A violenta repressão do premiê Adel Abdul Mahdi às manifestações já matou dezenas e deixou milhares feridos em três dias de levante popular com presença predominante de jovens, que enfrentam 40% de desemprego
Protestos de manifestantes predominantemente jovens contra a falta de empregos, a precariedade dos serviços públicos – inclusive eletricidade -, e a desenfreada corrupção no Iraque, violentamente reprimidos pelo governo Mahdi, já causaram 33 mortos e 2 mil feridos em três dias.
Na quinta-feira(3), a forças de segurança dispararam contra manifestantes que desafiaram o toque de recolher ilimitado em Bagdá imposto pelo governo. O primeiro-ministro Adel Abdul Mahdi também bloqueou a internet e deu poder aos governadores provinciais para adotarem também o toque de recolher.
Nesta sexta-feira, dia tradicional das manifestações nos países árabes, aguarda-se que as mobilizações se estendam das até aqui áreas predominantemente xiitas, na capital e no sul, para norte e oeste sunitas, estando marcado um ato em Mossul.
Os principais protestos ocorreram em Bagdá, Basra, Najaf, Nassíria, Babilônia, Kut e Amara, áreas de maioria de fé xiita, de um governo que se diz “de maioria xiita”, num país em que a constituição foi escrita por Washington e rateia o país entre “xiitas”, “sunitas” e “curdos” – isto é, entre os partidos que aderiram à colaboração, desde a derrubada de Sadam pela invasão dos EUA.
Grupos de manifestantes, na capital, com bandeiras iraquianas e o mesmo brado dos manifestantes da Argélia – “Pacífico” – e ainda “pelo Iraque”, driblaram como puderam as forças da repressão nas imediações da Praça Tahir.
Os protestos não tinham chamado muita atenção até a polícia e o exército atacarem violentamente os manifestantes na terça-feira, dizendo terem ordens de defender a todo custo a Zona Verde – a área de ministérios e embaixadas, centro da ocupação durante quase uma década, e onde fica a maior representação diplomática do planeta.
Segundo manifestantes, pelo menos oito ou dez distritos de Bagdá chegaram a ser fechados com barricadas de pneus em chamas, apesar de centenas de policiais fortemente armados bloquearem os acessos às maiores praças da capital. À noite, houve bloqueio, pelos jovens, também à entrada do aeroporto de Bagdá.
Como registrou o correspondente do The Independent, Patrick Cockburn, “se o governo iraquiano havia planejado, no início desta semana, transformar poucas manifestações contra a corrupção e a falta de empregos em um movimento de massas, está indo muito bem”.
Os protestos colocam nas cordas o governo Madhi, que está no poder há menos de um ano. Manifestações que paralisaram a principal cidade do sul, Basra, levaram em 2018 à queda do então primeiro-ministro. Já se passaram dois anos desde que o governo proclamou o fim da guerra contra o Daesh (Estado Islâmico).
Um comentarista iraquiano ouvido pelo The Independent, assinalou que os manifestantes “estão fazendo todas as exigências que as pessoas fazem desde 2003”. “Contra a corrupção, os partidos políticos, o sistema de cotas (para diferentes seitas e grupos étnicos), a falta de educação, as preocupações com a saúde e o emprego”, afirmou Hiwa Osmam.
A enorme participação dos jovens – muitos deles, universitários – tem explicação. De acordo com dados da ONU. 60% dos 39,5 milhões de iraquianos têm menos de 25 anos, e o desemprego entre os jovens é de 40%.
E como, no sistema imposto pelos EUA depois de derrubar Sadam, os empregos no setor público dependem da indicação de um dos partidos no governo e da afiliação religiosa, esses jovens não vêem qualquer perspectiva de progresso.
A questão de fundo é que, desde a invasão, a renda do petróleo não é mais usada em favor da maioria e do desenvolvimento do país, enquanto o governo instalado pela ocupação é, unanimemente, considerado corrupto. O partido que nacionalizara o petróleo, o Baas, segue banido.