Jair Bolsonaro exonerou, através de decreto publicado na terça-feira (11), todos os peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), órgão responsável por investigar violações de direitos humanos em locais como penitenciárias, hospitais psiquiátricos, abrigos de idosos, dentre outros.
O decreto 9.831 determina que a nomeação de novos peritos para o órgão precisará ser chancelada por ato do próprio Bolsonaro, e que esses novos membros não irão receber salário. Além disso, o ato ainda proíbe que os novos peritos tenham qualquer vinculação a redes e entidades da sociedade civil e a instituições de ensino e pesquisa, dentre outros.
“Fomos pegos de surpresa. É bastante claro que se trata de uma retaliação ao trabalho que a gente vem desenvolvendo”, afirmou um dos peritos demitidos, Daniel Melo.
“A rigor houve a extinção do órgão”, disse o perito José Ribamar Araújo e Silva.
O MNPCT foi criado em 2013 como braço em campo do Sistema Nacional de Combate e Prevenção à Tortura e faz parte do acordo para adesão do Brasil ao Protocolo Facultativo à Convenção Contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes da Organização das Nações Unidas (ONU), do qual o País é signatário desde 2007.
O trabalho dos peritos consiste em fiscalizar unidades públicas onde haja privação de liberdade, desde cadeias e delegacias até hospitais de internação compulsória, e realizar diagnósticos e recomendar ações, nem sempre acatadas pelos governos estaduais.
Em nota, os integrantes do mecanismo disseram que o decreto “acaba com a autonomia e as condições de funcionamento” do órgão e acusam o governo de agir “em nítida retaliação à atuação desses órgãos (MNCPT e CNPCT) que, incansavelmente, vêm denunciando práticas sistemáticas de tortura nos locais de privação liberdade em todo Brasil, notadamente, nos recentes relatórios referentes a Comunidades Terapêuticas, aos Massacres no Sistema Prisional do Rio Grande do Norte, Roraima, Amazonas e de atuação irregular no Ceará da Força Tarefa de Intervenção Federal do Ministério da Justiça”.
Desde o início do governo Bolsonaro, os integrantes do Mecanismo vinham denunciando que a ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, trabalhava para impedir a atuação dos peritos.
Em fevereiro, integrantes do Mecanismo e do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT) afirmaram que a ministra impediu a vistoria em penitenciárias do Ceará para avaliar denúncias de maus tratos e tortura no sistema prisional cearense.
O caso mais notório de ação do MNPCT é um relatório de janeiro de 2016 no qual apontava risco de chacina em presídios de Manaus (AM). Um ano depois, 56 homens foram assassinados no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, na capital amazonense. No dia 26 de maio deste ano outras 55 pessoas foram mortas numa guerra de facções em presídios do Estado.
ONU
Ativistas brasileiros ligados à entidade Justiça Global, junto com o Instituto dos Defensores dos Direitos Humanos (IDDH) e da organização Terra de Direitos, denunciaram a ação ao relator especial em assuntos ligados à tortura da Organização das Nações Unidas (ONU), Nils Melzer, em Genebra, na Suíça, na terça-feira, 11.
As instituições informaram sobre o decreto e solicitaram que a ONU se pronuncie publicamente e peça esclarecimentos ao Estado brasileiro. A argumentação da Justiça Global está apoiada em um tratado que o Brasil é signatário desde 2005, em que o país se compromete a implementação de mecanismos preventivos e de combate à tortura, o Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura (PCT).
Isabel Lima, coordenadora da área de Violência Institucional e Segurança Pública da Justiça Global, explica como a denúncia foi estruturada. “O Brasil tem um compromisso internacional assumido nessa pauta. Essa é uma medida que fere o compromisso internacional do Brasil, ao ratificar o PCT da ONU e quando o Brasil ratifica o protocolo ele se compromete com a implementação de mecanismos preventivo. Isso é muito preocupante, é muito grave. Vemos um retrocesso enorme na política de prevenção e combate à tortura, de proteção de direitos humanos no país, que foi tão duramente construída”, argumenta a coordenadora.