A descoberta de cientistas brasileiros e italianos, durante missão na Jordânia, de pedra lascada por humanos há 2,4 milhões de anos revoluciona a história da humanidade. Até agora, tudo o que sabíamos indicava que o primeiro hominínio a sair da África teria sido o Homo erectus, há 1,9 milhão de anos, mas a descoberta feita pela missão brasileiro-italiana muda tudo. O candidato mais forte a primeiro humano fora da África passou a ser o Homo habilis, com a descoberta das ferramentas de pedra na Jordânia com 2,4 milhões de anos, uma época em que não havia ainda o Homo erectus.
“É uma descoberta que muda muito do que pensávamos. Ela retrocede em 500 mil anos o momento em que acreditávamos ter saído da África”, afirmou o líder do grupo, o bioantropólogo Walter Neves, professor sênior do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. O grupo também é composto por Fabio Parenti, do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e do Istituto Italiano di Paleontologia Umana, Giancarlo Scardia, do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, Astolfo Araújo, do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP, Daniel P. Miggins, da Oregon State University, nos Estados Unidos, e Axel Gerdes, da Goethe-University, Alemanha.
“A descoberta coloca, finalmente, o Brasil no seleto grupo de países que têm a expertise para fazer paleoantropologia internacionalmente”, afirmou Walter durante entrevista coletiva, no IEA da USP, em São Paulo.
O primeiro representante do gênero Homo, ao qual pertencemos, foi o habilis, que surgiu na África por volta de 2,5 milhões de anos atrás. Dele seguiu o Homo erectus, que surgiu há não mais de 2 milhões de anos.
Até agora, o vestígio humano mais antigo fora da África era de 1,8 milhão de anos, em Dmanisi, República da Geórgia, no Cáucaso. Se acreditava que por volta de 1,9 milhão de anos o primeiro grupo humano já estaria no Oriente Médio.
Os pesquisadores fizeram escavações entre 2013 e 2015 no vale do Rio Zarka, no norte da Jordânia, no Oriente Médio. Lá puderam identificar uma série de pedras intencionalmente lascadas de uma forma conhecida entre os paleoantropólogos como indústria Olduvaiense.
Quando foram datar a camada de solo em que as pedras lascadas estavam, descobriram que era de 2,4 milhões de anos, ou seja, antes mesmo dos Homo erectus terem surgido.
Dessa forma, a hipótese que resta é a de que os primeiros hominíneos a saírem da África e se espalhar pela Europa e Ásia foram os Homo habilis.
O artigo acadêmico sobre o tema, no qual os pesquisadores apresentam toda a pesquisa, os métodos de datação utilizados, a descrição dos artefatos encontrados – são mais de mil ferramentas – o estudo geológico da região será publicado no sábado (6) na Quaternary Science Reviews.
PROBLEMAS ANTIGOS
Como apontou Walter Neves, o modelo no qual o Homo habilis nunca teria saído da África, enquanto o erectus teria sido o primeiro, carregou por décadas algumas inconsistências.
Cinco crânios encontrados na região do Cáucaso, atual República da Geórgia, datados de 1,8 milhão de anos atrás e com bastantes diferenças morfológicas entre si não eram bem explicados pelo modelo vigente. Eles tinham uma capacidade craniana que variava entre a do habilis e a do erectus. Por acreditarmos que somente os erectus haviam deixado a África, assim classificamos os crânios do Cáucaso.
Porém, com a recente descoberta podemos interpretar que os crânios encontrados na atual Geórgia são, na verdade, uma população de transição entre as duas espécies.
Outra incongruência do modelo vigente diz respeito aos Homo floresiensis, ou os Hobbits da Ilha de Flores, na Indonésia. Há cerca de dez anos, esqueletos datados de 90 a 20 mil anos atrás foram encontrados na Ilha. Eram, porém, esqueletos de um metro de altura com uma capacidade craniana muito reduzida, menor do que um chimpanzé.
É comum que espécies que viviam no continente e passaram a viver em uma ilha encolham de tamanho. Na Ilha de Flores também foi encontrada uma espécie anã de elefante. O modelo vigente tentava explicar que os Hobbits da Ilha de Flores, que tinham 1 metro de altura e 350 cm³ de capacidade craniana, descendiam dos Homo erectus, que chega a ter 1,70 m e 850 cm³ de capacidade craniana. Não ficava bem explicado que força evolutiva conseguiria reduzir o cérebro do erectus nestas proporções.
Com a recente descoberta da equipe brasileira e italiana, a melhor explicação, afirma Walter Neves, passa a ser de que o Homo floresiensis é uma derivação do Homo habilis, que tinha cerca de 1,20 m de altura e 650 cm³ de capacidade craniana e fora encolhido pelo chamado “efeito ilha”.
PEDRO BIANCO
Veja vídeo produzido pela USP sobre a descoberta científica: