A Câmara de Consumidor e Ordem Econômica do Ministério Público Federal (MPF) divulgou uma nota técnica, nesta terça-feira (4), defendendo a manutenção do texto aprovado pelo Congresso Nacional, que prevê gratuidade para bagagem de até 23 kg em voos domésticos com aviões de capacidade acima de 31 lugares.
O trecho não estava no texto original de uma medida provisória (MP 863), editada em dezembro de 2018 pelo ex-presidente Michel Temer, autorizando a participação de até 100% de capital estrangeiro em companhias aéreas brasileiras. Porém, foi sugerido pelo relator da proposta, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), durante a análise da proposta pelo Poder Legislativo.
A manifestação do MPF ocorreu em decorrência da sinalização do governo de que a franquia de bagagem gratuita poderá ser vetada por Bolsonaro.
A nota técnica aponta que a resolução da Agência Nacional de Aviação (Anac) nº 400, em vigor desde 2016, que autorizou a cobrança para despacho de bagagem, contrariou tanto o Código Brasileiro de Aeronáutica como o Código Civil.
Segundo o MPF, ambos preveem que o contrato de passagem aérea é único e inclui o transporte do passageiro e de suas malas. “Desse modo, o despacho da bagagem não poderia ser cobrado à parte, como contrato acessório”, afirma o órgão.
“Vetar a franquia de bagagem, inserida pelo Congresso Nacional na MP 863/2018, perpetua a ilegalidade contida na Resolução nº 400 da Anac e equivale, em última análise, a vetar ou dificultar o acesso ao transporte aéreo da camada da população financeiramente menos favorecida”, afirma a nota.
“A ruptura desse caráter unitário do contrato, promovida pelo art. 13 da Resolução 400, ofende mais de um século de tradição jurídica brasileira, estabelecida tanto por Lei como pelos usos e costumes, chegando a esbarrar no princípio da função social do contrato, que é de ordem pública, expresso nos artigos 421, 422 e 2.035, parágrafo único, do Código Civil, e rege a matéria contratual”, diz o MPF.
Além disso, o MPF argumenta que as restrições às bagagens de mão são lesivas aos consumidores, pois as dimensões fixadas são inferiores aos padrões de malas comumente vendidas. “Trata-se de nova forma abusiva de obrigar os passageiros ao pagamento do despacho da bagagem que, sendo efetivado no balcão do aeroporto, sofre aumento de 100%”, diz o texto.
“Com efeito, a cobrança da bagagem, na prática, tem submetido o passageiro a onerosidade excessiva, desequilibrando a relação entre o consumidor e o prestador do serviço de transporte aéreo, em dissonância com a regra do art. 4º, inciso III, da Lei nº 8.078/90. Também o art. 39, inciso V, do CDC, veda que se exija do consumidor vantagem manifestamente excessiva, classificada como prática abusiva. Da mesma forma, o art. 51 descreve múltiplas situações em que cláusulas contratuais, relativas ao fornecimento de serviços, são consideradas nulas, dentre elas as que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade” (inciso IV)”
Atualmente, bagagens de 23 quilos em voos nacionais e 32 quilos nos voos internacionais são cobradas à parte, com um valor adicional ao da passagem. Cada companhia aérea estabelece o critério de cobrança e as dimensões das malas.
A nota afirma ainda que falharam todas as supostas justificativas da Anac para a restrição do despacho de bagagens: não houve redução no preço dos bilhetes e não melhorou a concorrência entre as empresas aéreas.
“Em tais circunstâncias, vetar a franquia de bagagem inserida, pelo Congresso Nacional, na MP 863/2018, perpetua a ilegalidade contida no art. 13 da Resolução nº 400 da ANAC, e equivale em última análise a vetar ou dificultar o acesso ao transporte aéreo da camada da população financeiramente menos favorecida”.
O documento, assinado pelo coordenador da Câmara de Consumidor e Ordem Econômica do MPF, o subprocurador-geral da República Augusto Aras, e pela procuradora da República Maria Emília Moraes de Araújo, foi enviado ao ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.