de agosto. Em Wall Street, as ações da Apple já caíram 10% e os fornecedores de tecnologia de semicondutores Skywork, Xilinx e Nvidia, respectivamente 21,5%, 17% e 15% desde o último mês. A Intel perdeu 13% no mês e 26% desde o último máximo. Só a Qualcomm encolheu 5% em um único dia. Conforme a Bloomberg, o acatamento da ordem de Trump já estava ocorrendo, também, por parte da Qualcomm, Intel, Xilinx e Infenion.
De acordo com o Financial Times, as ações dos fabricantes de semicondutores estão enfrentando a maior queda mensal desde 2008, o que em boa parte pode ser atribuído ao assédio do regime Trump à Huawei. O presidente da Associação da Indústria de Semicondutores dos EUA, John Neuffer, que representa fabricantes e projetistas, afirmou que sua entidade espera trabalhar com o governo dos EUA para alargar a extensão da licença de 90 dias.
Aceno respondido pelo presidente da Huawei, que afirmou que “não vamos, repentina e levianamente, excluir os chips norte-americanos. Devemos crescer juntos. Mas se ocorrerem dificuldades no fornecimento, temos planos de contingência”. “Em época de paz [antes da atual guerra comercial ], supríamos metade com chips norte-americanos, metade com chips da Huawei. Não será possível nos isolar do resto do mundo”, reiterou.
Na entrevista, Ren fez, ainda, questão de diferenciar entre as empresas de alta tecnologia norte-americanas, que há anos vem sendo parceiras da Huawei, e as ações dos “políticos norte-americanos”. Ele revelou que a Huawei está “trabalhando com a Google” para viabilizar soluções para o problema imposto desde Washington e se distanciou da campanha anti-Apple que espontaneamente tem vingado na China. “Google é uma boa empresa e uma empresa muito responsável. Google e Huawei discutem para buscar uma resposta à proibição de venda de equipamento”, afiançou. Após o fim da trégua, os novos celulares da Hu awei perderiam acesso ao Gmail e Youtube.
Em defesa da Huawei, o Ministério do Comércio da China denunciou que o país “tem enfatizado muitas vezes que o conceito de segurança nacional não deve ser abusado, e que não deve ser usado como uma ferramenta para proteger interesses comerciais”. A declaração enfatiza que a China “tomará todas as medidas para salvaguardar os direitos legítimos das empresas chinesas”.
“REPUTAÇÃO DESTRUÍDA”
No grande país asiático, são intensas as repercussões do banimento decretado por Trump. O porta-voz oficioso de Pequim para questões polêmicas, o jornal em língua inglesa Global Times (GT), afirmou que o corte no fornecimento “destruiu completamente a reputação comercial das empresas norte-americanas” e que se trata de verdadeiro “ponto de virada para a China ao se despedir gradualmente das principais tecnologias de informação norte-americanas, como os chips”.
Para o GT, qualquer empresa passaria por dificuldades para reorganizar a cadeia de suprimentos “depois de ser abruptamente cortada por uma grande economia”, mas definitivamente a Huawei “tem capacidade para resistir” ao golpe.
Mas, advertiu o jornal, essa é uma via de mão dupla, com a gigante chinesa tendo “muitas patentes tecnológicas no campo das telecomunicações” e também a China tendo a capacidade “de interromper a cadeia de suprimentos da qual dependem forças industriais externas”. “Parar o fornecimento à Huawei significa que eles estão perdendo irreversivelmente o mercado chinês”, condensou.
“ESTIVEMOS NOS PREPARANDO”
Em entrevista no domingo ao jornal japonês The Nikkei, Ren havia afirmado que “estivemos nos preparando para isso” – o banimento -, apontando que a Huawei vem desenvolvendo seus próprios componentes.
Segundo o jornal, dos US$ 67 bilhões gastos pela Huawei a cada ano, US$ 11 bilhões são de procedência norte-americana. Entre os mais de 90 fornecedores principais da Huawei no mundo, 33 são dos EUA. A subsidiária de semicondutores da Huawei, a HiSilicon, anunciou que está pronta para executar os chips desenvolvidos de forma independente e para mitigar as medidas do governo Trump.
Apesar da proibição emitida pela Casa Branca tornar mais difícil fazer negócios com corporações norte-americanas, a expectativa da Huawei é de que seu crescimento poderá desacelerar, “mas apenas ligeiramente”, com a receita anual aumentando a um ritmo menor que 20%.
Em uma carta interna a que o jornal Global Times teve acesso, He Tingbo, presidente da HiSilicon, disse que está se preparando para esse cenário há muito tempo e que há um plano de backup para “sobrevivência em condições extremas”.
“SEM MONITORAMENTO”
Nessa mesma entrevista ao jornal japonês, o executivo-chefe da Huawei acrescentou que “não vamos mudar a nossa gestão a pedido dos EUA, nem aceitaremos monitoramento, como fez a ZTE”. A declaração é uma referência à chantagem anterior de Trump, contra a segunda maior fabricante chinesa de equipamento de telefonia. Esta teve a produção paralisada por meses após o governo Trump sustar a venda de componentes, até que aceitou mudar sua direção e pagou multa de US$ 1,4 bilhão. “Mesmo se os EUA nos pedir para fabricar lá, não iremos”.
As acusações da Casa Branca sobre “ameaças à segurança” foram novamente rebatidas por Ren, que reiterou que a Huawei não tem “nada que viole a lei”. O que é exatamente o contrário das corporações norte-americanas, conhecidas, desde as denúncias de Edward Snowden, pelas portas dos fundos que instalam em seus produtos para a NSA/CIA e pelas salas de grampo nas principais unidades das suas operadoras e nas redes da internet.
ALTO DESEMPENHO
No ano passado, a Huawei havia apresentado seu chipset de mais alto desempenho, para uso em servidores e computação em nuvem, em arquitetura Arm, de fabricação própria. “A empresa chinesa está tentando dizer ao mundo exterior que não teme uma possível repressão dos EUA, e é capaz de garantir o fornecimento de seus servidores e equipamentos”, disse ao GT um veterano analista da área, Liu Kun. Ao mesmo tempo, a gigante chinesa reiterara sua disposição de “continuar trabalhando com parceiros globais no espírito de abertura, colaboração e sucesso compartilhado”.
Segundo o GT, além da HiSilicon, a China dispõe ainda da Unisoc, ambos projetistas de chipsets de 5G, e da Semiconductor Manufacturing International Corp (SMIC), a maior fabricante de chips do país, e terceira maior do mundo.
A HiSilicon também está chamando doutorandos da China e do exterior nas áreas de inteligência artificial, chipsets digitais, Internet das Coisas (IoT), bancos de dados em nuvem e redes hiper-rápidas 6G, num total de 31 linhas de investigação, para participarem desse esforço de substituição.
A cruzada de Trump contra a independência tecnológica da China chegou a ponto de a filha de Ren, e diretora da Huawei, Meng Wanzhou, ter sido tirada de um voo de conexão em Vancouver e presa, sob pedido de extradição de Washington, por supostas violações de sanções unilaterais dos EUA contra o Irã.
MORDE E ASSOPRA
Todas essas altercações levaram um banqueiro chinês a dizer à RT que o dinheiro chinês “vai sumir” do Vale do Silício, depois do assédio à Huawei. Certas fontes da mídia especularam que a visita do presidente Xi Jinping a uma empresa de terras-raras seria sinal de que o setor poderia ser a próxima frente na guerra comercial, já que a China produz 80% de terras-raras no mundo, um grupo de 17 elementos químicos usados em eletrônica.
Em outra frente – a tentativa do governo Trump de impor aos ‘aliados’ seu veto ao 5G da Huawei – segue ladeira abaixo, com a mídia alemã registrando que anos de monitoramento da Grã-Bretanha, Alemanha e União Europeia não encontraram portas dos fundos nos produtos da Huawei. Porta-voz da chancelaria chinesa Lu Kang comentou as conclusões, apontando que provam a inocência da Huawei e mostram que “a repressão dos EUA com poder estatal sobre empresas de outros países não é justificada”.
A pressão contra a Huawei foi ainda um dos temas do telefonema do ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, ao seu homólogo Mike Pompeo, em que advertiu sobre Washington ir “longe demais” e exortou a que se evitem mais danos às relações bilaterais.
Wang aproveitou para pedir ao regime Trump que se atenha, em relação a Taiwan, ao princípio de uma só China e aos três comunicados conjuntos China-EUA. Sobre as tensões no Oriente Médio, o chanceler chinês aconselhou “todas as partes a exercerem a contenção”. Ele reafirmou ainda a posição de princípio da China contra a “jurisdição de braços longos” dos EUA.
ANTONIO PIMENTA