O PDT agiu bem, e rapidamente, ao afastar um filiado que, pelo YouTube, fez ameaças à família Bolsonaro que não deixam a desejar à qualquer fanático bolsonarista, e enviá-lo para a Comissão de Ética do partido, em processo de expulsão.
Um sujeito que não tem o mínimo compromisso com a linha de seu partido – e, ao contrário, age para prejudicá-lo – não tem lugar dentro desse partido.
O problema é, exatamente, o que mencionamos acima: se esse elemento não é um bolsonarista infiltrado, não é um provocador, agiu exatamente como se fosse um.
Portanto, a diferença prática entre ele e um bolsonarista dos mais patológicos – daquele tipo que quer arrancar o couro dos que não concordam que Bolsonaro seja a encarnação do Arcanjo Gabriel – é nenhuma.
Quanto à sua diferença para os bolsonaristas mais patogênicos, aqueles que agem mais friamente, ainda estamos pensando no assunto.
Amigos no PDT de São Paulo dizem que o sujeito do vídeo era algo marginal – no sentido social da palavra, no sentido de lúmpen.
Nenhum partido está livre de ser abordado por lúmpens, pois eles existem na sociedade – e não há tabuleta na testa que os possa identificar.
Mas o lúmpen é, precisamente, a base operacional do fascismo. Já era assim na época da ditadura de Luís Napoleão, uma espécie de proto-fascismo. Mais ainda com Mussolini, Hitler e seus fâmulos.
Notemos que esse vídeo apareceu exatamente quando o país estava (como ainda está) indignado com os ataques de Bolsonaro ao presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, ataques que têm como conteúdo a aprovação – e até mesmo algum prazer – na tortura e assassinato do pai de Felipe, Fernando Santa Cruz, em 1974.
O fato de que, horas depois, Bolsonaro recorreu a uma mentira evidente e insustentável, a de que Fernando teria sido morto por seus próprios companheiros, apenas confirma, pelo cinismo, a sua aprovação a esse crime dos porões da ditadura.
Portanto, se existe algo favorável a Bolsonaro, no momento em que a sociedade repudia sua conduta, seria aparecer um vídeo em que a suposta vítima ameaçada fosse ele – e, melhor ainda para ele, também a sua família.
Pois Bolsonaro atacara, de modo repugnante, Santa Cruz e sua família. Só faltava aparecer alguém para aliviá-lo do repúdio que isso causou, atacando a família Bolsonaro com ameaças de que aconteça, com esta, algo que ocorreu com a família Santa Cruz.
Esse foi o papel desse vídeo.
Fernando Santa Cruz foi assassinado, sob tortura, pela ditadura. Alguém poderia dizer que, em troca, a família Bolsonaro foi apenas ameaçada pelo YouTube – e não se sabe da seriedade da ameaça.
É verdade. Mas aí, eis algo suspeito, do ponto de vista psicológico: para compensar esse problema, o sujeito do vídeo acrescentou toda a família de Bolsonaro como alvo de assassinato, com exceção da filha mais nova. Aliás, a própria menção à filha parece algo preparada para dar um tom ainda mais sinistro a essa performance.
Pode ser que as coincidências existam – mas Freud, que entendia dessas coisas, não concordaria.
Tudo parece demasiado preparado. O elemento no vídeo não demonstra uma indignação verdadeira contra Bolsonaro. Está mais preocupado em impressionar a audiência do que com o país que Bolsonaro está destruindo ou com o povo que está sofrendo.
Em seguida, a presteza com que o ministro Moro agiu nesse caso, não apenas enviando-o para a Polícia Federal (PF), mas sugerindo a ela que enquadrasse o sujeito na Lei de Segurança Nacional, também é algo notável. Não tanto porque Moro, como acreditam alguns, seja algum gênio do mal que manipula até Bolsonaro – mas, ao contrário, pela sua simploriedade, facilmente sugestionável (isto é, manipulável) por alguém “de cima”, sobretudo quando a mosca azul de ser ministro do STF ronda-lhe a cabeça.
Mais suspeita ainda é a reação da tropa de choque bolsonarista pela Internet – e não estamos nos referindo às cavalgaduras histéricas, mas àqueles que são capazes de escrever, friamente, que o vídeo do sujeito “comprova uma das máximas que Lenin ensinou à esquerda: acusar seus inimigos daquilo que ela mesma faz”.
Lenin jamais disse ou “ensinou” isso – não somente porque não era imbecil, o que já seria motivo suficiente, mas, sobretudo, porque não era fascista.
Acusar a oposição de crimes cometidos ou forjados por si, é a prática reiterativa e inevitável do fascismo. Obviamente, não é pelo amor à verdade que os fascistas chegam ao poder, e se mantêm, durante algum tempo, nele.
Como, em 1926, Mussolini instalou sua ditadura na Itália?
Supostamente como reação ao atentado de Bolonha – do qual saiu ileso e cujo suposto autor, um garoto de 15 anos dito anarquista, foi linchado e morto, no local, pelos próprios fascistas, antes de qualquer investigação e sem julgamento.
Como os nazistas, em fevereiro de 1933, estabeleceram sua ditadura na Alemanha?
Incendiando o parlamento, o Reichstag, e acusando os comunistas pelo crime (cf. William L. Shirer, Ascensão e Queda do Terceiro Reich, Vol. I, trad. Pedro Pomar, Civilização Brasileira, 5ª ed., 1967, pp. 288-294).
Como Hitler começou a II Guerra Mundial?
Com um falso ataque a uma rádio alemã em Gleiwitz, na fronteira com a Polônia, em que os atacantes eram SS fantasiados com uniformes poloneses (cf. op. cit.,. Vol. II, p. 439).
E, quase no mesmo padrão, também foi com uma fraude que Hitler submeteu a oficialidade prussiana do exército alemão, afastando o general von Fritsch de seu comando e o marechal von Blomberg do comando das forças armadas (cf. op. cit., Vol. II, p. 56 e segs).
O fascismo sempre usa esse tipo de operação, que, depois, a CIA – uma universidade no assunto – chamou de “operação encoberta” ou “operação de bandeira trocada”.
Voltando ao caso que nos ocupa, o elemento gravou um vídeo dizendo o seguinte (aqui vai apenas uma amostra):
“Vamos começar a guerra, velho. É isso que tem que acontecer. Não tem mais condição de aceitar um bosta como o Bolsonaro no poder. Esse cara tem que ser assassinado. Ele e família. Menos a filha, que não é política. Os políticos da família Bolsonaro, os quatro: os três filhos bosta e o próprio pai. Esses têm que acabar, têm que morrer. Você tem que morrer Bolsonaro. Você é um câncer na sociedade, você é um lixo, você é um opressor de merda, um covarde.”
Em seguida, ele apagou todos os vídeos que estavam em seu canal do YouTube – inclusive esse.
Por quê? Para quê?
Por que a divulgação do vídeo foi realizada quase que somente pelos bolsonaristas, enquanto era impossível vê-lo no próprio local em que foi publicado?
Quanto ao que ele disse, devemos convir que está mais para Olavo de Carvalho – ou para o próprio Bolsonaro – do que para qualquer coisa (ou qualquer um) que seja oposição a Bolsonaro.
Os democratas e patriotas jamais defenderam assassinatos. Muito menos como forma de ação política. Quem fez isso foi Bolsonaro (literalmente: “o erro da Ditadura foi torturar e não matar”).
Ou o seu guru – e de seus filhos – o ex-astrólogo Olavo de Carvalho: “Para fazer essa porcaria funcionar, ainda que só um pouquinho, é preciso muito tempo, muito dinheiro e alguns assassinatos”.
Isto foi escrito apenas há poucos dias.
Embora, como já observamos, essa é a versão modesta de Carvalho, quanto aos assassinatos.
Em outra, ele lamentou que a ditadura, em 1964, não assassinasse pelo menos 20 mil brasileiros (v. HP 03/08/2019, Guru de Bolsonaro recomenda a seu pupilo “alguns assassinatos”).
Talvez seja isso o que ele quer dizer, agora, com “alguns assassinatos”.
C.L.