
O fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado recebeu, neste domingo (20), o Prêmio da Paz concedido pela Federação do Comércio Livreiro Alemão e criticou o desmatamento, o consumo irresponsável das riquezas naturais e o capitalismo. Durante a premiação, ele condenou a “política destrutiva do novo governo brasileiro” com relação à Amazônia.
A premiação é uma das mais importantes do setor cultural na Alemanha e é entregue todos os anos, desde 1950, no último dia da Feira do Livro de Frankfurt. Sebastião foi o primeiro fotógrafo a receber o prêmio.
A organização do prêmio ressaltou que a homenagem a Salgado deve-se não só a seu trabalho focado em imagens do cotidiano de pessoas menos favorecidas – como imigrantes, refugiados e moradores de regiões em que o meio ambiente está ameaçado, caso dos povos indígenas na Amazônia –, mas também pelo fato de tomar ações práticas, como a fundação do Instituto Terra.
Por meio do instituto, Salgado e a mulher, Lélia, já fizeram o plantio de mais de 2,5 milhões de mudas de árvores em uma área de cerca de 700 hectares que pertencia aos pais dele, na região do Vale do Rio Doce, entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo.
“É um desastre o que está acontecendo no Brasil, não apenas nas florestas, mas sim em toda a sociedade. Governos de direita e de esquerda respeitam as instituições. Mas quando há o extremo, como a extrema direita, isso não é respeitado. Estamos destruindo instituições que levaram anos para ser construídas”, afirmou o fotógrafo, referindo-se a órgãos como a Funai e o Ibama.
Em seguida, ele criticou o projeto de flexibilização para o porte de armas de fogo no país, uma das principais políticas defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro, e também a redução dos incentivos à cultura.
“O Brasil se tornou um país violento. Se cada um tiver uma arma na mão, vai ficar ainda pior”, disse. “A cultura também tem sido um desastre. Investimentos têm sido cortados. Esse governo é um desastre, mas, ao mesmo tempo, vem perdendo poder. Temos esperança de que ele não chegue ao fim [do mandato]. No entanto, se chegar, temos que lutar para que não seja reeleito”, disse.
Questionado sobre o que poderia ser feito para apaziguar o conflito envolvendo terras indígenas e o agronegócio, Salgado foi direto: “Pressionar. Temos que pressionar o máximo possível. E pedir ajuda, inclusive da Alemanha. Temos que fazer essa pressão, e isso pode funcionar”, complementou.
DESTRUIÇÃO
“Eu acho que a nossa espécie está vivendo completamente fora da realidade. A partir de um certo momento, a gente passou a destruir e depredar o nosso mundo. Nós estamos consumindo muito mais do que o nosso planeta pode dar. Estamos indo para um buraco sem saída. O planeta não tem condição de arcar com tudo isso.”
Segundo ele, a destruição dos ambientes naturais e as dificuldades sociais deixam milhares de mortos e são sintomas da crise ainda mais profunda que a falência do sistema capitalista.
“Não é uma crise do capitalismo. É muito mais do que isso. É a crise existencial de uma espécie. Vamos ter que fazer uma autocrítica de toda a nossa maneira de viver, de consumir, se comportar e se relacionar. Eu tenho uma grande esperança no planeta, mas não sei se a espécie humana vai sobreviver, estamos indo diretamente contra a parede. É uma crise planetária.”
Salgado disse que a atual geração será cobrada no pelo que está fazendo contra planeta.
“Necessariamente (nossa geração vai ser cobrada no futuro). Para construir esta sociedade moderna, nós deixamos um deserto atrás. Nós temos a obrigação de manter intacto o que possuímos. Não precisamos mais destruir. Temos uma quantidade de terras desbravadas no Brasil que não utilizamos. Nós usamos um terço das terras que foram desmatadas, o resto está abandonado.”
PAZ
A cerimônia de entrega do prêmio contou com a presença de 700 pessoas e foi transmitida ao vivo pela TV alemã. Sebastião Salgado foi premiado por seu trabalho que promove a justiça e a paz social, além de alertar para a necessidade de preservação da natureza. O cineasta Wim Wenders pronunciou o discurso em homenagem ao fotógrafo brasileiro. Wenders, que é alemão, conhece bem a obra de Salgado. Ele realizou o documentário “O Sal da Terra” sobre o trabalho do brasileiro, em 2014, que foi nomeado ao Oscar.
Em sua fala, Wenders ressaltou três projetos importantes de Salgado: “Trabalhadores, Êxodos e Genesis”. Segundo o cineasta alemão, “estes três trabalhos monumentais mostram as condições essenciais para a paz. Não é possível ter paz sem justiça social, trabalho, dignidade humana e respeito às belezas naturais da Terra”.