O diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região, e membro da executiva nacional da CSP-Conlutas, Hebert Claros, declarou, em entrevista ao HP, que a venda da Embraer à norte-americana Boeing, representa “a entrega da principal empresa de defesa e engenharia aeronáutica e espacial do país a preço de banana”.
“Na nossa visão, a Boeing irá sugar todo o potencial que levamos 50 anos para desenvolver e que hoje se traduzem no sucesso dos aviões da Embraer e enviar peças de seus aviões para serem fabricados aqui com mão de obra barata. Mas a construção dos projetos (processo que envolve desenvolvimento de tecnologia) e a montagem dos aviões provavelmente será realizado nos EUA”, afirmou Hebert.
Veja abaixo a íntegra da entrevista:
HP – A venda da Embraer para a Boeing foi apresentada ao público como uma associação benéfica e necessária para as duas empresas. Você concorda com isso? Você diz que não há associação estratégica e sim uma simples compra da Embraer pela Boeing. Você pode falar mais sobre isso?
HC – Primeiro que não foi uma associação ou Joint Venture como insistiram em dizer. Se trata de uma aquisição da norte-americano Boeing pela maior e principal empresa de tecnologia estratégica do Brasil e América-Latina. Por isso o sindicato sempre se posicionou contrário a esta transação. Bolsonaro e as Forças Armadas brasileiras entregaram a principal empresa de defesa e engenharia aeronáutica e espacial do país aos americanos a preço de banana.
HP – Quais as consequências para a engenharia aeronáutica brasileira dessa venda? Se concretizada a venda, o Brasil poderá prosseguir produzindo aviões?
HC – Essa questão é muito importante. A indústria aeronáutica brasileira está com os dias contados. A indústria de engenharia e fabricação de aviões brasileira se tornará a indústria de CKD* de aviões norte-americanos. Hoje a Embraer projeta, fabricas componentes e monta os aviões. A nova empresa terá todas as decisões estratégicas na mão da direção da Boeing.
Os norte-americanos NUNCA irão enviar para o Brasil o projeto e produção de um novo avião. Isso significaria o desenvolvimento da tecnologia e geração de empregos no Brasil e todos sabemos qual o lema dos americanos quando se trata de tecnologia e empregos – “America First”.
Na nossa visão, a Boeing irá sugar todo o potencial que levamos 50 anos para desenvolver e que hoje se traduzem no sucesso dos aviões da Embraer e enviar peças de seus aviões para serem fabricados aqui com mão de obra barata. Mas a construção dos projetos (processo que envolve desenvolvimento de tecnologia) e a montagem dos aviões provavelmente será realizado nos EUA.
HP – Quais as consequências dessa venda para os trabalhadores do setor?
HC – A primeira consequência será na engenharia. Hoje os engenheiros da Embraer são reconhecidos como os melhores do mundo. Isso será absorvido pelos norte-americanos e assim garantiram que o Brasil não consiga alavancar seu potencial tecnológico com um projeto nacional que possa fazer frente às economias imperialistas. Assim os norte-americanos estão matando qualquer possibilidade de desenvolvimento nacional de tecnologia em nosso país, nos submetendo ainda mais às potencias e colocando o Brasil ainda mais no papel de exportador de commodities na divisão mundial do mercado.
A consequência mais direta aos trabalhadores já está ocorrendo nas fábricas. A empresa aprofundou um processo de reestruturação produtiva que se traduz com redução de salários e direitos e uma série de demissões que resulta no rebaixamento da massa salarial dos trabalhadores.
Desde dezembro de 2017, quando as duas empresas anunciaram que estavam em processo de negociação, a Embraer já demitiu mais de 1500 trabalhadores, tanto da produção como da engenharia.
HP – As decisões sobre a venda da Embraer para a Boeing foram tomadas de forma legal? Foram cumpridos todos os trâmites legais? Há algum motivo ou procedimento que possa gerar um pedido de anulação da venda?
HC – No capitalismo a Justiça tem lado, e as empresas foram beneficiadas por interpretações liberais da Justiça em uma relação desigual. Existem 3 processos na Justiça brasileira e várias liminares, que foram todas vencidas por abusos de juízes que julgam sem nenhum interesse à nação. Tanto a Justiça como órgãos governamentais desprezaram estudos técnicos da academia e até mesmo recomendações de alguns militares da aeronáutica.
Com certeza no futuro a entrega da Embraer será alvo de escândalos da mesma forma quando privatizações e outras entregas aconteceram em nosso país.
HP – O setor de engenharia e planejamento da Embraer será absorvido pela Boeing? Quais as consequências disso para o Brasil? Você fala em retorno a um estágio tecnológico da década de 1950. Como barrar isso?
HC – Sim, a Boeing está se apropriando do “filé mignon” da Embraer. E, como disse acima, isso irá matar qualquer projeto nacional de desenvolvimento de tecnologia em nosso país. Isso com certeza leva o Brasil de volta há 50 anos atrás, quando tomamos a iniciativa de apostar na construção de um projeto nacional de aviões e consequentemente de tecnologia.
HP – O que pode ser feito para barrar essa venda?
HC – Só iremos barrar esse processo de entrega com a mobilização da classe trabalhadora brasileira. Não adianta esperar um posicionamento de parlamentares e da Justiça em prol do país. Ambos são representantes de uma burguesia em decomposição com resquícios da época escravagista. Não tem um projeto de nação, querem somente o lucro rápido a custas dos trabalhadores brasileiros e entrega criminosa de nossos recursos naturais.
Portanto, a única saída para barrar essa entrega vergonhosa da Embraer ao imperialismo é conscientizar e mobilizar a classe trabalhadora e a população em geral sobre as necessidades de defesa de um projeto nacional independente e socialista para o Brasil.
CKD* (Completely Knock-Down, em inglês) é um kit das partes completamente não montadas de um produto