Acionistas não acreditaram na versão de que era uma joint venture o que estava sendo anunciado pelos administradores da empresa. Entenderam que era uma cisão parcial com transferência de ativos lesiva à Embraer. Correram para vender suas ações e elas desabaram
Por mais que os operadores de fundos especulativos e os administradores da Embraer envolvidos nas negociatas divulgassem notícias alvissareiras sobre o futuro da Embraer com a sua aquisição pela Boeing, a queda livre das ações, iniciada apenas um dia após o anúncio da suposta “joint venture” entre as duas empresas, revela que os acionistas perceberam bem o desastre que a operação representa para o futuro da Embraer.
Conforme veremos em mais detalhes nos gráficos adiante, decidida em reunião do Conselho de Administração da Embraer, em 05/07/2018, as ações da empresa, que haviam fechado com um pico de R$ 26,95 no dia anterior, na expectativa de pudesse haver uma parceria proveitosa entre ambas as empresas, entraram em verdadeira queda livre.
As ações da Embraer caíram de R$ 26,95 em julho de 2018 para a casa dos R$ 20,80 em janeiro deste ano, e se mantiveram baixas até hoje, caindo ainda mais para R$ 17,95 no fechamento do último dia 30 de agosto deste ano.
No dia 04/07/18, quando o mercado tinha ciência apenas que as negociações estavam prestes a ser confirmadas, o valor da ação da Embraer S.A chegou a R$ 26,95. Contudo, no dia seguinte à apresentação do formato do negócio, em 05/07/18, em que restou constatado pelos investidores e pelo mercado de que se tratava de um mau negócio para a Embraer, a queda das ações chegou a 14,28% e a ação passou a valer R$ 23,08. Nos dias subsequentes, inclusive, a queda perseverou e, no dia 13/07/18, a ação estava valendo R$ 20,81. Estes fatos, entretanto, não são lembrados ou mencionados pelas empresas.
Essa queda, acompanhada de enorme aumento no volume de ações negociado, refletiu a percepção do mercado de que o que estava sendo tratado, travestido de “joint venture”, era na verdade a venda, sem a avaliação legal, da divisão comercial e de outros setores chaves da companhia, sem os quais o futuro da empresa ficará seriamente comprometido.
Em poucos dias a ação chegou a menos de R$ 20,00. A queda, acompanhada de um aumento inédito no volume negociado, indica investidores saindo em massa de suas posições em ações da Embraer S.A. por descrença no futuro da empresa.
O “derretimento” do preço das ações prosseguiu após o anúncio do “fato relevante”, publicado no dia 16/01/19, que atualizou e informou mais dados sobre as negociações entre as duas companhias. Era informado com mais detalhes neste anúncio o que seria adquirido pela americana Boeing e o que permaneceria com a empresa brasileira.
Começava a ficar mais claro para os acionistas que a transferência para a Boeing do setor de jatos comerciais, da EDE – unidade que sedia a Eleb, subsidiária fabricante de trens de pouso – e da unidade de Évora, em Portugal, especializada em materiais compostos de alto desempenho, além do setor de engenharia da empresa, inviabilizaria a continuidade da fabricação de aeronaves no Brasil pela Embraer.
Até o cargueiro KC 390, maior avião produzido no Brasil, e joia tecnológica da Defesa Brasileira, será finalizado e comercializado a partir dos EUA.
TENTATIVA DE COMPRAR ACIONISTAS
As ações despencaram, apesar do anúncio feito, também no dia 16 de janeiro, de que, dos cerca de US$ 2,6 bilhões que sobrariam, líquidos, para a Embraer, nada menos que a estratosférica quantia de US$ 1,6 bilhão seria distribuída aos acionistas a título de “dividendos extraordinários”. A magnitude desta oferta, conhecida como “dividend yield”, é sem precedentes.
Foi uma clara tentativa de “comprar” o acionista, em especial os especuladores, responsáveis pelas reações a curto prazo do mercado. Afinal, essa quantia equivale a um dividendo de mais de dois dólares por ação, ou cerca de 40% da cotação em bolsa, na época.
Entretanto, as perspectivas para a empresa são tão ruins, que a despeito desta tentativa de conferir um “prêmio” ao acionista e tentar calar o mercado, as ações entraram em nova fase de queda aguda.
Pela reação que o mercado apresentou à notícia divulgada no último dia 16/01, conclui-se que os administradores da Embraer S/A não agiram em conformidade com os propósitos da empresa. Não estavam alinhados nem com os interesses econômicos da empresa, e menos ainda com os interesses dos acionistas, ao conduzir tais negociações. Não tiveram nem a preocupação de apresentar qualquer avaliação ou estudo de impacto econômico da venda.
Basta simples análise do histórico acima para se verificar que o valor da ação jamais voltou ao patamar que possuía antes do anúncio. O valor a que chegou a ação, entretanto, após o anúncio do dia 16/01/19 e a propagação do negócio entre as Cias, chega a ser assustador.
Diversas ações na Justiça buscam suspender a negociação com a Boeing, que colocaria um ponto final em cinquenta anos de história exitosa da Embraer. As ações vão desde a contestação do desrespeito à Lei das S.A., passando pela afronta aos estatutos da empresa, até a denúncia criminal de má fé, ao se tentar passar por joint venture aquilo que é uma operação de cisão da empresa e transferência de ativos para a americana Boeing.
SÉRGIO CRUZ