Por si só, o vídeo feito por um amigo de Eric Garner mostra o crime cometido pelo policial Daniel Pantaleo: “Não consigo respirar!”, repete a vítima onze vezes seguidas. Não havia pretexto para que houvesse um estrangulamento
Cinco anos após o brutal e gratuito assassinato do camelô negro Eric Garner por um policial branco, Daniel Pantaleo, que o derrubou no chão e o estrangulou com um mata-leão, enquanto este repetia por onze vezes “eu não consigo respirar”, promotores federais anunciaram esta semana que, atendendo à decisão do ministro da Justiça do governo Trump, William Barr, o criminoso ficará impune.
Pai de cinco filhos, Eric Garner ganhava a vida revendendo cigarros nas ruas de Nova Iorque, e provavelmente sua morte teria sido contada de outro jeito, não fosse um amigo ter filmado tudo com um celular, apesar da ordem de parar dada por outro policial.
Garner estava desarmado, era gordo, e conforme depoimento de um médico legista, a causa da sua morte foi um ataque de asma desencadeado pelo estrangulamento, cuja execução estava proibida pelo Departamento de Justiça desde 1993, após outros casos de morte.
Por si só, o vídeo mostra tudo: Garner que diz “Não consigo respirar!” onze vezes seguidas. Não havia razão para que houvesse um estrangulamento. Não havia ninguém em perigo.
Na época, o assassinato gerou enorme revolta e foi uma das motivações para o movimento “Black Lives Matter”, de denúncia da impunidade generalizada de policiais racistas matadores de negros desarmados. Antes do deplorável anúncio público da impunidade, os promotores federais comunicaram a decisão à indignada família de Garner.
Emerald Snipes, do lado de fora da promotoria, no Brooklyn, denunciou que a família tinha lutado por justiça para o pai, tinha apelado à ouvidoria da polícia nova-iorquina (CCRB), tinha apelado ao Departamento de Justiça, mas “eles não fizeram o trabalho deles”. Ela homenageou a irmã que morreu lutando por justiça.
O policial Pantaleo, que não irá a julgamento pelo covarde assassinato, sequer foi demitido pelo prefeito democrata de Nova Iorque, Bill De Blasio, e continua ganhando salário anual de mais de US$ 100.000. Não foi sequer suspenso.
Em uma passeata diante da prefeitura de Nova Iorque, a mãe de Garner, Gwen Carr, condenou a omissão dos promotores federais, que “não nos ouviu”. Ela denunciou que, para os policiais, “não há estatuto de limitação ao assassinato”.
A mãe também exigiu de De Blasio que “faça seu trabalho, demita esses policiais, hoje”. “Você não precisa esperar por mais nada. Você vê o DOJ (Departamento de Justiça)? Eles falharam conosco. Então agora tem que vir para a frente e fazer o seu trabalho”.
Com a indignação que só uma mãe que teve que passar pelo suplício de enterrar um filho, morto da forma mais estúpida, consegue expressar, Gwen exigiu do alegado progressista que “venha para a frente, mostre-se como um prefeito, o prefeito que você foi eleito para ser, porque a família Garner não está satisfeita com o que você fez”.
“Meu filho está morto. Minha neta está morta. E então tudo o que você está dizendo é ‘Desculpe. Você tem minhas condolências? Bem, fique com suas condolências e faça a coisa certa”, desancou a mãe de Garner.
“De Blasio, você e seu governo, ajam! Demita esses policiais da força hoje! Hoje, estou pedindo que eles sejam demitidos. Nós não queremos esperar mais. Você tem o poder, então o exerça”.
O prefeito assevera que a decisão será do Departamento de Polícia nova-iorquino, após o “devido processo”. É por isso que o grito de “sem justiça, sem paz”, não cessa de ecoar nas ruas dos EUA.
Em entrevista ao programa Democracy Now, da jornalista Amy Goodman, o advogado público de Nova York, que acompanhou a família de Garner no protesto de terça-feira, Jumaane Williams, exigiu a demissão do assassino Pantaleo. “Alguém assassinou alguém diante de uma câmera, e tudo o que nos resta é pelo menos demiti-lo do departamento de polícia”.
Como assinalou a advogada, “se não conseguimos que o prefeito De Blasio, o autodescrito progressista, que está concorrendo à presidência, demita Pantaleo, como esperar que o Departamento de Justiça de Donald Trump o acuse de violação dos direitos civis?”A alegação dos promotores federais foi de que seria “difícil” provar “além da dúvida razoável” que o policial teve a intenção de matar Garner.
Williams também assinalou que quando temos “dois presidentes” [Trump e o antecessor Obama] e três ministros da Justiça, “que viram tudo, e nenhum deles apresentou acusações contra os policiais assassinos”, não adianta jogar a carga só nos promotores federais.
E não é por falta de precedentes que nada foi feito. A última vez que um policial nova-iorquino foi condenado por assassinar um inocente, também por estrangulamento, foi em 1998, na época não havia vídeo, mas isso não impediu de a justiça prevalecer e inclusive o então prefeito Rudolph Giuliani, um conservador, de demiti-lo.
“Todo mundo está claro no que vimos: um homem sufocado até a morte por um policial. Todos concordam que algo de errado aconteceu. Todos deram suas condolências. Mas ninguém está dizendo que alguém deve ser responsabilizado, quem tem o poder para fazê-lo. E essa é a frustração”, afirmou Williams. “Vamos continuar pressionando, junto com a família Garner e os ativistas. Não vamos desistir”, reiterou o advogado.