O governo desfechou mais um ataque a uma das mais respeitadas instituições científicas do país, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Nesta terça-feira, após engavetar e impedir a publicação de um estudo sobre o uso de drogas no país feito pela instituição durante três anos, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, criticou o órgão e afirmou que a pesquisa “não tem validade científica”.
“Eu não confio nas pesquisas da Fiocruz”, afirmou em entrevista ao jornal O Globo. “É prestigiada para fazer vacina, para fazer pesquisa de medicamento. Agora, para droga, ela tem um viés ideológico de liberação das drogas”, disse.
O 3° Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira envolveu 500 pesquisadores em diferentes áreas, destacados pela Fiocruz, e incluiu 16 mil entrevistas em mais de 100 municípios de grande, médio e pequeno portes, áreas rurais e faixas de fronteira. Pela sua abrangência, o estudo teve um investimento público de R$ 7 milhões.
Segundo a Fiocruz, “essa abrangência só foi possível graças à utilização, exigida no próprio edital, do mesmo plano amostral adotado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para realização da já reconhecida Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)”. Tal plano “permite um cruzamento desses resultados com dados oficiais do país”, diz nota da fundação.
A Fiocruz venceu o edital para o estudo em 2014 e o concluiu em 2017. O veto do governo à publicação do estudo não é ilegal, pois uma cláusula no contrato diz que a pesquisa só pode ser divulgada com a anuência da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas ( Senad ), órgão ligado ao Ministério da Justiça.
O Senad alega que o veto ao estudo é porque a Fiocruz não teria cumprido exigências do edital, porém, para especialistas da área, a pesquisa teria sido engavetada por não apontar que haja uma epidemia de drogas no país, conforme defende o ministro da Cidadania.
“É óbvio para a população que tem uma epidemia de drogas nas ruas. Eu andei nas ruas de Copacabana, e estavam vazias. Se isso não é uma epidemia de violência que tem a ver com as drogas, eu não entendo mais nada. Temos que nos basear em evidências”, afirmou Osmar Terra ao Globo.
Em comunicado, a Fiocruz defende a metodologia usada e afirma que “cumpriu o proposto em edital, respeitando todo o rigor metodológico, científico e ético pertinentes a este tipo de estudo, produzindo informações de extrema importância para o país e a sociedade brasileira”.
Em virtude do engavetamento da pesquisa e das declarações do ministro, que colocam em xeque a seriedade e rigor científico da instituição, a Fiocruz acionou a Advocacia Geral da União (AGU) para, através da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, intermediar o conflito e decidir se o estudo será divulgado ou rejeitado. Caso seja rejeitado, a instituição pode ter que refazer o estudo ou devolver os R$ 7 milhões ao governo.