“O extremismo neoliberal macrista não será modelo de exportação, se Alberto Fernández for eleito presidente, contra Macri, como é o provável”, afirma Cesar Verduga Vélez, ex-ministro do Trabalho e de Governo do Equador entre os anos 1988 e 1992, assinalando que “pôr fim à geopolítica da fome impulsionada pelo labirinto especulativo característico do modelo macrista seria a primeira contribuição de Fernández à mudança positiva na geopolítica latino-americana”.
O economista formado na Universidade dos Povos Patrice Lumumba de Moscou, na URSS, e bom conhecedor da política da Argentina, país onde morou em sua juventude, acrescenta que “frear com serena firmeza a Bolsonaro e preservar a integração e interdependência conseguida pelos Estados e povos argentino e brasileiro será uma tarefa que Alberto Fernández deverá enfrentar, tentando contribuir à geopolítica de paz e integração que a América Latina necessita.”
Reproduzimos, a seguir, seu artigo, intitulado “Macri já não poderá ser mostrado como ‘modelo’ pela direita regional”, publicado pelo jornal El Tiempo de Buenos Aires.
CESAR VERDUGA VÉLEZ
Incerta e volátil é a realidade política do século 21. Isso não implica em que a realidade tangível tenha desaparecido, totalmente substituída pela realidade virtual que criam os meios de comunicação, chamada por alguns de pós-verdade. Alberto Fernández é o provável vencedor das eleições presidenciais na Argentina e Mauricio Macri o provável perdedor.
A derrota de Macri implicará em um revés à utopia do mercado livre autorregulado, à negação da política como atividade insubstituível para resolver pacificamente os conflitos inerentes à vida social e conduzir o Estado, não como empresa que administra coisas, mas como ente político que conduz cidadãos e busca o bem comum.
Algumas das declarações de Fernández permitem esperar, se forem cumpridos os prognósticos e ele alcança a presidência, um processo de concertação entre Estado, trabalhadores e empresários, para pôr o aparato produtivo em marcha, recuperar o crescimento e impulsionar o desenvolvimento, reduzir a inflação, dinamizar o emprego e melhorar a vida dos milhões de novos pobres, de trabalhadores e da classe média argentina.
Pôr fim à geopolítica da fome impulsionada pelo labirinto especulativo característico do modelo macrista seria a primeira contribuição de Fernández à mudança positiva na geopolítica latino-americana. O extremismo neoliberal macrista não será modelo de exportação, se Alberto Fernández é eleito presidente.
Há outras dimensões importantes na relação entre o triunfo de Alberto F e a geopolítica latino-americana. Há várias décadas Henry Kissinger declarava: “Para onde for o Brasil irá a América do Sul” e os Estados Unidos proclamaram o gigante sul-americano como sócio preferido na região. Como costuma acontecer na geopolítica das grandes potências, nunca se definiram todas as consequências concretas que essa proclamação tinha para o Brasil e a América do Sul. A concepção das “fronteiras ideológicas” e sua filha a Operação Condor, que coordenou a nível transnacional violações aos direitos humanos de milhares de sul-americanos, foi uma das consequências.
Em dias recentes, em uma visita do presidente Jair Bolsonaro aos Estados Unidos, Donald Trump proclamou que o Brasil era um aliado preferencial na estratégia de segurança internacional dos EUA. Por sorte a América do Sul já não é a selva de baionetas que era quando Kissinger fez a proclamação citada antes. O que representa Bolsonaro? É a maior aberração político-simbólica que tem produzido a democracia sul-americana em seus 40 anos de novo começo. É partidário proativo do capitalismo financeiro-especulativo e da desaparição, com privatizações indiscriminadas, da economia mista. É adversário do acordo mundial de Paris para frear a mudança climática e responsável por cumplicidade ou omissão de ecocídio na incendiada Amazônia. É declarado misógino e homofóbico, capitão de exército eleito constitucionalmente que elogia a ditadura brasileira e seus crimes de lesa-humanidade.
Não é estranho que, violando normas diplomáticas elementares, Bolsonaro intervenha na política interna da Argentina, convidando os empresários brasileiros a apoiarem Macri em sua disputa eleitoral e desqualificando como “bandidos esquerdistas” os vencedores das recentes PASO [eleições primárias] de 11 de agosto. Frear com serena firmeza a Bolsonaro e preservar a integração e interdependência conseguida pelos Estados e povos argentino e brasileiro será uma tarefa que Alberto Fernández deverá enfrentar, tentando contribuir à geopolítica de paz e integração que Latino-américa necessita.
A Venezuela sofre uma crise econômica, social e política dramática, com centenas de milhares de emigrantes. O informe Bachelet documenta violações aos direitos humanos por parte do Estado. A oposição tentou levantar as Forças Armadas irresponsavelmente. Trump impõe sanções ilegais para agravar a crise. O drama que o povo venezuelano padece seria superado pela tragédia de uma intervenção militar estrangeira ou o estouro de uma guerra civil. As experiências do Meio Oriente se encenariam no coração da América Latina. Unir-se a Noruega, México e Uruguai, para mediar a crise venezuelana e estimular uma saída negociada seria a postura lógica de uma Argentina governada pelo peronismo.
Perón há décadas postulou que o século 21 encontraria a América Latina unida ou dominada.
O mandato histórico que receberia Fernández é impulsionar, como fez seu mentor Néstor Kirchner, a integração soberana da América Latina. Trata-se de dar impulso a uma geopolítica de paz, de autodeterminação, de integração, de soberana inserção no mundo e de fortalecimento dos princípios da Carta da ONU. Essa é a esperança que a virada política na Argentina despertou em milhões de habitantes desta região do mundo.