A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou, em julgamento na quinta-feira (26), a favor da tese de que a melhor maneira de garantir o contraditório e o amplo direito de defesa é que réus delatados devem apresentar alegações finais depois dos réus delatores. Seis dos onze ministros votaram a favor dessa tese e três contra. O julgamento foi motivado por recurso apresentado pelo ex-gerente da Petrobrás Márcio de Almeida Ferreira, réu na Lava Jato.
Quanto à decisão sobre se devem anular ou não a sentença proferida no caso concreto, de Márcio Almeida Ferreira, a votação está em 5 votos a favor da anulação e 4 contra. Ainda faltam os votos do ministro Marco Aurélio Mello e do presidente do STF, ministro Dias Toffoli. A sessão foi interrompida e a decisão final ficou para a próxima sessão, que ocorrerá na quarta-feira (02). Toffoli adiantou que, com relação à tese geral, votará com a maioria.
A discussão que ficou para a próxima sessão é a abrangência desta decisão. O presidente do Supremo disse que, na sessão de quarta-feira (2), vai propor uma modulação do entendimento, ou seja, uma aplicação restrita da tese a determinados casos. “Trarei delimitações a respeito da aplicação”, afirmou. O ministro Alexandre de Moraes, que abriu a divergência com o relator, Edson Fachin, e votou na tese de que réus delatados devem apresentar alegações finais depois dos réus delatores, defendeu que não há modulação possível.
Para que haja a modulação, ou seja, para que se definam quais casos terão as sentenças anuladas, com o processo retornando à fase de alegações finais, serão necessários 8 votos dos ministros do STF a favor da medida.
Para Moraes, não há necessidade do réu comprovar que houve prejuízo pelo fato de ter havido alegações finais simultâneas. Diferente da ministra Carmem Lúcia, que defendeu o contrário, ou seja, que os réus teriam que comprovar o prejuízo, Moraes, argumentou que basta a existência de alegações simultâneas, para que o direito à ampla defesa tenha sido desrespeitado. Pela tese de Moraes, praticamente todas as 32 sentenças da Lava Jato, que atingiram 143 réus, terão suas decisões anuladas e o processo terá que retornar à fase das alegações finais em primeira instância – no caso dos processos da Lava Jato que envolvem roubo à Petrobrás, esta instância é a 13ª Vara Criminal de Curitiba.
Desde o início da Operação Lava Jato a Justiça vinha dando o mesmo prazo para as alegações finais de todos os réus, independentemente de serem delatados ou delatores – o que foi aprovado, inclusive, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em agosto, a Segunda Turma do STF anulou a condenação do ex-presidente da Petrobrás Aldemir Bendine com base nesse argumento. A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já entrou com pedido de anulação de duas condenações – a do triplex do Guarujá, caso pelo qual ele está preso, e a do sítio de Atibaia, caso pelo qual foi condenado em primeira instância.
O relator, Edson Fachin, votou contra a anulação da sentença de Ferreira, entendendo que a defesa teve acesso a todos os dados necessários do processo durante a fase de interrogatórios e colheita de provas. O ministro Alexandre de Moraes votou pela anulação da sentença, argumentando que o direito do réu de falar por último está contido no exercício pleno da ampla defesa, e esse princípio também se aplica a réus delatores e delatados.
O ministro Luís Roberto Barroso votou pela manutenção da sentença. Em seu voto, afirmou que as alegações finais não são uma inovação no direito penal e, por isso, não devem servir como motivo para anular sentenças. Relembrando vários casos de corrupção, Barroso defendeu, ainda, que o caso julgado não é isolado: “Produz efeito sistêmico na legislação que ajudou o Brasil a romper o paradigma de impunidade que vigorava em relação a corrupção e criminalidade de colarinho branco”, disse. “Agora chega-se a esse ponto, com o risco de se anular todo o esforço que se fez até aqui”.
O ministro Luiz Fux foi o terceiro a votar contra o habeas corpus. “É claro que o delator e o delatado, ambos, são réus. E corréu não pode assumir posição de assistência de acusação. Delator e delatado se defendem em face do Ministério Público. Ao chegar nessa parte [as alegações finais], os réus já tiveram acesso a todas as provas”, argumentou.
A ministra Rosa Weber votou pela anulação da sentença do ex-gerente da Petrobrás e favorável à tese que pode anular outras condenações. Para a ministra, é preciso dar tratamento específico para “igualar os desiguais”. “A interpretação da legislação há que se fazer forte nos princípios do contraditório e da ampla defesa”, defendeu a ministra.
Já a ministra Cármen Lúcia votou a favor da tese que pode alterar decisões e condenações, inclusive as da Lava Jato. Porém, ela fez a ressalva de que a defesa precisa comprovar que os réus delatados sofreram prejuízo.
Ricardo Lewandowski votou pela anulação da sentença e favorável à tese de que réus delatores devem apresentar alegações finais antes dos réus delatados. “O contraditório é um dos valores mais caros da civilização ocidental”, afirmou. O ministro declarou que não assusta o risco de vários processos terem que voltar à “estaca zero”.
O ministro Gilmar Mendes acompanhou o voto do ministro Alexandre de Moraes, pela anulação da sentença e favorável à tese de alegações finais de réus delatores e delatados em momentos diferentes.
O ministro Celso de Mello, decano do STF votou a favor da tese de que alegações finais de réus delatados devem ser apresentadas depois das dos réus delatores. Com o seu voto formou-se maioria a favor da tese. Celso de Mello também concedeu o pedido do ex-gerente da Petrobras para anular sua sentença na Lava Jato. “Entendo que a prerrogativa do réu delatado traduz solução mais compatível do direito de defesa”, afirmou Mello.
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