
Nos 10 primeiros meses de governo Bolsonaro 17.892 bolsas de estudo foram cortadas, segundo levantamento da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Para a entidade, “isto é o resultado do orçamento insuficiente ou dos congelamentos de verbas que atingiram os programas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)”.
Na manhã da segunda-feira (28) foi realizada, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), audiência pública para discutir a situação das bolsas de pesquisa frente aos cortes no orçamento. A atividade, convocada pelo mandato do deputado federal Orlando Silva (PCdoB), contou com a participação do presidente da SBPC, o professor Ildeu Castro; o pró-reitor de pós-graduação da PUC-SP, professor Odair Furtado; o assessor da Pró-reitoria de pós-graduação da Universidade de São Paulo (USP), professor Niels Câmara; e com a presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Flávia Calé.
Segundo a SBPC, nos primeiros dez meses do ano, o CNPq suspendeu e/ou bloqueou um total de 10.072 bolsas e a Capes teve 13.185 bolsas bloqueadas. No mesmo período, entretanto, as duas agências recuperaram parte dos recursos cortados, seja através de recomposição pelo Executivo, a partir de rubricas no fluxo de pagamento, seja por créditos suplementares aprovados no Congresso. Dessa forma, o CNPq recuperou 230 bolsas, fechando outubro com um saldo de 9.842 bolsas bloqueadas. A Capes recuperou pouco mais de 5.085 bolsas, fechando os primeiros dez meses com um saldo de 8.050 bolsas a menos.
O CNPq necessitava de R$ 330 milhões adicionais para completar o pagamento das bolsas até o final do ano. Na semana passada, o Congresso aprovou um projeto de lei da Casa (PLN 41/2019) que libera um crédito suplementar de R$ 93 milhões para o CNPq. Os recursos correspondem ao dinheiro recuperado pela Lava Jato, o que indica o cumprimento parcial do acordo, pois a expectativa era adicionar R$ 250 milhões, resolvendo plenamente o déficit do CNPq. Com esse PLN, no entanto, resolve-se apenas o pagamento no próximo mês (outubro); o MCTIC havia remanejado recursos para pagar o mês de setembro. Há a promessa do Ministério da Economia de liberar os recursos ainda faltantes, da ordem de R$ 157 milhões.
“A CAPES e o CNPq corresponde a cerca de 80% das bolsas de pesquisa no Brasil. O corte de 20% no orçamento representa muito mais que o corte de 20% das bolsas ofertadas no país. São homens e mulheres que dedicam suas vidas, dedicam parte grande de sua história a pesquisar terminados temas que têm relevância para o desenvolvimento econômico do país”, condenou o deputado Orlando Silva, em sua intervenção.
“A busca de uma saída para a crise que está instalada no nosso sistema de ciência e tecnologia é também um alerta diante de uma situação inusitada: o mundo inteiro discute a chamada 4ª revolução tecno-científica em que há uma série de processos que impactam no processo de produção da economia capitalista. É nessa caminhada de reestruturação da economia capitalista que o Brasil corre o risco de ficar passos atrás. Países com o mesmo nível de desenvolvimento sócio-econômico que o do nosso país, passam a ter mais vantagens devido a uma maior concentração do investimento na área de ciência e tecnologia”, continuou o deputado.
O parlamentar criticou ainda a redução do orçamento para pesquisa na Lei Orçamentária de 2020. “Imaginar que o orçamento estipulado para 2020 pode chegar ao patamar de 2010 é revelador da gravidade que Brasil atravessa”.
PESQUISA
O presidente da SBPC, Ildeu Castro, destacou que o Brasil possui um número muito inferior de pesquisadores em comparação aos outros países. “Às vezes se fala que o Brasil tem doutor demais, o que é uma grande bobagem, é só fazer qualquer comparação internacional. Enquanto estamos atingindo 200 mil pesquisadores qualificados no país, Israel tem 10 vezes mais pesquisadores por número de habitantes que o Brasil. A China já ultrapassou o número de pesquisadores por habitantes do Brasil, com 1,2 milhão de pesquisadores de alta qualificação e que superou também os EUA. Pelas projeções até 2025 a China irá superar também em nível de produção científica”, disse o professor Ildeu.
“Em 1990, o Brasil tinha o mesmo PIB que a China, o mesmo que a Coréia, e naquele momento investia mais em ciência e tecnologia. De lá pra cá, o PIB da China disparou e eles tiveram um projeto continuado de investimento em educação, ciência e tecnologia, na produção industrial, nas políticas de inovação o que fez uma diferença brutal.”
O professor Ildeu defende ainda que o país possui orçamento para garantir as bolsas, porém, este é desviado para finalidades secundárias. A discussão para o ano que vem estão ainda mais críticas, para o ano que vem “a CAPES perde metade do seu orçamento e vai começar o ano com 2,2 bilhões, esse ano começou com 4,2 bilhões e durante o ano foram contingenciados 20% orçamento”, explicou.
DESMONTE
“A universidade brasileira está sofrendo um impacto fortíssimo de uma política que se instala a partir de 2017 e, nesse ano, ela passe a se efetiva de maneira bem preocupante e trágica. Desde 1969, 1970, a universidade tem sido privatizada no Brasil, em torno de 98% da ensino é privado, enquanto 8% deste sistema é estatal. Na pós-graduação e a pesquisa tem o sinal invertido, quem investe decididamente é o Estado através de suas universidades federais e estaduais, principalmente no sudeste brasileiro mais particularmente na USP, UNICAMP, UNESP e UERJ.”, disse o professor Odair Furtado.
“A USP sozinha detém 30% da pesquisa nacional, quando se junta com a UNESP esse número cresce bastante, demonstrando a importância do investimento estatal na produção de pesquisa. Diria que algo em torno de 15% está no setor comunitário, como é o caso da PUC, e uma parcela quase que inexistente nas universidades privadas.”
Segundo o Professor Niels Câmara “a USP hoje tem 268 programas de pós-graduação, com cerca de 26 mil alunos de mestrado e doutorado. Desses 26 mil aluno, apenas 50% deles recebem bolsas. Dessas 13 mil bolsas 50% vem da CAPES, 25% da FAPESP e 25% da CNPq. Então temos uma parcela grande de alunos que se comprometem a fazer pesquisa em todas as áreas do conhecimento sem nenhum financiamento. A USP completa esse ano 50 anos da pós-graduação, desde que passou a ter fisicamente uma pró-reitoria deve atingir 850 mil títulos, nesse final de ano e começo do próximo ano.”.
“Isso demonstra a importância desse financiamento […] não tem como falar do submarino nuclear brasileiro, ou quando estamos falando sobre o zika vírus e novas formas de terapia, ou mesmo do novo tratamento do linfoma desenvolvido em Ribeirão Preto, sem falar que aquilo nasceu dentro de uma universidade. Essa é uma política que pensamos ser papel do Estado”, destacou o professor.
DESESTRUTURAÇÃO
Flávia Calé, presidente da ANPG, explica que “a CAPES é a principal agência de financiamento da pós-graduação, que tem por objetivo o financiamento dos novos pesquisadores em formação. O CNPq e a FINEP [Financiadora de Estudos e Projetos] é mais abrangente e financia a pesquisa no país, se têm até bolsa do CNPq, mas se financia a linha de pesquisa.”
“As bolsas da PUC e USP, por exemplo, estão presentes desde a década de 1960, e o que temos hoje é a ameaça de desestruturação desse sistema com a proposta de fusão da CAPES e do CNPq e extinção da FINEP que opera o Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia (FNDCT) que o Paulo Guedes quer colocar no BNDES, desvincular todas as receitas que fazem com que o Fundo tenha condições de financiar a pesquisa e torná-lo um Fundo privado”, disse.
“A pesquisa no Brasil precisa estar presente como o futebol que está presente na praia, nas praças, nas favelas, etc. Joga-se bola. É por isso que somos o país do futebol com tantos talentos. A pesquisa precisa estar presente igual o futebol, o sistema precisa ser grande para que dessa quantidade a gente possa extrair a qualidade”, defendeu Flávia.
RODRIGO LUCAS