“Parem de nos matar”, era a frase de uma das faixas exibidas no protesto contra a violência, durante o enterro da criança
Indignação, comoção e protestos contra os assassinatos incentivados pelo governador bolsonarista Wilson Witzel marcaram o dia no cemitério de Inhaúma, zona norte do Rio, durante o enterro da menina Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, morta na noite de sexta-feira (20), baleada ao lado do avô e da mãe dentro de uma Kombi no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.
“Não teve tiroteio nenhum. Foram dois disparos que ele deu. É mentira!”, gritava, muito abalado, um homem que seria o motorista da Kombi (que ajudou a socorrer a menina) e que teria visto um policial atirando. Ele contestou a versão oficial de que houve troca de tiros.
“Mais um na estatística. Vai chegar amanhã e dizer que morreu uma criança no confronto. Que confronto? Confronto com quem? Porque não tinha ninguém, não tinha ninguém. Ele atirou por atirar na kombi. Atirou na kombi e matou minha neta. Isso é confronto? A minha neta estava armada por acaso para poder levar um tiro?”, disse Aílton Félix, o avô de Ágatha.
“Ela está no céu, que é o lugar que ela merece. A polícia matou um inocente. “O mundo está vendo o que aconteceu com a minha neta”, acrescentou o avô, que estava ao seu lado na hora em que ela foi baleada. O cortejo até o cemitério reuniu uma pequena multidão.
Após ser alvejada, Ágatha foi levada para o hospital, mas não resistiu ao ferimento e morreu na madrugada deste sábado. A Polícia Militar alega que os agentes que atuavam no local tinham sido alvo de criminosos, mas parentes da menina e testemunhas relataram que não houve confronto e que os policiais teriam atirado contra uma motocicleta que passava na hora, com dois homens a bordo.
O velório da menina assassinada foi reservado a parentes e amigos. Quando o corpo deixou a capela rumo ao cemitério, os presentes protestaram com gritos de “Justiça” e “Witzel é assassino”. Os mototaxistas fizeram um buzinaço. Precedido por faixas contra a violência —“parem de nos matar”, dizia uma delas.
O cortejo andou por 500 metros até o cemitério de Inhaúma. “Ela me ensinava inglês. Eu, com 28 anos e ela com 8, me ensinando inglês”, disse o tio Cristian Sales. “Ela sonhava em ser bailarina, era estudiosa e não gostava de tirar notas baixas.” O corpo foi sepultado sob aplausos e orações.
O governador, que comemorou entusiasticamente a morte de um doente mental na ponte Rio- Niterói ha algum tempo, incentiva de todas as formas possíveis as agressões às comunidades pobres do Rio de Janeiro, sob o pretexto de combater criminosos. Ele estimula as ações criminosas ao se colocar como estimulador e defensor dos transgressores.
“A polícia não chega atirando. A polícia é recebida à bala com armas de guerra e, se a polícia não chegar, a facção adversária vai chegar e a guerra vai ser pior ainda”, afirmou Witzel, em maio, após a morte de um professor de jiu-jítsu no Complexo do Alemão durante incursão policial.
“Venho defendendo que os que estão portando fuzis são uma ameaça em potencial”, afirmou o governador, sem dizer nada sobre as mortes de inocentes.
Em entrevista recente, Witzel se dirige ao repórter e pergunta: “Já atirou antes?”. Diante da negativa do entrevistador, ele acrescenta: “Então venha. É como andar de bicicleta”. Uma clara apologia ao uso indiscriminado de armas.
Já são 1.249 casos de mortes por policiais registrados entre janeiro e agosto de 2019, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) do estado, o maior número em 17 anos, e nenhuma delas em áreas controladas pelas milícias. Este ano ainda 75 adolescentes foram atingidos por policiais, 39 morreram e cinco crianças perderam a vida nos tiroteios.
Foi por causa desta estupidez deste governador que Marcos Vinícius da Silva, de 14 anos foi morto em junho quando ia para a escola com uma mochila nas costas.
Neste caso as autoridades ainda tentaram insistir numa fantasiosa troca de tiros com bandidos e que o estudante estaria armado. Ele estava de uniforme e mochila, indo para a escola. E ainda testemunhou à sua mãe, quem o matou. “Ele falou ‘eu sei quem atirou em mim, eu vi quem atirou em mim, foi o blindado mãe, ele não me viu com a roupa de escola’”, contou Bruna Silva, que encontrou seu filho ainda consciente no pronto-socorro para onde foi levado por vizinhos.
Essa política de extermínio fascista estimulada por Witzel, além de trazer grande sofrimento às famílias das comunidades pobres, não apresenta nenhum resultado consistente em termos de redução de crimes violentos.
O Rio de Janeiro não apresentou redução significativa de crimes depois que Witzel assumiu, mesmo tendo seus números manipulados. Foram denunciados, por exemplo, cemitérios clandestinos ligados às milícias, que criam a possibilidade de haver mortos desaparecidos que não constam da estatística de crimes.
Ainda no Rio, a própria ação da polícia não é computada e as pessoas mortas por ela não constam nas estatísticas oficiais.
Durante o enterro de Ágatha, um bolsonarista provocador, o youtuber Gabriel Monteiro, assessor do deputado Filippe Poubel (PSL) da bancada do PSL na Assembleia Legislativa do Rio, agrediu uma das pessoas que protestavam contra os assassinatos.
Em nota, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro lamentou “profundamente a morte da pequena Ágatha no Complexo do Alemão” e manteve a versão de que os agentes apenas revidaram a uma agressão de criminosos “quando foram atacados de várias localidades da comunidade de forma simultânea”.
No entanto, a Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) comunicou que abrirá “um procedimento apuratório para verificar todas as circunstâncias da ação”.
Assista ao vídeo com a agressão