Dos R$ 20 bilhões de depósitos compulsórios sobre operações a prazo liberados pelo Banco Central para os bancos em julho deste ano, R$ 15 bilhões foram alimentar as sobras de caixa que vêm sendo remuneradas pelo próprio Banco Central com os maiores juros do mundo.
A informação foi dada pelo presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, em audiência realizada na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.
Dois motivos levaram a que apenas R$ 5 bilhões desses depósitos liberados fossem efetivamente parar na mão de empresas ou pessoas como empréstimos.
O primeiro é que não há demanda por créditos, pois a economia está estagnada.
O segundo é que a remuneração diária, garantida pela farra ilegal das operações compromissadas, onde os bancos trocam suas sobras de caixa por títulos remunerados e com compromisso de compra pelo BC a qualquer momento, é um forma mais fácil e garantida de ganhar dinheiro do que emprestar para a produção ou o consumo.
O dinheiro que ficou no caixa dos bancos foi reabsorvido pelo próprio BC, por meio das chamadas operações compromissadas, que recebem juros pagos pelo próprio Banco Central.
A remuneração dos recursos aplicados pelos bancos nas operações compromissadas, ou seja, dos R$ 15 bilhões que foram “empoçados” nos caixas dos bancos, é maior do que a remuneração dos depósitos a prazo e da poupança (depósitos a vista não são remunerados) que são recolhidos compulsoriamente no Banco Central.
Em junho, o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou a liberação de R$ 100 bilhões em depósitos compulsórios, com o pretexto de permitir que as instituições financeiras ampliem o crédito para pessoas e empresas. O que elas ampliam, na verdade, são os seus ganhos com títulos do BC.
A liberação do dinheiro do compulsório não só não estimulou o crédito como aumentou a dívida pública do governo, através exatamente dessas operações compromissadas. O impacto foi de cerca de 0,3 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) na dívida bruta em julho, conforme o Valor Econômico..
Os depósitos compulsórios e as operações compromissadas são mecanismos usados em política monetária. Segundo a economista Maria Lúcia Fatorelli, a remuneração diária das sobras de caixa, garantidas pelas operações compromissadas, nos montantes que são feitos no Brasil, no entanto, não tem amparo legal e consome recursos públicos que deveriam ser usados em outras áreas.
Segundo estudos divulgados pela economista, as operações compromissadas custaram ao país nada menos que R$ 449 bilhões no período de 2014 a 2017, ou seja quase meio trilhão de reais.
Para se ter uma ideia do avanço das operações compromissadas no estoque de endividamento brasileiro, a preços de fevereiro de 2019, elas eram algo como R$ 152 bilhões em dezembro de 2006, passando para R$ 1,2 trilhão em fevereiro de 2019. Ou, em termos relativos, menos de 1% para mais de 1/5 da Dívida Bruta brasileira. (Gráfico)
Em agosto os depósitos compulsórios totalizavam R$ 442 bilhões. Os recursos oriundos da poupança representam aproximadamente 32% desse total, os demais recursos oriundos de dinheiro tomado do público através de títulos a prazo 52% e apenas 16% relativos a depósitos à vista.
O governo sabe que não está dizendo a verdade quando diz que a liberação desse compulsório, mantidas as vantagens das operações compromissadas e a estagnação do consumo, levaria as famílias e as empresas a tomarem mais crédito.
O economista José Júlio Senna, ex-diretor do BC e chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) afirma que “a variável fundamental para criar crédito não é a liberação de compulsórios, é a demanda das famílias e empresas para se endividar” .
A aprovação no governo Bolsonaro da reforma da Previdência, em fase conclusiva, que vai tirar R$ 100 bilhões ao ano, por dez anos dos brasileiros, especialmente daqueles que mais precisam, contrasta com a proteção dos bancos, feita pelo BC através das operações compromissadas.