Documento “Máfia dos Ipês” denuncia a atuação de criminosos e a impunidade dos assassinatos no Norte do país
A violência na Amazônia brasileira, provocada pela extração de madeira ilegal na região, tem aumentado no último período por influência da “políticas anti-ambientais e a retórica do presidente Bolsonaro e de seus ministros”, denuncia a organização de Direitos Humanos Human Rights Watch, em seu relatório, “Máfias do Ipê, Como a Violência e a Impunidade Impulsionam o Desmatamento na Amazônia Brasileira”, publicado na terça-feira (17).
De acordo com a ONG, milícias que agem em nome de madeireiros impulsionados pela sensação de impunidade, ameaçam e matam agentes públicos, policiais que combatem crimes ambientais, pequenos agricultores, assentados, índios e quaisquer outros que ousem denunciar o desmatamento ilegal na Amazônia.
“As políticas anti-ambientais e a retórica do presidente Bolsonaro e de seus ministros têm colocado agentes públicos e defensores da floresta em maior risco pessoal, de acordo com membros do Ministério Público Federal, que afirmam que os relatos de ameaças por parte de grupos criminosos envolvidos na extração ilegal de madeira têm aumentado desde a posse de Bolsonaro”, diz a ONG no documento.
A entidade diz que os agentes ambientais da região apelidaram esses grupos de milícias de “máfias dos ipês”, em referência à extração de madeira dessas árvores tidas como “diamante da Amazônia”. A organização entrevistou mais de 170 pessoas, entre elas, mais de 60 servidores públicos estaduais e federais envolvidos na fiscalização ambiental na região amazônica, e outros 60 membros de povos indígenas e moradores dos estados do Maranhão, Pará e Rondônia.
Mais de 300 pessoas foram assassinadas durante a última década no contexto de conflitos pelo uso da terra e de recursos naturais na Amazônia, muitas delas por pessoas envolvidas na extração ilegal de madeira, diz a ONG, baseada em números da Comissão Pastoral da Terra, da Igreja Católica. No relatório a entidade detalha 28 desses assassinatos.
IMPUNIDADE
“Dos 300 assassinatos que a Comissão Pastoral da Terra registrou desde 2009 na Amazônia, apenas 14 foram levados a julgamento. Dos 28 assassinatos examinados neste relatório, apenas dois foram julgados. E dos mais de 40 casos de ataques ou ameaças, nenhum foi levado a julgamento, sendo que a denúncia criminal foi apresentada em apenas um dos casos”, afirma a ONG.
Essas milícias no campo, além de ter com alvos ativistas ambientais e indígenas, também agem contra policiais militares e agricultores. Como nos casos do sargento da Polícia Militar do estado do Pará, João Luiz de Maria Pereira, que foi assassinado por um madeireiro enquanto participava de uma operação de combate à exploração madeireira na Floresta Nacional Jamanxim, em 2016, e dos pequenos agricultores Osvalinda Marcelino Alves Pereira e seu marido Daniel Alves Pereira, que têm sofrido repetidas ameaças de morte há quase uma década, desde que começaram a denunciar a extração ilegal de madeira no assentamento Areia, no estado do Pará. Em 2018, o casal encontrou duas covas simuladas em seu quintal, com cruzes de madeira em cima.
A entidade afirma que as ações criminosas na Amazônia não começaram com o presidente atual mandatário do Brasil, mas destaca que ao invés de apontar para uma posição clara de proteção da floresta e daqueles que agem pelo cumprimento da legislação ambiental brasileira, Bolsonaro tem agido para facilitar as ações de milícias ruralistas na região amazônica.
“O governo Bolsonaro tem agido de forma agressiva para diminuir a capacidade do país de fazer cumprir suas leis ambientais. O orçamento discricionário do Ministério do Meio Ambiente foi reduzido em 23%, eliminando recursos destinados à fiscalização e ao combate a incêndios na Amazônia. E em um único dia no mês de fevereiro, 21 dos 27 diretores regionais do Ibama, responsáveis pela aprovação de operações de combate à extração ilegal de madeira, foram exonerados. Até agosto de 2019, quase todos esses cargos de maior hierarquia permaneciam vagos […]”.
Em seguida a entidade lembra que o governo Bolsonaro “adotou políticas que na prática sabotam o trabalho dos agentes que permaneceram [na região amazônica]. Entre essas políticas está o desmantelamento do departamento que coordenava as principais operações de combate ao desmatamento, envolvendo várias agências federais e as forças armadas”.
“[…] A exigência — comunicada verbalmente aos agentes, mas não formalizada por escrito — de que os agentes mantenham intactos os veículos e equipamentos utilizados na extração ilegal de madeira encontrados em locais remotos, ao invés de destruí-los como autoriza a legislação brasileira. Assim, os agentes precisam transportar esses equipamentos por meio da floresta, o que os deixa vulneráveis a emboscadas por madeireiros que tentam recuperá-los […]”.
Entre outras denúncias sobre atos do governo Bolsonaro que têm prejudicado e colocado em risco a preservação da Amazônia e a vida daqueles que se propõem a defendê-la, apontada pela entidade no relatório – a ONG alerta ainda que “o governo tem sinalizado perigoso apoio aos responsáveis pelo desmatamento da Amazônia”.
A entidade lembra “que após a demissão em massa de funcionários de alto escalão do Ibama, Bolsonaro se vangloriou durante uma reunião com fazendeiros de que ele havia pessoalmente ordenado ao ministro do Meio Ambiente fazer ‘uma limpa’ nas agências ambientais do país. Em julho, logo após agressores queimarem um caminhão de combustível para helicópteros do Ibama utilizados em operações de combate à extração ilegal de madeira no estado de Rondônia, o ministro do Meio Ambiente se reuniu com madeireiros na cidade onde ocorreu o ataque e disse que a indústria madeireira precisa ser ‘respeitada’”.
Leia na íntegra o documento: Máfias do Ipê, Como a Violência e a Impunidade Impulsionam o Desmatamento na Amazônia Brasileira