A cada momento, o ministro Sérgio Moro acrescenta mais alguém – sempre uma autoridade – na lista dos “hackeados” pelo grupo que foi preso em Araraquara, São Paulo.
Até agora, a lista de Moro incluiu o presidente da República, os presidentes da Câmara e do Senado, ministros do Supremo e do STJ (inclusive o presidente deste último, João Otávio de Noronha), a procuradora-geral da República, o ministro da Fazenda, a líder do governo no Congresso e mais novecentas pessoas, no mínimo.
Não é à toa que o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), queixou-se de que as divulgações de Moro estavam expondo as vítimas.
Porém, Moro parece decidido a obter o apoio de toda a República – e, se puder, mais ainda. Só falta o papa Francisco aparecer na lista de “hackeados”.
E, claro, Moro considera que quem foi, também, “hackeado”, pertence ao mesmo time que ele, terrivelmente injustiçado por esses hediondos criminosos…
A rigor, Moro está usando essa lista expansiva como biombo para aquilo que as mensagens já publicadas por The Intercept Brasil mostraram: que sua atitude como juiz dos casos da Lava Jato que tinham relação com a Petrobrás, colocaram em risco os resultados da própria Operação, pela relação juridicamente promíscua com o procurador Dallagnol.
Mas, se é assim, abordemos rapidamente esse biombo.
Será que quatro elementos marginais – quatro pequenos bandidos pés-de-chinelo – foram capazes de tal proficiência em informática, “hackeando” praticamente todas as autoridades do país, ou, pior ainda, as mais importantes?
Sintomaticamente, a investigação era sobre o suposto “hackeamento” de Moro e Dallagnol, isto é, um “hackeamento” no âmbito da força-tarefa da Operação Lava Jato.
De repente, tornou-se uma investigação sobre o “hackeamento” das autoridades que estão no cume dos Três Poderes da República, com Moro, à sombra delas, apresentando-se como vítima e justiceiro ao mesmo tempo.
É inevitável perguntar, como os antigos romanos: cui prodest?, ou seja, a quem isso beneficia?
E aqui não estamos colocando em questão se os que foram presos são culpados – a questão é o uso que o principal implicado do caso, o ex-juiz Sérgio Moro, está fazendo dessas prisões.
Pois até isso, nessa confusão fumarenta, às vezes perde-se de vista: o principal implicado, no caso das mensagens, é Moro. A expansão do caso serviu para tirar Moro do foco.
Mas apenas por enquanto.
Por fim, aparece o mesmo Moro, anunciando, contra a lei, contra a Polícia, e, sobretudo, contra a Justiça, que mandou destruir as mensagens apreendidas com os “hackers” (v. a abordagem de uma revista jurídica: Moro diz que mandou destruir provas apreendidas com hackers presos pela PF, Conjur 25/07/2019).
O crime não foi consumado. A Polícia Federal (PF), em nota oficial, contestou o ministro da Justiça e Segurança Pública.
Detalhemos um pouco a história.
O anúncio de que mandara “descartar” as mensagens foi feito por Moro em telefonema ao presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha – e, dizem, também em telefonemas a outras autoridades, mas disso não temos prova, ainda que tenha toda lógica.
No caso do ministro Noronha, o STJ, na quinta-feira, emitiu nota (todos os grifos abaixo são nossos):
“O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, confirma que recebeu a ligação do ministro da Justiça, Sérgio Moro, informando que o seu nome aparece na lista das autoridades hackeadas. O ministro do STJ disse que está tranquilo porque não tem nada a esconder e que pouco utilizava o Telegram.
“O ministro Moro informou durante a ligação que o material obtido vai ser descartado para não devassar a intimidade de ninguém. As investigações sobre o caso são de responsabilidade da Polícia Federal, a quem cabe responder sobre o caso.”
Mais tarde, no mesmo dia, a PF divulgou outra nota:
“A Polícia Federal esclarece que as investigações que culminaram com a deflagração da Operação Spoofing não têm como objeto a análise das mensagens supostamente subtraídas de celulares invadidos.
“O conteúdo de quaisquer mensagens que venham a ser localizadas no material apreendido será preservado, pois faz parte de diálogos privados, obtidos por meio ilegal.
“Caberá à Justiça, em momento oportuno, definir o destino do material, sendo a destruição uma das opções.”
O que, aliás, é óbvio. Somente a Justiça pode determinar o que fazer com o material apreendido com os “hackers”.
Moro foi juiz durante 22 anos. É óbvio que ele sabe disso.
Então, por que tanta ansiedade em destruir esse material?
Como diz a revista jurídica que citamos acima:
“O inquérito é presidido pelo juiz federal Vallisney de Oliveira e Moro, como ministro da Justiça, não tem poder formal para intervir em investigações — embora, administrativamente, a PF fique subordinada ao Ministério da Justiça. As mensagens descartadas são indícios de que os suspeitos cometeram o crime. E conforme disse o ministro Marco Aurélio ao jornal Folha de S.Paulo, só o juiz do caso pode tomar decisões em relação às provas do inquérito.
“Por muito menos, o delegado Fernando Segovia foi demitido do cargo de diretor-geral da PF. Em 2018, ele deu uma entrevista e disse que a tendência de um inquérito que investigava o ex-presidente Michel Temer era ser arquivado. O delegado chegou a ser intimado pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, a dar explicações.”
Aqui, há um problema, na intenção de Moro – mas de fácil solução.
O problema, notaram alguns, é que a destruição do material dificultaria estabelecer a relação entre o “hackeamento” e as mensagens publicadas por The Intercept Brasil, Folha de S. Paulo e Veja.
A solução do problema: exatamente. Isso é tudo o que Moro não quer – o estabelecimento de uma relação que pode levar à constatação irrefutável de que sua troca de mensagens com o procurador Deltan Dallagnol é verdadeira – assim como já constataram, ainda que em primeira análise, todos os que examinaram o material fornecido a The Intercept Brasil.
O que daria razão aos oposicionistas que apontaram, também na quinta-feira, que, se Moro destruísse as mensagens, estaria beneficiando a si próprio, pois entre elas estariam as publicadas pelo site The Intercept Brasil.
C.L.
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