
O resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre – e, em perspectiva, o resultado do ano – nada tem a ver com a reforma da Previdência de Bolsonaro, ao contrário do que disse seu ministro Paulo Guedes.
Guedes está, com isso, jogando a culpa do seu desastre, do desastre que provocou, sobre a Câmara, sobre o Senado – e sobre os aposentados.
Como já mostramos aqui no HP:
“No início de janeiro, quando Bolsonaro tomou posse, a previsão de crescimento do PIB em 2019 era de 2,4%. Após 11 semanas consecutivas de queda, as projeções caíram para 1,45% (Boletim Focus, do BC). O Bradesco e o Itaú estimaram um número ainda menor – 1,1% e 1%, respectivamente.
“Os reiterados desatinos do chefe e as manifestações de boçalidade explícita dos ministros minaram a expectativa do “mercado” na retomada do crescimento, recolocando o país na rota da recessão. O desemprego recrudesceu.
“Sem emprego e com os salários em queda a população não consome, voltou a se endividar em níveis elevados, os empresários não investem, freiam a produção porque não têm para quem vender” (v. Desatinos de Bolsonaro recolocam o Brasil na rota da recessão HP, 17/05/2019).
Poderíamos acrescentar que, até hoje (31/05), a previsão do PIB caiu já pela 13ª vez e está em 1,23%.
O resultado do PIB do primeiro trimestre, publicado pelo IBGE na quinta-feira, confirmou inteiramente o que dissemos acima.
O grande problema da economia brasileira, no momento, chama-se Bolsonaro. A “queda na confiança”, de que falam alguns economistas, significa apenas que ninguém sabe a maluquice que virá do Planalto no dia de amanhã.
Mas que virá alguma maluquice, e que ela terá caráter obscurantista, estúpido e mentalmente paleolítico, isso todos têm certeza (apesar de algumas tênues esperanças de que Bolsonaro passe a agir como um homem sensato, manifestadas em alguns artigos na imprensa – v., por exemplo, a coluna do acadêmico Merval Pereira, Água na fervura, em “O Globo” 31/05/2019; mas isso somente pode durar até a próxima loucura).
O CENÁRIO SE FOI
Quanto a Guedes, é, em primeiro lugar, um incompetente, exceto quanto a ganhar dinheiro para si mesmo às custas dos outros (por exemplo, dos trabalhadores das estatais e seus fundos de pensão).
Segundo: Guedes tem aquela moral (ou falta de moral) de jogador, característica de certos elementos do mercado financeiro, que vivem de apostar e tapear os outros (bem entendido, nem todos os que estão ou estiveram no mercado financeiro são assim; mas Guedes é assim).
Além disso, é irresponsável (mas talvez isso faça parte do já dissemos). Qual foi o ministro, até hoje, desde a Independência, que, diante de um resultado negativo na economia, declarou que “isso não é novidade para nós. A economia está parada, à espera das reformas”?
Ou seja, o problema não é dele. E o sujeito é ministro da Economia.
Até o provecto Estadão, que não pode ser acusado de esquerdismo – ou de oposição à reforma da Previdência – comentou, em editorial intitulado “Nem a galinha decolou”:
“E os vinte e tantos milhões de desocupados e marginalizados do mercado de empregos? Terão de esperar, porque o ministro e seus colegas de governo parecem pouco preocupados com essa gente. Ou, no mínimo, pouco atentos a detalhes do dia a dia, como as condições para comprar comida, remédios, sabonetes e também passagens para ir em busca de ocupação ou até a uma entrevista de emprego” (OESP 31/05/2019).
Mentir, dizer qualquer coisa que lhe favoreça a voracidade, faz parte de Guedes. Não é por ser neoliberal que ele age assim.
É, antes disso, por ser um escroque.
Tanto assim que nem os neoliberais mais extremados acreditam que a reforma da Previdência é remédio para a crise do país, ou vai fazer alguma diferença – apesar de manifestarem o seu apoio.
Um exemplo é a entrevista da economista Monica De Bolle ao jornal “O Estado de S. Paulo”:
OESP: A reforma da Previdência não tem capacidade de trazer novos investimentos? Há quem diga que há investimentos represados esperando a reforma passar.
MONICA DE BOLLE: Não acredito em nada disso. Para mim, é realismo mágico, claramente. Cadê o investimento represado? Olho em volta e não vejo nada. São os investidores externos? Não. O Brasil está perdendo relevância externa, rapidamente.
OESP: Por quê?
MONICA DE BOLLE: O PIB de hoje não ajuda muito. Mostra uma economia sem dinamismo. E qual investidor vai querer colocar dinheiro numa economia sem dinamismo? Antes disso, acho que tudo que a gente viu nos primeiros quase seis meses de governo Bolsonaro é muito indicativo do tipo de governo que é esse. É um governo que está mais empenhado em criar barulho e ruído e em falar para a base do que fazer coisas que possam colocar o Brasil em algum tipo de rumo. Os investidores estrangeiros, e tenho conversado com alguns deles, já se deram conta de que esse governo está muito aquém do que imaginavam há seis meses. Então não estou vendo investimento represado. Estou vendo muito mais cautela e até um certo descaso em relação ao Brasil. Podem dizer que o Brasil é uma economia importante, a maior da América Latina, mas é uma economia que não tem dinamismo nenhum. Não vale a pena. Os riscos são altos. (v. ‘O investimento segue catastrófico para um País do tamanho do Brasil’ diz economista, OESP 30/05/2019, grifo nosso).
Note o leitor que essas declarações são da ex-musa (ou será que ainda é?) da Casa das Garças, reduto do reacionarismo econômico mais visceral, onde pontificam os senhores Edmar Bacha e Ilan Goldfajn. A economista, hoje, mora nos EUA.
De Bolle, aliás, faz uma observação que somente não é evidente para quem é parvo ou está de má-fé, sobre as razões da “falta de dinamismo” da economia brasileira:
“De um lado porque o desemprego está muito alto e de outro por causa das incertezas causadas exatamente pela falta de emprego e pelas discussões sem rumo econômico do País. A renda real está crescendo num nível muito baixo e os empregos criados, inclusive por causa da reforma trabalhista, têm sido muito precários, em que as pessoas não têm segurança. Tudo isso conspira para tornar o consumo das famílias fraco. Portanto, não há motor de crescimento pelo lado da oferta, pelo lado do serviço e pela indústria” (grifo nosso).
Ela lembra que, quando Bolsonaro tomou posse “todo mundo [no mercado financeiro] achava que a economia ia crescer 2,5% em 2019 [ela se refere à mediana das previsões, divulgada no Boletim Focus, do Banco Central, de 04/01/2019]”.
Agora, completa ela, “esse cenário se foi”.
O PIB
O resultado do PIB no primeiro trimestre foi -0,2% (menos 0,2%), quando comparado ao trimestre imediatamente anterior, isto é, ao quarto trimestre de 2018.
Porém, vejamos o resultado de alguns setores da economia, na mesma comparação:
- Indústria (total): -0,7%;
- Indústria extrativa: -6,3%;
- Indústria de transformação: -0,5%;
- Construção civil: -2%;
- Agropecuária: -0,5%;
- Comércio: -0,1%.
Esses são itens do chamado PIB “pela ótica da produção”.
A comparação, repetimos, é com o último trimestre de 2018, ou seja, o último trimestre antes de Bolsonaro tomar posse.
CONSUMO E INVESTIMENTO
Vejamos os motores da economia, isto é, o consumo e o investimento, representado pela Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), ou seja, a despesa das empresas na compra de máquinas, equipamentos e construções.
Então, em relação ao trimestre imediatamente anterior (quarto trimestre de 2018):
- Consumo das famílias: 0,3%;
- Consumo do governo: 0,4%;
- FBCF: -1,7%.
Resumindo: a variação do consumo foi zero (um aumento de 0,3% ou 0,4% em uma estatística – e em um país – de tais dimensões, é, na prática, zero).
Enquanto isso, o investimento, em um único trimestre, caiu 1,7%.
Sem consumo, quem vai investir?
Mas, por que isso aconteceu no primeiro trimestre?
Primeiro, Guedes manteve os juros altos. Como, sobre essa questão, existe uma selva de mal entendidos e invenções, transcrevemos o que diz o editor-executivo do jornal “Valor Econômico”:
“… a política monetária brasileira tem se mostrado ‘insuficientemente estimulativa’. Embora o Banco Central tenha feito uma redução bastante significativa da taxa básica de juros, tanto em termos nominais quanto reais, desde o fim do segundo semestre de 2016, o valor da ‘taxa neutra’ de juros também se reduziu nesse período. ‘Taxa neutra’ é o valor da Selic suficiente para manter a inflação estável, valor que foi reduzido no período em razão da contenção do consumo das famílias provocado pelo desemprego. Em outras palavras, a redução da Selic se deu ao mesmo tempo em que a ‘taxa neutra’ também caía, o que diminuiu significativamente o impacto do estímulo monetário para a economia” (v. Pedro Cafardo, Como cordeiro, economia caminha para a recessão, Valor Econômico, 07/05/2019, grifo nosso).
Segundo, o investimento público, sob Paulo Guedes, deixou de existir (“O investimento público caiu loucamente”, diz Monica De Bolle).
Terceiro, o financiamento dos bancos públicos deixou de existir (diz outro economista, tradicionalmente conservador, Paulo Rabello de Castro: “O que piorou nesta administração foi o completo desprezo pela parcela pública do crédito. Quando o nível de crédito cai seis, sete pontos percentuais de uma tacada só, não é preciso ser gênio da economia para perceber que houve uma diminuição do oxigênio”).
Desde a década de 50 do século passado, além do Banco do Brasil, que já existia, o BNDES e outros bancos públicos agiram como facilitadores de crédito às empresas.
Sob Guedes, esses bancos, em especial o BNDES, para onde foi o ministro da Fazenda de Dilma, Joaquim Levy, se tornaram “seguradores de crédito”. Em outras palavras, eles agem para obrigar os empresários a procurarem os bancos privados, com suas taxas de juros maravilhosas – ou, diretamente, para a falência.
Todos esses aspectos poderiam ser, mais ou menos, consertados ou minorados, se substituídos os incompetentes e doidos atuais (doidos não faltam na equipe econômica; eles não estão apenas no Itamaraty, no MEC ou naquele ministério da Damares).
Se não fosse o fato de que na Presidência está um desequilibrado, que, com seus desatinos, acoita os desatinos do seu entorno.
C.L.
Matérias relacionadas:
Matéria perfeita, dessas que a gente lê e relê com prazer !!
Como bem afirma a economista referida na matéria, os investidores já perceberam que Bolsonaro e Guedes não são o que eles imaginavam que fossem.
O fato é que, com esse governo, o cenário econômico brasileiro é cada vez mais sombrio, não se vislumbrando ao menos por ora, uma luz no fim do túnel.
A permanecerem esses malucos no poder, não seria exagero dizer que caminha o Brasil para um período de profunda recessão, com aumento expressivo do desemprego e queda gradual do PIB.
Não por acaso, já está se tornando comum ver no noticiário nacional filas quilométricas de milhares de desempregados disputando duas ou três vagas nas portas de empresas em várias regiões do país.