Ex-aliados, agora em campos opostos, Bolsonaro e Witzel estão em guerra aberta no caso do assassinato da vereadora Marielle Franco
A polêmica sobre quem autorizou a entrada de um dos assassinos de Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, no condomínio Vivendas da Barra, onde reside Jair Bolsonaro e seu filho Carlos Bolsonaro, continua. Às 17h13 do dia 14 de março de 2018, dia do assassinato da vereadora, Élcio Queiroz, que está preso, chegou na portaria do condomínio com seu Logan, placa AGH 8202 e, segundo dois depoimentos do porteiro à Polícia Civil do Rio, teria pedido para ir à casa 58, imóvel que pertence a Jair Bolsonaro.
Segundo o relato do porteiro, ele ligou para a casa 58 e uma pessoa que, segundo ele, seria “Seu Jair”, autorizou a entrada. Em seguida, segundo ainda o mesmo porteiro, como o carro se dirigiu à casa 65, de Ronnie Lessa, ele interfonou novamente para a casa 58 e a mesma pessoa que, segundo ele, seria o “Seu Jair”, disse que sabia para onde o Élcio estava indo.
O Jornal Nacional, da TV Globo, afirmou, em sua edição de terça-feira (29), que teve acesso ao livro de ocorrência do condomínio onde está registrada a ligação para a casa 58, de Bolsonaro. A reportagem gerou uma reação destemperada e paranoica por parte de Bolsonaro. De Riadi, na Arábia Saudita, onde se encontrava, ele agrediu violentamente a emissora, ameaçou suspender a concessão pública e acusou o governador do Rio, Wilson Witzel, de armar contra ele para prejudicá-lo. A Globo, já na reportagem havia registrado que neste dia, o então deputado Jair Bolsonaro encontrava-se em Brasília.
Na manhã desta quarta-feira (30), Carlos Bolsonaro divulgou um vídeo do sistema de controle de entrada, feito da portaria do condomínio, onde ele mostra que naquela data e horário o porteiro falou sobre a entrada de Élcio Queiroz com o seu comparsa, Ronnie Lessa, vizinho de Bolsonaro e não com alguém na casa do pai.
Não há no sistema apresentado o registro de comunicação do porteiro com a casa 58, de Jair Bolsonaro.
Apesar disso, o porteiro afirmou, nos dois depoimentos à Polícia Civil, que falou na casa 58 sobre a entrada de Élcio Queiroz, e o registro manual confirma a comunicação com a casa 58. O sistema eletrônico não bate com o depoimento do porteiro.
Em entrevista coletiva nesta quarta, a promotora Simone Sibílio, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPRJ, disse que Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz negaram, em depoimento, ter se encontrado na data do crime.
As provas, no entanto, desmentem ambos, segundo ela. Na entrevista coletiva, ao lado de outras duas promotoras, Simone Sibílio disse que o áudio obtido na investigação “comprova que no dia do crime, por volta das 17h07, Élcio entra no condomínio de Ronnie Lessa e pede autorização para entrar”.
“A pessoa que está na cabine [porteiro] liga para casa 65, e isso está comprovado pelas gravações. E a pessoa que atende na casa 65 é Ronnie Lessa. Com base na pessoa que atende, precisava comprovar: essa voz é de quem? O Ministério Público, com base na voz de Lessa obtida no depoimento, fez um confronto com a voz da cabine – e o confronto deu positivo”, informou.
“Portanto há prova pericial de que quem atende e quem autoriza a entrada de Élcio de Queiroz é Ronnie Lessa”, acrescentou a promotora.
Segundo ela, o livro manuscrito de ocorrências da portaria do condomínio indicou, de fato, que Élcio entrou no local dando como destino a casa de Bolsonaro. Ela confirmou que o porteiro deu dois depoimentos neste sentido. No entanto, as alegações do porteiro não condizem com a realidade, disseram as promotoras. Questionada sobre a possibilidade de o áudio ter sido alterado, ela respondeu:
“A gravação toda foi periciada. E o laudo comprova que não há indícios de fraude, de adulteração”. “Por que o porteiro deu esse depoimento, se ele se equivocou, se ele se esqueceu, se ele mentiu… Enfim, qualquer coisa pode ter acontecido. Então, ele pode esclarecer novamente. Simples assim”, explicou.
Imediatamente após a revelação de que o depoimento do porteiro não era compatível com as provas, Bolsonaro iniciou uma série de ataques ao governador do Rio de Janeiro, acusando-o de ter armado com a Policia Civil uma fraude para atingi-lo politicamente.
“No meu entendimento, o senhor Witzel estava conduzindo o processo com o delegado da Polícia Civil pra tentar me incriminar ou pelo menos manchar o meu nome com essa falsa acusação, que eu poderia estar envolvido na morte da senhora Marielle”, afirmou Bolsonaro.
O governador rebateu a acusação dizendo que “a Polícia Civil, no meu governo, tem independência, o MP tem e sempre terá independência e, infelizmente, eu recebi com muita tristeza essas levianas acusações”, disse Witzel.
As ligações de Ronnie Lessa, acusado de ter feito os disparos que mataram a vereadora, e de outros milicianos com a família Bolsonaro já são antigas. O filho mais novo de Jair Bolsonaro, Jair Renan, namorou a filha do assassino de Marielle.
O chefe de Ronnie Lessa no “Escritório do Crime”, uma espécie de central de assassinatos por encomenda da milicia do Rio de Janeiro, o ex-policial Adriano Nóbrega era íntimo de Fabrício Queiroz, assessor de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio.
A mãe e a mulher de Adriano, que hoje encontra-se foragido, trabalhavam no gabinete de Flávio Bolsonaro. O filho de Bolsonaro, então deputado estadual, fez duas homenagens ao miliciano Adriano Nóbrega. Numa delas Flávio entregou ao assassino profissional e chefe de Lessa, a Medalha Tiradentes, maior honraria do estado do Rio de Janeiro.
Até que se ouça novamente o porteiro do condomínio de luxo da Barra da Tijuca, onde residem lado a lado, tanto Jair Bolsonaro, quanto o assassino de Marielle Franco, Ronnie Lessa, segue pairando uma dúvida do que teria levado ao imbróglio sobre quem efetivamente autorizou a entrada do comparsa de Lessa no dia do crime.
Os depoimentos e o livro manual dizem que alguém falou da casa de Bolsonaro autorizando a entrada de Élcio Queiroz, motorista do carro que participou da fuzilaria contra Marielle. A gravação das comunicações apontam em outra direção, a de que foi Ronnie Lessa quem autorizou a entrada do comparsa.
Tanta proximidade entre Lessa e a família Bolsonaro podem ter provocado a confusão. É esperar o novo depoimento do porteiro para ver.