A Operação Grand Bazaar, deflagrada pela Polícia Federal na última segunda-feira (21/10), tem o objetivo de investigar a propina ao deputado Sergio Souza (MDB-PR), que foi relator da CPI dos Fundos de Pensão.
Tal propina (um acerto de R$ 9 milhões) seria para que o deputado não convocasse para depor, na CPI, dois implicados no escândalo:
- Wagner Pinheiro, um ex-bancário e ex-assessor da bancada do PT na Assembleia Legislativa de São Paulo, que foi presidente da Petros (fundo de pensão dos trabalhadores da Petrobrás) no governo Lula, e, no governo Dilma, presidente dos Correios.
- Antônio Carlos Conquista, que foi, no governo Lula, chefe de gabinete de Pinheiro na Petros, e, depois, no governo Dilma, quando Pinheiro foi para os Correios, presidente do Postalis, o fundo de pensão dos funcionários dos Correios.
Pinheiro e Conquista, segundo as investigações, atuaram em dupla, tanto na Petros quanto no Postalis; o primeiro deles era próximo do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, hoje ainda preso em Curitiba, assim como do falecido Luiz Gushiken, ambos, também, ex-bancários.
A propina acertada com o deputado Sérgio Souza para que não convocasse os dois, apareceu no depoimento de Lúcio Funaro, um dos operadores de Cunha e outras altas patentes do PMDB.
Por cansaço em relação ao assunto, íamos deixando passar em branco a Operação Grand Bazaar.
Mas a preguiça é péssima conselheira, sobretudo em decisões políticas e editoriais,
O que nos despertou a atenção é que a Grand Bazaar foi decidida pelo ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), que apontou a “existência de relevantes indícios que denotam o recebimento” de uma propina de, pelo menos, R$ 3,5 milhões.
Decisões desse tipo não são comuns ao decano do STF. Tanto assim que, mesmo decidindo pela busca e apreensão, ele negou todos os pedidos de prisão feitos pelo Ministério Público.
Então, não restou a nós outra coisa a fazer do que ler o processo, em especial, o depoimento de Funaro.
Pois o decano do STF tem razão ao decidir pela Operação Grand Bazaar. A possibilidade de que esse depoimento não seja verdadeiro é desprezível, devido aos detalhamentos. Além disso, as provas materiais e outros depoimentos confirmam o que disse Funaro.
Temos, aqui, até uma novidade (ou nem tanto): propina tem valor de mercado, diz Funaro.
Vejamos a primeira parte desse depoimento.
O ROUBO
“[Funaro] participou de três operações no POSTALIS:
“1) colocação de Cédula de Crédito Bancário na CASAN (saneamento e água de Santa Catarina);
“2) venda de DPGE [Depósito a Prazo com Garantia Especial] do Banco BVA;
“3) colocação de debêntures do grupo GPC (Grupo Peixoto de Castro), do Rio de Janeiro;
(…)
“… o valor de colocação das CCBs da Casan foi perto de 100 milhões de reais;
“… as debêntures do GPC foram no valor de 10 milhões de reais;
“… nessas três operações houve pagamento de propina, mas as três performaram, ou seja, estavam dentro dos valores aceitáveis de mercado;
“… nos três casos, de início, o prejuízo do Fundo se deve ao fato de que ele poderia receber pelo mesmo titulo uma rentabilidade maior, no mesmo período;
“… a propina no caso do banco BVA ocorreu através da emissão de notas fiscais frias;
“… nesse caso o depoente pediu para um agente autônomo de investimento emitir uma nota fiscal para o BVA, já que ele, por ser correntista no banco, não poderia emitir;
(…)
“… o percentual da propina foi em torno de 7% do valor líquido da emissão, o que deu 700 mil reais;
“… no caso da CCB da Casan, a propina deve ter sido em torno de 6%;
“… nessa operação, pela diferença de juros, o colaborador auferiu lucro de 6-7 milhões;
“… a operação das debêntures era um título de maior risco (…); a propina foi de 8-9%” (cf. PGR, Termo de Depoimento nº 8 que presta Lúcio Bolonha Funaro, pp. 2-3, todos os grifos são nossos).
Temos, aqui, uma escroqueria, em que vigaristas pagavam propina aos administradores do Postalis, assim como de outros fundos de pensão (“essa operação da Casan teve um pedaço dela que foi parar na Petros”, diz Funaro, em seguida), assaltando os funcionários dos Correios (e da Petrobrás), aposentados e na ativa.
Não nos deteremos em cada questão a seguir, mas essa mixórdia corrupta fornece uma ideia de como eram as coisas:
“… depois que deu problema na Multiner, por pressão do PT o FI-FGTS aumentou a participação do grupo Bolognese, que adquiriu a Multiner;
“[Funaro] operou papéis da Rio Bravo, que envolvia a PRECE, e que a operação era a aquisição de papeis securitizados lastreados em recebíveis de imobiliários;
“… a propina era de 5-6%;
“… na Rio Bravo o depoente falava e tratava da propina com Max e Luciano Lewandovski, principalmente com o último, que era chefe do primeiro;
“… em relação às CDBs do Banco Rural, tratava de propina com José Augusto Dumont e Guilherme Rabelo, do Banco Rural;
“… Jorge Sadala continuou a operar na PRECE a partir de 2007, sendo muito amigo de Sérgio Cabral” (cf. idem, pp. 3-4).
ABAPORU
Agora, chegamos à CPI dos Fundos de Pensão.
“… sobre a CPI dos fundos de pensão, esclarece que um amigo, Arthur Pinheiro Machado, o procurou perguntando se ele tinha condição de fazer com que Wagner Pinheiro e Antônio Conquista não fossem convocados para depor na CPI do fundos de pensão” (N.HP: sobre as atividades desse Arthur Pinheiro Machado e seu papel no assalto aos fundos de pensão, v. HP 15/04/2018, Operação Rizoma prende elo entre a quadrilha do PT e a de Cabral).
Mas, continuando com o depoimento de Funaro:
“… [Funaro] perguntou para [Eduardo] Cunha e este disse que não poderia intervir, já que não havia nomeado nem o presidente (Efraim Moraes) nem o relator (Sérgio Souza) da CPI;
“… Cunha disse para o depoente conversar com Marcos Joaquim Gonçalves, advogado do escritório de advocacia Mattos Filho, para ver se ele teria uma solução, já que ele era amigo de Sérgio [Souza];
“… Marcos voltou com a informação de que tal demanda era possível;
“… [Funaro] comunicou a Arthur;
“… Arthur conversou com Wagner Pinheiro ou com o assessor deste, cujo nome, salvo engano, é Adenilton;
“… Arthur disse que queria resolver o problema;
“… então, foram a Brasília e fizeram reunião na casa de Joaquim;
“… estavam presentes nessa reunião o depoente [Funaro], Arthur Pinheiro, Marcos Joaquim, Sérgio Souza, um assessor de Sérgio Souza (um japonesinho);
“… na reunião foi acertado o valor de 9 milhões de reais a título de propina;
“… o valor foi pago ao depoente por Arthur Machado, que creditou na conta interna que o depoente tinha junto ao doleiro Tony;
“… acredita que isso foi em agosto ou setembro de 2015;
“… a reunião foi numa casa no lago sul, na qual se recorda que havia um quadro que era imitação do Abaporu, de Tarsila do Amaral;
“… foi creditado 9 milhões em sua conta, mantida com o doleiro Tony;
“… repassou parte dos valores ao Deputado Sérgio Souza, em dinheiro, entregues pelo funcionário do depoente de nome José Carlos Batista;
“… lembra que este último estava em São Paulo, hospedado no [hotel] Meliá do Jardim Europa;
“… Tony mandou alguém fazer a entrega dos valores para o advogado Marcos Joaquim, em sua casa, no Lago Sul;
“… no dia marcado para Wagner Pinheiro ir depor na CPI dos Fundos, o seu depoimento acabou sendo desmarcado;
“… foi preso pela Operação Patmos da PF um caderno com anotações do depoente no ano de 2015, no qual consta, através de uma anotação de contabilidade, a sigla ‘MJ’ (referente a Marcos Joaquim) escrita ao lado de vários valores de repasse, e que esses repasses se referem aos pagamentos de propina pagos no caso mencionado”.
Não é difícil perceber por que o decano do STF decidiu tocar para frente a Operação Grand Bazaar.
O ministro determinou o bloqueio de bens, até R$ 3,5 milhões, além de Wagner Pinheiro e Antônio Carlos Conquista , também do lobista Milton de Oliveira Lyra Filho; do advogado Marcos Joaquim Gonçalves Alves; de Arthur Pinheiro Machado; e de Marcos Vitório Stamm, que foi diretor-financeiro e diretor-geral de Itaipu no governo Temer, e, hoje, trabalha no gabinete de Sérgio Souza como secretário parlamentar.
Na decisão, ressalta o ministro Celso de Mello que “o procedimento ora em análise apresenta subsídios materiais cujo conteúdo expõe indícios da prática do crime de lavagem de capitais, mediante a utilização de requintada engenharia financeira, que teria envolvido, ‘inter alia’, operações de ‘dólar-cabo’, empresas de fachada sediadas no exterior e a emissão de notas fiscais fictícias, tudo em ordem a dar aparência de licitude ao dinheiro a ser supostamente entregue ao congressista ora requerido, tal como destacou, na peça de fls. 03/89, a ilustre autoridade policial federal”.
C.L.
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