Com um atraso inexplicável de vários meses, a polícia do Rio apreendeu na manhã de quinta-feira (07) o sistema de mídia da portaria do condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, onde morava o sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa, autor dos disparos que tiraram a vida da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista.
No mesmo condomínio também mora o presidente Jair Bolsonaro, citado pelo porteiro como tendo autorizado a entrada de um comparsa de Lessa.
O próprio Jair Bolsonaro informou na semana passada que tinha retirado o sistema de controle de entradas do condomínio para, segundo ele, “evitar que fosse fraudado”.
Essa atitude do chefe do executivo do país levou parlamentares da oposição, entre eles o senador Randolfe Rodrigues (Rede) e Alessandro Molon (PSB), a questionarem a medida junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e à Procuradoria Geral da República (PGR) sob a causação de representar obstrução à Justiça.
Um dos porteiros do condomínio, Alberto Jorge Ferreira Mateu, que estava trabalhando no dia dia 14 de março de 2018, dia assassinato da vereadora, disse à Polícia Civil que liberou a entrada do ex-policial militar Élcio de Queiroz, atualmente preso, no Vivendas após ter ligado para a casa 58, que pertence a Jair Bolsonaro, e ter sido autorizado a liberar o visitante.
Como Élcio Queiroz se dirigiu à residência 65, que pertence a Ronnie Lessa, Alberto Jorge disse no depoimento que teria ligado novamente para a casa 58 e que recebeu a reposta de que a pessoa sabia para onde Élcio estava se dirigindo. Neste dia, Jair Bolsonaro, deputado à época, estava em Brasília.
O Ministério Público do Rio afirmou, em entrevista coletiva, um dia após uma reportagem da TV Globo sobre os depoimentos do porteiro à polícia, que havia sido feita uma perícia no sistema de comunicação do condomínio comprovando que a comunicação do porteiro tinha sido feita com a casa 65, de Ronnie Lessa, e não com a casa 58 de Bolsonaro.
Depois soube-se que a perícia tinha sido feita em pouco mais de 2 horas e no mesmo dia da entrevista. Peritos da Secretaria de Segurança Pública do Rio afirmaram que não foram chamados para fazer o procedimento e que o áudio analisado tinha sido apenas o da casa de Lessa. Disseram que a a perícia devia ser feita no equipamento.
Hoje se sabe também que a voz analisada pelo Ministério Público não é a de Alberto Jorge Ferreira Mateu, que estava trabalhando na portaria do condomínio no dia do assassinato. Havia outro porteiro no local. A afirmação da promotora Simone Sibilio, de que o porteiro havia “mentido à polícia” em seu depoimento, passa a ser bastante questionável, após o surgimento de todas essas informações.
Por isso, a Polícia decidiu, com o atraso citado, realizar a apreensão dos equipamentos do condomínio. A intenção é avaliar se alguma chamada foi retirada ou apagada do sistema. Em seu depoimento, o porteiro confirmou que anotou na planilha manuel a chamada para a casa 58. A polícia está em poder, tanto desta planilha quanto da gravação da voz do porteiro, já que o depoimento foi filmado.
Dois episódios estão preocupando Alberto Jorge Ferreira e seus familiares. A pedido do Ministério Público Federal (MPF), a Polícia Federal (PF) instaurou na quarta-feira um inquérito para apurar se ele cometeu crime ao mencionar o nome do presidente Bolsonaro em dois depoimentos sobre o caso Marielle. A abertura do inquérito havia sido requisitada na semana passada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.
A PGR atendeu Moro e quer que a PF investigue se o profissional cometeu os crimes de obstrução à Justiça, falso testemunho e denunciação caluniosa. Também há um pedido para que seja averiguada a possibilidade de o porteiro ter infringido o artigo 26 da Lei de Segurança Nacional. A legislação prevê de 1 a 4 anos de prisão para quem calunia ou difama autoridades, como o presidente, imputando a elas fatos criminosos ou ofensivos à reputação.
Outra ameaça ao porteiro é que ele foi localizado pela revista Veja que divulgou que ele reside numa região dominada por milícia. Por coincidência uma região controlada exatamente pelo bando de Ronnie Lessa. Na tentativa de entrevista, o porteiro se mostrou apreensivo e não quis dizer nada. Lessa é frio em seus assassinatos e chegou a treinar tiros sentado por ter perdido uma perna.
Além de miliciano, Ronnie Lessa integra o Escritório do Crime, espécie de central de assassinatos das milícias, chefiado pelo também ex-policial e miliciano, Adriano Nóbrega, que está foragido e tinha sua mãe e sua mulher empregadas no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, quando este era deputado estadual.
SÉRGIO CRUZ
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