Dos quatro partidos que integram a Lista Árabe Unida, um deles, o Balad, esclareceu que decidiu pela neutralidade, uma vez que, segundo seu dirigente, deputado, Armed Tibi, o opositor Gantz “não se posiciona contra a racista Lei Estado-Nação”. Com isso, sem o apoio dos 3 deputados eleitos pelo Balad, Gantz fica com 10 deputados árabes a seu favor e a quantidade de apoios a sua indicação como premiê fica em 54, enquanto que – até aqui – Netanyahu apresentou 55, um a mais que Gantz. As consultas dos partidos com o presidente Rivlin seguem
A anunciada decisão da Lista Árabe Unida de apoiar em bloco a oposição, encabeçada por Benny Gantz da Lista Azul e Branco, para compor o novo gabinete ministerial israelense, na condição de primeiro-ministro, dava a esta composição a bancada maior, isto pressupunha sua indicação como encarregado pelo presidente, Reuven Rivlin, de obter a maioria de, no mínimo 61 dos 120 deputados do Knesset, parlamento israelense, e assim formar o novo governo, de acordo com o sistema parlamentarista de Israel.
Embora as principais lideranças da Lista Árabe Unida tenham destacado que o apoio a Gantz teve como direção central afastar do governo o atual premiê, Bibi Netanyahu, amigo dileto de Bolsonaro, a quem um dos líderes da Lista Unida, Ofer Cassif, qualificou “de pior, mais inepto e destrutivo primeiro-ministro da história de Israel”, em informação publicada pelo jornal israelense Haaretz às 8:35, hora de Tel Aviv e 2:35, hora aqui do Brasil, um dos quatro partidos que a compõem, o Balad, em carta oficial ao presidente Rivlin, esclareceu que decidiu não apoiar o candidato opositor. O número de apoiamentos a Gantz, por parte desta coligação caiu de 13 para 10.
Agora, a composição que dá apoio a Benny Gantz, é formada pela sua lista a Azul e Branco (33 integrantes), a maior parte da Lista Árabe Unida (10), a lista composta pelos trabalhistas junto com o grupo Ponte (6 deputados) e mais os 5 deputados eleitos pelo Campo Democrático, totalizando 54 deputados.
Já Netanyahu, que foi derrotado por Gantz, no pleito de 17 de setembro, reúne os integrantes de sua lista, o Likud (União) com 31 deputados, os dois partidos religiosos ortodoxos, Shas (9) e Unidade da Torah (Pentaeuco), que elegeu 8 deputados e ainda o da deputada Ayelet Shaked ex-ministra da Justiça de Netanyahu, que se assumiu como “fascista” no preâmbulo da campanha eleitoral e cuja lista é denominada de Yemina (Rumo à direita) e que elegeu 7 deputados, formando um apoio de 55 cadeiras, uma a mais, portanto, do que as reunidas por Gantz.
O coordenador adjunto da Lista Árabe, deputado Ahmed Tibi, esclareceu que a decisão dos integantes do Balad de não apoiarem desde já a Gantz para permiê se deve ao fato de que, segundo eles, “o Balad tem atuado como parte integrante da Lista Unida para afastar Benjamin Netanyahu e se manterá claramente neste sentido mas, ao mesmo tempo, não vê Gantz como alternativa, uma vez que seu partido apoia a anexação de Jerusalém e do Golã, ameaça Gaza com guerra e não se mostra disposto a anular a Lei Estado Nação de caráter racista”.
Restou a lista de Avigdor Lieberman, um dos mais agressivos direitistas do gabinete de Netanyahu, que elegeu 8 deputados e que já declarou que não vai apoiar nem Netanyahu, por seu acordo com os ortodoxos (Lieberman arrebanhou votos declarando-se além de direitista, secularista e, portanto, contra as normas e leis teocráticas que prevalecem no país) e muito menos Gantz por contar com o apoio dos árabes. “Não podemos recomendar Gantz, que pretende ser um governo apoiado pelos árabes. Os haredim (ortodoxos) são nossos adversários e os árabes são nossos inimigos”, declarou Lieberman.
Apesar desta mudança mais recente no quadro de apoiamentos, nem Netanyahu, nem Gantz reúnem os 61 assentos para indicar o gabinete e surgir como primeiro-ministro a esta altura dos acontecimentos.
Nesta segunda-feira, o presidente Rivlin entra no segundo dia de consultas para definir o encarregado de formar o novo governo, que terá 28 dias para tal.
Fica agora claro que Gantz, a menos que, traindo o eleitorado e apoiadores, faça composição com Netanyahu, o que se torna cada dia mais improvável, ainda mais depois deste domingo, com a declaração de apoio da maioria da Lista Árabe Unida, só poderá formar a maioria atraindo um dos partidos ortodoxos ou os dois.
É o que observa Caroline Landsman, em artigo publicado no dia 22 no jornal israelense Haaretz: “Temos que nos recuperar da fantasia de subtrair os ultra-ortodoxos e/ou os árabes da sociedade de Israel e repor em seu lugar uma visão de parceria. Isso não é idealismo é realidade”.
Antes de ingressar na residência oficial do presidente de Israel, Reuven Rivlin, para levar sua indicação, o líder da Lista Árabe destacou: “Queremos viver em um lugar pacífico baseado no fim da ocupação, no estabelecimento de um Estado da Palestina ao lado do Estado de Israel, onde haja verdadeira igualdade, nos níveis civil e nacional, com justiça social e certamente democracia para todos”,
Para Odeh e seus companheiros de Lista Unida, este é um momento histórico pois a única vez anterior em que os parlamentares árabes declararam apoio a um governante israelense foi a Itzhaq Rabin, em 1992, que acabou por firmar com Arafat os acordos de paz de Oslo. Depois do assassinato de Rabin, veio a onda de governos direitistas e segregacionistas tanto com relação aos palestinos na região ocupada desde 1967, quanto com relação aos árabes palestinos israelenses.
Em matéria publicada no jornal New York Times, Odeh detalhou; “Já argumentei antes que, se os partidos de centro-esquerda de Israel acreditam que os cidadãos árabes palestinos têm um lugar neste país, eles devem aceitar que temos um lugar em sua política. Nós decidimos demonstrar que os cidadãos árabes palestinos não podem mais ser rejeitados ou ignorados. Nossa decisão de apoiar o senhor Gantz como próximo primeiro-ministro, desde que não se junte a um governo de coalizão de unidade [com o bloco de Netanyahu], é uma mensagem clara de que este é o único futuro para este país e que não existe futuro comum compartilhado sem a plena e igual participação dos cidadãos árabes palestinos”.
COMO FICA O QUADRO COM A MUDANÇA DE POSIÇÃO DO BALAD
A discussão entre os integrantes da bancada da Lista Árabe já estava tensa, uma vez que reivindicações já expressas a Gantz pelos representantes dos árabes palestinos, incluindo, entre outras, a garantia de retomada das negociações de paz com os palestinos e a exigência de mudanças na Lei Estado-Nação que exclui oficialmente os árabes da nacionalidade plena enquanto árabes palestinos israelenses, não foi respondida até agora pela sua lista Azul e Branco.
Este debate aconteceu na reunião dos integrantes da Lista Árabe, realizada na cidade árabe de Kfar Kassem nos dias 21 e 22. A maioria dos partidos achou por bem apoiar a indicação de Benny Gantz, mesmo sem ele assumir os compromissos solicitados, com o intuito de derrubada do governo fascista de Netanyahu. Os integrantes do Balad discordaram, mas foram vencidos na votação que houve e, segundo as informações do líder da Lista, eles não iriam à residência do presidente mas apoiariam Gantz, apesar das restrições. A informação da retirada deste apoio crítico pelo Balad e da carta por eles enviada ao presidente Rivlin, afastando seus deputados da base de Gantz, surgiu horas depois.
A mudança de posição não significa, no entanto, uma garantia de manutenção de Netanyahu. Sua dificuldade em conseguir 61 apoios permanece. O indiciamento pelos atos de corrupção também segue avançando e se espera uma audiência de Netanyahu com o procurador-geral Avichai Mendelblit nas próximas duas semanas. A claras indicações de que, a partir dessa audiência, a acusação seja enviada à Justiça.
Por outro lado, caso o presidente indique Netanyahu como primeiro encarregado de formar gabinete ministerial, suas chances de obter a maioria de 61 apoios permanece muito pequena.
Configurada a provável situação em que Netanyahu não consiga os apoios necessários para se tornar premiê, o indicado seria – após 28 dias – o opositor Benny Gantz.
Os jornal israelense Haaretz, já havia dito que esta é a posição preferida pelo partido Azul e Branco uma vez que, com Netanyahu falhando em compor o gabinete, isso tende a flexibilizar o posicionamento dos que estariam sendo fiéis a ele neste momento, mas se veriam livres para apoiar a oposição com Bibi falhando em compor governo.
Além disso, ainda existe a possibilidade de que Gantz venha a atender as demandas árabes de voltar à condição de contar com o apoio da maior parte dos parlamentares no Knesset.
Fica claro que a vacilação de Gantz em apoiar as justas reivindicações que partem dos representantes da população árabe, atingida por restrições e discriminações abusivas por mais de 20 anos de governos abertamente racistas e excludentes, está levando ao impasse e dificultando a mudança.
De qualquer forma, o fôlego que a posição do partido Balad dá a Netanyahu, dentro de sua instável situação, é muito curto. Além disso – ainda que não tenhamos como negar que qualquer respiro ao fascismo é ruim para a sociedade israelense como um todo e um desastre para a população árabe – há o aspecto inescapável de que agora a questão árabe, de “justiça, inclusão e igualdade social”, conforme destacado pelo líder Ayman Odeh, está colocada na mesa e a oposição terá que decidir se quer mesmo governar iniciando uma nova era de paz e dos primeiros passos para o fim da nefasta segregação que vem, há décadas sendo imposta aos árabes palestinos tanto em Israel, como nos territórios ocupados.
NATHANIEL BRAIA