Nada mais nocivo aos interesses do país
Sinal verde às milícias do campo e caça ao Inpe e aos fiscais do Ibama
O G7, grupo de países onde não há nenhum país amazônico (Estados Unidos, Alemanha, Japão, França, Itália, Inglaterra e Canadá), discutiu a situação da Amazônia, assolada pelo desmatamento e pelos incêndios.
Depois, o presidente francês, Emmanuel Macron, falou em “internacionalização” da Amazônia – algo que os brasileiros sempre repeliram, desde a época de D. Pedro II, quando os norte-americanos criaram a interessante – e interessada – teoria de que o rio Amazonas era “uma extensão natural do Mississipi” (cf. Paulo Roberto Palm, A Abertura do Rio Amazonas à Navegação Internacional e o Parlamento Brasileiro, Fundação Alexandre de Gusmão, Brasília, 2009, p. 31).
O pior foi a argumentação de Macron: se a política do governo do Brasil é devastar a Amazônia, melhor que ela deixe de ser brasileira e tenha um “status internacional”.
Mas, por que “pior”, se essa sempre foi a argumentação de qualquer porta-voz da cobiça pela Amazônia?
É óbvio que, se algum governo francês cuidar mal – ou devastar – o Bois de Boulogne ou a Floresta de Argonne, nem por isso estaríamos autorizados a decretar o “status internacional” sobre um ou sobre outra.
E não é lícito argumentar que a Floresta Amazônica é maior ou mais importante para a Humanidade do que o Bois de Boulogne. Até porque os brasileiros também fazem parte da Humanidade. Do que se trata, aqui, é de uma questão de soberania nacional.
Mas o “pior”, naquilo que Macron falou, está em que, pela primeira vez, uma parte do que ele disse é verdade: a política – se é que se pode assim chamar – de Bolsonaro para a Floresta Amazônica é destruí-la.
Das outras inúmeras vezes em que o governo brasileiro foi acusado de tal coisa, em todas, essa acusação era mentirosa.
Esse foi um dos temas do ex-presidente Artur Bernardes, em sua campanha contra a “internacionalização da Amazônia” via “Instituto da Hiléia Amazônica”.
As acusações ao Brasil, sobre a Floresta, eram falsas.
A ditadura rasgou na mata a Transamazônica e deu a um bilionário americano, Daniel Ludwig, uma área, na Amazônia, do tamanho do Estado de Sergipe, para instalar o famoso Projeto Jari.
Mas não é possível dizer que o projeto da ditadura fosse a destruição desordenada da Floresta Amazônica.
Só uma aberração – é a palavra mais suave que nos ocorre – como Bolsonaro é capaz de conceber algo tão sem limite, algo, a rigor, tão criminoso. Em outro artigo, nos estendemos sobre o que Bolsonaro fez e falou, desde a campanha eleitoral, sobre a questão ambiental (v. HP 24/08/2019, Bolsonaro expõe, na TV, a sua covardia).
Resta acrescentar algumas coisas.
Bolsonaro declarou que a questão ambiental é importante “só aos veganos que comem só vegetais”.
Às vezes, é necessário tremendo autocontrole para não dizer o que pensamos em linguagem mais chula. Vamos tentar, leitores.
Bolsonaro disse, também, que está fazendo o que pode, mas as queimadas são “quase uma tradição da região”.
Como se, açulados por ele, os desmatadores não tivessem promovido até um famigerado “Dia do Fogo” (v. MPF alertou governo Bolsonaro três dias antes do “Dia do Fogo”).
Bolsonaro prometeu acabar com o Ministério do Meio Ambiente – e, eleito, cortou R$ 187 milhões da verba, prevista no Orçamento, para ele.
Adivinhe o leitor onde foi a maior parte desse corte de R$ 187 milhões?
No Ibama, é claro, o órgão de fiscalização ambiental, que teve R$ 89 milhões cortados (48% do total do corte).
Bolsonaro desautorizou e proibiu fiscais de autuar criminosos que atacavam a floresta (v. Bolsonaro grava vídeo em apoio a ladrões de madeira na Amazônia).
Aliás, até mesmo perseguiu um deles, que o tinha autuado por pesca ilegal (v. Funcionário concursado do Ibama que multou Bolsonaro em 2012 é exonerado).
É óbvio qual foi o efeito disso, expresso no desmatamento e nos incêndios – inclusive nos incêndios absolutamente propositais.
Quanto a Macron, é uma daquelas mediocridades burocráticas, muito características da elite francesa, incapaz de um pensamento além da rotina.
Porém, quem está concedendo espaço para que ele fale até mesmo na “internacionalização da Amazônia” é Bolsonaro.
A propósito, temos que reconhecer que Macron, além disso, falou coisa mais interessante – respondendo, obviamente, a Bolsonaro.
É difícil encontrar, na história do mundo moderno, algo tão baixo, tão indigno de um presidente – mais ainda, de um presidente do Brasil – do que o comentário de Bolsonaro, acompanhando um anormal que o apoia, sobre a esposa do presidente francês, Emmanuel Macron.
E não importa se foi o próprio Bolsonaro ou uma de suas extensões – por exemplo, o notório Carluxo – quem escreveu a ofensa. Bolsonaro assumiu como se tivesse escrito – e, o mais provável, pelo estilo, é que tenha sido ele.
Disse o presidente francês, depois de frisar que Bolsonaro fizera comentários “extremamente desrespeitosos” para com sua esposa: “Como tenho uma grande amizade e respeito pelo povo brasileiro, espero que tenham rapidamente um presidente que se comporte à altura”.
Nós também.
Agora, que podemos concluir desse episódio?
Se Bolsonaro não tem nem esse limite mais óbvio da educação civilizada, apenas enfatiza sua incompatibilidade com a democracia.
Então, o que se pode esperar dele?
A defesa da tortura?
Mas isso, ele já fez.
A defesa do assassinato?
Mas isso, ele já fez.
A coprofilia pública, isto é, a aderência esquisitíssima às fezes?
Mas isso ele já fez – pelo menos verbalmente.
A divulgação de pornografia?
Mas isso ele também já fez, em meio ao carnaval.
O uso do cargo para dar imunidade e impunidade à corrupção da família?
Mas isso, ele já fez, com a cumplicidade de Dias Toffoli – mais a destruição do Coaf, mais a intervenção na Receita Federal e na Polícia Federal.
A propagação do racismo, inclusive entre regiões do país?
Mas isso ele também já fez.
A demissão de militares honrados, que não se submeteram às indignidades da sua seita?
Mas isso, ele já fez.
Ou a proteção de criminosos, do tipo daquele que era seu vizinho, um assassino do Escritório do Crime que assassinou Marielle Franco com três tiros na cabeça, e seu motorista, Anderson Gomes, com três tiros nas costas?
Mas isso, ele já fez. Contra o trabalho dos policiais honestos, Bolsonaro é o rei da milícia.
Aliás, seu filho, Flávio – o mesmo a quem ele protegeu, impedindo a investigação de seus malfeitos, – acaba de entrar com um projeto no Senado para introduzir na legislação brasileira o sagaz conceito de “suicídio por policial”.
Não é brincadeira, leitor: pelo projeto, um policial que matar alguém que se expôs a uma “situação de risco” (presumivelmente, um criminoso) não estará mais matando ninguém. O criminoso, ou suposto criminoso, é que estará cometendo “suicídio por policial”.
A rigor, o plano de Bolsonaro é acabar tanto com a Floresta Amazônica, quanto com a polícia: transformando essa última numa milícia.
C.L.