Na última terça-feira (4 de setembro) o Brasil perdeu mais um dos grandes baluartes da nossa música, o compositor, ritmista e melodista Elton Medeiros. Na quarta-feira, parentes, parceiros e amigos se despediram do compositor no Cemitério do Catumbi, no Centro do Rio.
“Eu não tive muitos parceiros, mas acho que ele foi o maior parceiro que eu tive, com o maior número de músicas. Além disso, na importância que ele teve na minha vida, foi o ensinamento de várias coisas relativas a esse universo do samba, parceria, amizade de muitos anos, muitas experiências que tivemos juntos: shows, palestras, encontros, festas”, disse Paulinho da Viola.
Zeca Pagodinho, que enviou uma coroa de flores, escreveu: “A sorrir eu pretendo levar a vida… (uma referência ao samba O Sol Nascerá, de Elton com Cartola) …Vá em paz, Elton Medeiros! O Brasil agradece por suas lindas canções”.
Elton Medeiros faz parte da lista de ouro entre os grandes nomes do nosso samba.
Suas músicas, em composições solo ou em parcerias com nomes como Cartola, Paulinho da Viola, Zé Keti, Hermínio Belo de Carvalho, Mauro Duarte, Maurício Tapajós, Paulo César Pinheiro, Cláudio Jorge, Eduardo Gudin e Délcio Carvalho, só para citar alguns dos bambas, fazem parte dos mais belos clássicos do samba.
Seus sambas, como Mascarada, em parceria com Zé Kéti; Onde a Dor Não Tem Razão, com Paulinho da Viola, ou Peito Vazio e O Sol Nascerá, com Cartola, são daqueles que não podem faltar em nenhuma roda de respeito.
Como afirma o compositor e parceiro Vidal Assis, “Elton representa uma linhagem do samba de poucos representantes, de gente que tinha cuidado com a poesia das palavras e com as melodias”.
O compositor, nascido na Glória, foi criado em meio aos ranchos-carnavalescos (o pai era ranchista), serestas, saraus e blocos carnavalescos que enchiam o tradicional bairro carioca, colado à Lapa. Aos 14 anos compôs o primeiro samba, aos 17, já morando no subúrbio de Parada de Lucas, tocava na Orquestra Juvenil de Estudantes, na Rádio Roquette Pinto, e à noite se apresentava, tocando trombone, em gafieiras.
A partir da década de 60, participou como compositor ou músico, das manifestações mais significativas na trajetória do samba em nosso país: com Cartola, Zé Kéti, Nelson Cavaquinho, Nuno Veloso e Jorge Santana formou o grupo A Voz do Morro, que em sua segunda formação ainda contava com Paulinho da Viola, Jair do Cavaquinho, Anescarzinho do Salgueiro, Oscar Bigode e Zé Cruz.
Foi um dos grandes apoiadores de Cartola e Dona Zica na fundação do Zicartola, importante espaço musical onde conheceu muitos dos companheiros que logo se tornariam seus parceiros, como Paulinho da Viola. Sua parceria com Cartola, O Sol Nascerá, foi gravada por Nara Leão em seu primeiro LP e incluída por ela no show Opinião.
Ainda na década de 60, escreveu com o poeta Walmir Ayala, o espetáculo “Chão de estrelas”, baseado na vida de Orestes Barbosa.
Participou do musical “Rosa de Ouro”, de Hermínio Bello de Carvalho e Kléber Santos, ao lado de Nelson Sargento, Anescarzinho do Salgueiro, Paulinho da Viola, Jair do Cavaquinho, Clementina de Jesus e Araci Cortes.
Em 1966, quando acompanhou Clementina de Jesus no “Festival de Arte Negra”, de Dacar, na África, Elton Medeiros já defendia a importância da presença do negro na cultura brasileira, o que passou a ser tema de estudo para ele.
Sobre o assunto, em uma entrevista para o Clube do Choro de Santos, defendeu: “nós bebemos dessa fonte que é a musicalidade africana para fazer o samba, o samba que é de origem ‘banto’ (…) está aí o samba sobrevivendo até hoje graças a essa produção implantada no Brasil, os batuques, as curimas e outras… ao jongo e outras manifestações culturais africanas”.
E prossegue: “graças a isso nós temos uma cultura musical brasileira muito forte, que por mais que tentem destruí-la, por mais que tentem alterá-la, não conseguem, e as marcas da influência africana na nossa cultura permanece e cada vez mais se acentua, porque as novas gerações procuram beber nessa grande fonte de informação étnica”.
O artista também sempre foi atuante na defesa da valorização de músicos, compositores e intérpretes e na briga pelos direitos autorais e pelo bom funcionamento das organizações de arrecadação, como o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), por exemplo, onde atuou. Na mesma entrevista ao Clube do Choro de Santos, perguntado sobre a questão dos direitos autorais, respondeu: “olha, não deve atender aos anseios dos compositores não, mas eu vou dizer uma coisa sinteticamente: mal com o ECAD, pior sem o ECAD!”
ANA LÚCIA