Um vídeo divulgado nas redes sociais e manipulado para fazer parecer que a presidente da Câmara de Representantes dos EUA, a veterana democrata Nancy Pelosi, estava bêbada ou drogada, e que viralizou, tornou-se motivo de polêmica e escracho nos EUA, numa pequena amostra do que vem pela frente nas eleições 2020, coroando uma semana de furdunço entre ela e o presidente Donald Trump.
Nas altercações entre os dois, Trump chegou a chamar Pelosi de “Nancy Doidona”, após esta classificar como “birra” o cancelamento de uma reunião na Casa Branca e insinuar que Trump estava “precisando de intervenção” da família ou da equipe.
O que foi respondido pelo presidente bilionário declarando-se “um gênio extremamente estável” e uma pessoa “calma, muito calma”. Com o feriado prolongado do Memorial Day dessa sexta-feira, que marca a chegada do verão, o tiroteio em Washington arrefeceu, pelo menos durante o final de semana. Na segunda-feira, tem mais.
No vídeo editado, a voz de Pelosi foi desacelerada, dando um efeito de fala arrastada. Em apenas dois dias, uma versão alojada no portal conservador Politics WatchDog somou 2,4 milhões de visualizações, 47 mil partilhas e quase 30 mil comentários, tipo “é uma desgraça”, “está bêbada” e por aí vai. O Youtube já retirou o vídeo fake, mas o Facebook manteve. Vídeo anterior para espinafrar Pelosi chegara a 28 milhões de visualizações.
SONÂMBULOS DE WASHINGTON
Enquanto Trump e seus neocons marcham como sonâmbulos para a guerra comercial e tecnológica contra a China, prometem ao Irã zero de petróleo exportado e B-52 e esquadra de guerra nuclear e a sexta criança imigrante enjaulada na fronteira morre, madame Pelosi anda amuada pela recusa do bilionário em confessar que é o candidato siberiano de Putin e assevera que ele “descumpre a constituição por obstruir as investigações” da farsa preferida de Hillary, a de que perdeu as eleições por causa da “interferência russa”.
Trump acabou por recuar do apelido de “Nancy Doidona”, ao se lembrar que o adjetivo já tem dono segundo ele, “Bernie Doidão” – e piada repetida não tem graça. Ele já demonstrara seu expertise no assunto com os demolidores “Hillary Vigarista” e “Sem Pegada Jeb Bush” na campanha passada e, agora, com o “Joe [Biden] Sonolento”, mas vinha poupando Pelosi até aqui, por ser uma das mais moderadas democratas em relação ao impeachment.
O imbróglio desta semana começou com Pelosi chutando as canelas do Mr. Presidente, acusando-o de ser “um mestre do diversionismo”, com “uma bolsa cheia de truques para distrair todos dos temas importantes”. Claro que o tema realmente importante de Pelosi é que a Fundação Clinton anda meio afundada e os banqueiros amantes da boa prosa shakespeareana perderam tempo e dinheiro. Ela reiterou, ainda, que Trump cometeu “crime de obstrução à Justiça”, ao atuar para evitar que integrantes do governo prestem depoimentos no Congresso sobre o Russiagate.
Nas últimas semanas, o procurador-geral William Barr e outro ex-assessor de Trump se negaram a atender convocações da Câmara para depor. Além disso, andam mexendo no bolso de Trump, e portanto ferindo sua sensibilidade, ao exigirem que mostre as declarações do imposto de renda e acionando judicialmente bancos para que entreguem documentos.
ACESSO DE BIRRA
Em resposta, Trump cancelou de última hora reunião com ela e o líder da minoria democrata no Senado, Chuck Summer, na quarta-feira, cujo principal ponto de pauta seria o plano de US$ 2 trilhões para investimento na infraestrutura do país, considerada em pandarecos.
O troco veio na coletiva costumeira de quinta-feira de Pelosi, em que ela insinuou que o comportamento de Trump era tão errático que ele precisaria que “sua família, governo ou equipe” realizassem uma intervenção “para o bem do país”. “Talvez ele queira tirar uma licença”, acrescentou. O que foi prontamente interpretado nos círculos políticos como referência à 25ª Emenda da Constituição norte-americana, que permite afastamento do presidente em caso de incapacitação física ou mental”.
“GÊNIO EXTREMAMENTE ESTÁVEL”
Declaração que tirou Trump do sério e transformou o que seria uma reunião dele com agricultores prejudicados pela guerra comercial à China numa espetáculo bizarro. Trump contestou a declaração de Pelosi que ele tivera um “acesso de birra” ao desmarcar a reunião sobre o plano de infraestrutura e insistiu em que estava “tão calmo, extremamente calmo”.
Para que não pairasse dúvida, chamou uma fieira de assessores dele na Casa Branca, da secretária de Imprensa Sarah Sanders ao conselheiro econômico Larry Kundlow, que se revezaram para testemunhar que Trump estava “calmo, muito calmo” na véspera. Depois de repetir pelo menos nove vezes a expressão “calmo”, em voz muito calma, Trump culminou tudo com a proclamação de que é um “gênio extremamente estável”.
Foi depois disso que Trump começou a tentar bolar um apelido que desmonte a líder democrata. Parece que ainda não achou. No twitter, andou dizendo que Pelosi “está uma bagunça … ela está se desintegrando”. Acrescentou que “a tem observado há um longo tempo, não é a mesma pessoa, se perdeu”.
A tréplica de Pelosi foi postar nas redes sociais que “quando o ‘gênio extremamente estável’ começar a agir de forma mais presidencial, ficarei feliz em trabalhar com ele em infraestrutura, comércio e outras questões”.
INVESTIGANDO A INVESTIGAÇÃO
Assim como é cutucado, Trump também está mexendo seus pauzinhos para investigar a investigação de sua campanha pelo FBI, durante o governo Obama, monitoramento que parece estranho num regime dito democrático. A polícia política investigando a campanha do partido adversário, ex-integrantes de um serviço secreto amigo fabricando dossiês muito bem pagos e outras maravilhas da plenitude democrática.
Além disso, Trump diz que não trabalhará com os democratas no Congresso até que estes encerrem as investigações contra ele. Confronto que, admitiu, poderá dificultar a aprovação de algumas de suas prioridades, como o acordo comercial assinado com México e Canadá para substituir o Nafta.
“BÊBADA? QUEM DISSE?”
Quanto ao vídeo fake, conforme o professor de ciência da computação e perito forense na área digital da Universidade da Califórnia, Hany Farid, “não há dúvida de que o vídeo foi editado para a voz de Pelosi ficar mais lenta”. “É impressionante a forma como uma manipulação simples pode ter um efeito tão eficiente e credível para alguns. Apesar de eu achar que se trata de uma ameaça real, este tipo de tecnologia falsa mostra que há uma ameaça muito maior na desinformação em campanhas: muitos de nós estamos dispostos a acreditar no pior das pessoas de quem discordamos”, completou o perito.
Na noite de quinta-feira, Trump postou outro vídeo da democrata, que compila erros e deslizes da presidente da Câmara federal numa coletiva de imprensa, aquela em que ela chamou as atitudes recentes dele de “birra”, com o comentário “Pelosi gagueja durante entrevista”. Votação realizada pelo Politics WatchDog decidiu pela manutenção do vídeo fake, o que foi defendido sob a alegação de que os EUA “são um país livre”. Só para que fique registrado, acrescentou cinicamente o ‘WatchDog’, “nunca dissemos que Pelosi estava bêbada. Não podemos controlar o que as pessoas nos comentários pensam”.
A.P.
Será que é possível colocar as aspas de forma correta no título da matéria?
Sim, leitor, é possível. E desculpe pelo erro.
O planeta Terra está infestado de insanos em quase todos os poderes.