O Irã voltou a rechaçar categoricamente a alegação dos EUA sobre o envolvimento de Teerã nos ataques do dia 13 contra petroleiros no Mar de Omã, que classificou de “pura mentira”, em consonância com “ atos de sabotagem” contra a República Islâmica.
O chefe de defesa iraniano, brigadeiro-general Amir Hatami, afirmou que a alegação levantada contra as Forças Armadas do Irã sobre a questão dos petroleiros no Mar de Omã “é uma pura mentira e eu a rejeito fortemente.”
Logo após os ataques no Mar de Omã, o secretário de Estado norte-americano acusou o Irã sem provas e sem investigação. O Pentágono divulgou horas depois um vídeo tosco e granulado, em preto e branco, que foi recebido com descrédito pela União Europeia e pelo governo japonês, além da maioria dos especialistas consultados.
A acusação era de que suposta embarcação da Guarda Revolucionária Iraniana teria abordado um petroleiro, para retirar uma “mina não detonada”. O que foi desmentido pelo dono do petroleiro japonês, cujos marinheiros a bordo viram “objetos voadores” rumando para o navio, além de que os rombos no casco eram “acima da linha de água”.
Já a China e a Rússia advertiram contra provocações que ameaçavam a estabilidade na região e, junto com o secretário-geral da ONU, pediram uma investigação independente, sob alçada do Conselho de Segurança. Na segunda-feira, o Pentágono voltou à carga, com novo vídeo, colorido, mas nem por isso mais verossímil, conforme as autoridades iranianas e analistas ouvidos.
O ataque aos dois petroleiros – um japonês e outro a serviço do Japão – ocorreu quando o primeiro-ministro Shinzo Abe fazia a primeira visita de um dignitário japonês a Teerã desde a revolução de 1979, com o objetivo de discutir a continuação da importação de petróleo iraniano e anunciado como portador de mensagem de Trump.
Hatami considerou a alegação, além de mentirosa, como “injusta”, destacando que o Irã estava entre os primeiros a responder aos incidentes de 13 de junho e resgatou os tripulantes dos dois petroleiros atacados.
Referindo-se à filmagem, Hatami disse que o vídeo não tinha data e sua localização não pôde ser determinada e, portanto, não poderia ser usada como prova. O ministro da Defesa iraniano acrescentou que o Irá “é um país poderoso, cumpridor da lei e responsável. Se escolhe fazer algo, assume a responsabilidade”.
Hatami também condenou Washington por tentar pressionar a nação iraniana e por promover a iranofobia. Sobre os ataques anteriores, de 12 de maio, a quatro petroleiros, incluindo dois sauditas, um emiradense e outro norueguês, perto do porto de Fujairah, ele considerou o comportamento dos Emirados, em cujo litoral ocorreram os incidentes, como “suspeito” e denunciou o uso da questão para “fins políticos”.
Hatami acrescentou que tais incidentes no Golfo Pérsico e no Mar de Omã e no porto de Fujairah são de natureza muito semelhante e visam desestabilizar as vias navegáveis internacionais de acordo com os objetivos pessoais. “A situação é muito complicada e todos devemos monitorá-la com precisão”, enfatizou.
O governo iraniano já refutara a acusação de Pompeo no dia 13 mesmo, com o porta-voz Abbas Mousavi questionando: “enquanto o primeiro-ministro do Japão está se reunindo com a figura número um da República Islâmica do Irã para reduzir as tensões, quais mãos clandestinas tentam minar esses esforços na região e quem se beneficia com isso?”.
Em suma, que país no mundo tem uma tradição de cometer operações de bandeira falsa, isto é, cometer crimes e jogar a culpa nos outros?
Uma resposta que é conhecida pelos que observam a cena internacional, do famoso (e falso) ‘incidente do golfo de Tonkin’ – o inexistente ataque norte-vietnamita a um barco de guerra ianque – à igualmente célebre (e falsa) performance do secretário de Estado de W. Bush, Colin Powell, no Conselho de Segurança da ONU, com um tubinho de pó branco, supostamente antrax, como dramatização das “armas de destruição em massa de Sadam”, que não existiam.
Antes, Mousavi já denunciara “a natureza suspeita dos incidentes com os petroleiros” e chamara de “alarmantes” as acusações da Casa Branca.
Declaração reforçada depois pelo chanceler iraniano, Mohamed Javad Zarif, que classificou as alegações de Pompeo como parte da “sabotagem da diplomacia” promovida pelo “Time B”, forma com que costuma se referir ao maníaco de guerra John Bolton, ao chefe do apartheid israelense, Benjamin Netanyahu, e ao príncipe saudita especialista em fazer picadinho de jornalista, Bin Salman, e seu mentor do Emirados, príncipe Bin Zayed.
Para Zarif, o fato de Washington sair imediatamente fazendo acusações contra o Irã “sem provas factuais ou circunstanciais”, deixa bem claro que “o #TimeB está se movendo para o #PlanoB: Sabotagem da Diplomacia, inclusive a de @AbeShinzo – e encobrindo seu #Terrorismo Econômico contra o Irã”.
Também o presidente do parlamento iraniano, Ali Larijani, lembrou o histórico dos EUA com operações de bandeira falsa para afirmar que os “atos suspeitos no Mar de Omã contra petroleiros” parecem ser “suplementares às sanções econômicas norte-americanas” e uma decorrência de que os EUA não estão conseguindo submeter o Irã com as sanções.
Além de ter como objetivo impedir que o Irã exporte petróleo até que se submeta às ordens do regime Trump, as sanções norte-americanas também atingem a exportação de ferro e aço e de produtos petroquímicos.
Larijani ridicularizou as declarações de Pompeo, que instou o Irã a “encontrar diplomacia com diplomacia, não com terror, derramamento de sangue e extorsão”.
Ele nomeou uma série de medidas tomadas pelos EUA contra o Irã e perguntou se constituíam “diplomacia”. “É diplomacia começar um confronto com uma nação com atos de terrorismo econômico, (sanções econômicas) que eles mesmos chamam de os mais duros de todos os tempos?”, indagou.
“É diplomacia o senhor Pompeo renegar suas promessas no acordo nuclear?”, acrescentou Larijani, referindo-se à retirada unilateral do regime Trump de um acordo multilateral com o Irã, assinado pelo antecessor, Obama.
Aliás, o fato de a acusação partir de Pompeo é um elemento a mais para desqualificá-la. Pompeo é famoso pela declaração, quando dirigia a CIA, se gabando de que “nós mentimos, nós fraudamos, nós roubamos”, que vazou para o público.
Quanto ao vídeo norte-americano do ‘ataque’ recauchutado, mostrando a “remoção da mina não detonada”, um blogueiro levantou uma série de questionamentos iniciais: “remover uma mina desconhecida tão rapida e facilmente seria bastante incomum até mesmo para especialistas em explosivos”.
Outro raciocínio que soa pertinente é que “nenhum especialista – mesmo alguém muito familiarizado com o dispositivo – tocaria os artefatos não detonados sem tomar precauções extras, sem fazer um exame lento e aguçado de qualquer possível armadilha, ou sem tomar medidas contra uma possível explosão via controle remoto”.
No suposto barco iraniano da ‘Guarda Revolucionária’ do vídeo, como notou outro observador, também não há bandeira, nem qualquer número de identificação visível, que são padrão nas unidades da Guarda iraniana.
MODUS OPERANDI MADE IN USA
Ao receber Abe, o líder iraniano Ali Khamenei estava conduzindo uma negociação crucial para a sobrevivência do Irã diante do brutal bloqueio de Trump, que é a questão dos caminhos para viabilizar a venda de petróleo iraniano a Tóquio, um dos principais compradores, ao lado da China, Índia e Coreia do Sul.
Portanto, somente um débil mental poderia achar que os iranianos iriam testar a temperatura da água no Golfo Pérsico exatamente no decorrer do encontro Abe-Khamenei.
Em compensação, o histórico dos EUA, nesse terreno, é tétrico: Bill Clinton iniciou o bombardeio da Iugoslávia em 1999 quando o primeiro-ministro Yevgeny Primakov estava a caminho de Washington para um encontro.
Obama iniciou o ataque à Líbia durante uma visita oficial ao Brasil.
Atos que se encaixam na conhecida declaração da então secretária de Estado Madaleine Albright: “Se temos que usar a força, é porque somos a América: somos a nação indispensável. Nós nos posicionamos e vemos mais longe no futuro que outros países”.
CORBYN: “SEM PROVAS CRÍVEIS”
Mesmo entre os poucos países que estão acompanhando o regime Trump em sua escalada no Oriente Médio, há interrogações. O líder trabalhista Jeremy Corbyn afirmou que a Grã Bretanha deveria “agir para acalmar as tensões no Golfo, não para atiçar a escalada militar que começou com a retirada dos EUA do acordo nuclear com o Irã”. Ele acrescentou que “sem evidências críveis sobre os ataques aos petroleiros, a retórica do governo somente aumentará a ameaça de guerra”.
No mesmo sentido, a União Europeia considerou inverossímil que os iranianos atacassem petroleiros japoneses no momento em que o aiatolá Khamenei recebia o primeiro-ministro japonês Abe e disse que as evidências apresentadas por Washington não eram “confiáveis”.
Enquanto Rússia, China e ONU estão pedindo “contenção” a todas as partes e uma investigação internacional independente, jornais israelenses clamaram por ‘ataques cirúrgicos’ contra o Irã, melhor ainda se for contra uma ‘instalação nuclear’. Já no Pentágono, o secretário interino, Patrick Shanahan, acaba de ser demitido, supostamente em função de problemas de violência familiar.
A.P.