Por unanimidade, a Corte Suprema britânica decidiu na terça-feira (24) que a ‘recomendação’ do primeiro-ministro Boris Johnson à rainha de que o parlamento fosse suspenso por cinco semanas no auge da crise do Brexit é “ilegal, nula e sem efeito”
A sentença revoga a manobra do governo Johnson para impedir que o parlamento interferisse na reta final das negociações do Brexit, inclusive na chamada opção do “não acordo”, considerado catastrófico para a economia e a sociedade britânica.
A decisão da mais alta corte britânica, que implica no imediato retorno do parlamento às suas atividades, como se a suspensão não houvesse ocorrido, foi anunciada pela presidente da corte, Lady Hale, após três dias de audiência na semana passada.
Como destacou a magistrada, isso significa que, quando os comissários reais entraram na Câmara dos Lordes [para suspender o parlamento] “era como se entrassem com uma folha de papel em branco. A prorrogação também foi nula e sem efeito. O Parlamento não foi prorrogado”.
Conforme a sentença, “a decisão de aconselhar Sua Majestade a prorrogar o parlamento foi ilegal porque teve o efeito de frustrar ou impedir a capacidade do parlamento de desempenhar suas funções constitucionais sem justificativa razoável”.
A Corte Suprema britânica acrescentou que “esta não foi uma prorrogação normal no período que antecedeu o discurso da rainha. Impediu que o parlamento cumprisse seu papel constitucional por cinco das oito semanas possíveis entre o final do recesso de verão e o dia da saída em 31 de outubro”.
Como registrou Lady Hale, “o Parlamento poderia ter decidido entrar em recesso para as conferências do partido durante um período daquele período, mas, dada a situação extraordinária em que o Reino Unido se encontra, seus membros poderiam ter pensado que o escrutínio parlamentar da atividade do governo na preparação para o Brexit era mais importante e se recusado a fazê-lo, ou pelo menos eles poderiam ter reduzido o recesso normal da temporada de conferências por causa disso”.
“Mesmo que tivessem concordado em entrar em recesso pelo período habitual de três semanas, ainda teriam sido capazes de desempenhar sua função de responsabilizar o governo. Prorrogação [suspensão] significa que eles não podem fazer isso”, completou.
Apesar da chuva torrencial, desde 5h20 da manhã cidadãos haviam se amontoado diante da Suprema Corte, querendo presenciar a decisão. Manifestantes exibiam cartazes como “defenda a democracia”, “não silencie nossos deputados” e “rainha [foi] enganada”. Assim que a Suprema Corte se pronunciou, o presidente da Câmara dos Comuns, John Bercow, disse que a casa deveria “reunir-se sem demora” e que iria consultar “com urgência” os líderes dos partidos para isso.
À corte, a defesa de Johnson alegara que o caso era “exclusivamente político”, legalmente “território proibido” e constitucionalmente “um campo minado mal definido que os tribunais não estão adequadamente equipados para lidar” e, portanto, não deveria ser judicializado.
Essa foi a primeira questão examinada e decidida pela corte, contra o primeiro-ministro, com Hale apontando que a questão “surge em circunstâncias que nunca surgiram antes e é improvável que surjam novamente”.
O voto por unanimidade surpreendeu os observadores. Anteriormente, a corte mais elevada da Escócia havia rejeitado a suspensão, enquanto corte da Inglaterra e do País de Gales havia se considerado incapaz de julgar a questão.
Em Nova Iorque, onde se encontra para a cerimônia de abertura da Assembleia Geral da ONU, Boris Johnson foi atordoado pela decisão da Suprema Corte e, segundo as agências internacionais, ainda não decidiu como reagir. Falando a jornalistas durante o voo, Johnson havia dito que não renunciaria se a decisão fosse contra ele.
O líder oposicionista Jeremy Corbyn, assim que foi informado da deliberação na conferência trabalhista em Brighton, saudou que a Suprema Corte haja liberado a reconvocação do parlamento, cuja suspensão, como apontou, mostrou “o desprezo do primeiro-ministro pela democracia e seu abuso de poder”.
O dirigente trabalhista convidou Johnson a tornar-se “o primeiro-ministro mais breve que já existiu”. “Obedeça à lei, tire da mesa o não-acordo e tenha uma eleição para eleger um governo que respeite a democracia, o estado de direito e devolva o poder ao povo, não o usurpe, da maneira que Johnson fez”, assinalou.
Jo Swinson, líder dos liberal-democratas, partido que assumiu sua condição de principal legenda pela permanência na União Europeia, disse que o julgamento mostra que Boris Johnson “não está apto para ser o primeiro ministro”. Ele defendeu a imediata reabertura do parlamento para que se possa “questionar o governo conservador sobre seus desastrosos planos de Brexit”. A renúncia do “Trump britânico” também já foi pedida pelos nacionalistas escoceses (SNP) e pelo Plaid Cymru, do País de Gales.
ANTONIO PIMENTA