CARLOS LOPES
(HP, 02/06/2017)
Todos os ladrões do país que apareceram – recebendo propina – nos relatos dos donos e funcionários da JBS, descobriram agora que esta era um covil, um valhacouto de terríveis bandidos, que foram “premiados” e privilegiados pelo procurador Rodrigo Janot, ao aceitar suas declarações em troca de alívio nas penas, e pelo ministro Edson Fachin, do STF, que homologou as delações.
Independente da opinião que se possa ter sobre as colaborações premiadas – instituídas por uma lei sancionada e incensada por Dilma Rousseff – as descobertas tardias desses ladrões são tão cínicas, tão desrespeitadoras da inteligência alheia, que apenas podem causar náusea, ou pior, em alguém decente.
Temer se disse “traído” por Joesley Batista e queixou-se de que este “não passou nem um dia na cadeia, não foi julgado, não foi preso”.
O peculiar, evidentemente, é que enquanto recebia dinheiro da JBS – em troca de conseguir mais dinheiro para ela – Temer não achava que Joesley Batista devia ir para a cadeia. Inclusive, já como presidente da República, Temer agiu para que o BNDES aprovasse um novo pedido de dinheiro da JBS (cf. PGR, Inquérito n° 84781/2017 e Termo de Depoimento nº 2 de Joesley Batista – 07/04/2017).
Mas a opinião de Temer mudou, desde que é ele quem está em vias de ser julgado, com a perspectiva de ir para a cadeia.
Lula, no último dia 25, declarou que Batista “é um bandido”. No entanto, foi a esse bandido que seu governo concedeu um tsunami de dinheiro do BNDES (e outras fontes de que o PT, por estar no governo, tinha controle, como os fundos de pensão da Caixa Econômica – FUNCEF – e da Petrobrás – PETROS), para que a JBS triturasse seus concorrentes e se expandisse por outros países e setores.
De resto, o que Lula está dizendo é que a campanha de Dilma Rousseff, e a do PT, foi bancada por bandidos – ou, mais exatamente, por propinas passadas por bandidos.
O que, aliás, é verdade.
Embora, também é verdade em relação às campanhas do PMDB e do PSDB.
Portanto, Joesley Batista não é o único bandido nessa história.
CARTEIRA
A JBS é a maior devedora da Previdência Social do país. Como divulgou a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, em fevereiro, a dívida de R$ 1.837.489.343 (um bilhão, 837 milhões, 489 mil e 343 reais) só é superada por uma empresa que não existe mais, devido à sua falência – a Varig.
Enquanto distribuía propinas e abocanhava (não conseguimos palavra mais adequada) bilhões e bilhões do BNDES, do FUNCEF e do PETROS, ao mesmo tempo, a JBS caloteava os trabalhadores – a Previdência pública, responsável por suas aposentadorias e pensões – e o governo se omitia.
Esta não é a única aberração desse caso. Provavelmente, nem é a maior.
Na transformação da JBS no monstrengo atual, Joesley e Wesley Batista – e Henrique Meirelles, a partir de 2012, presidente da holding do grupo, a J&F, e do banco, o Original – nem ao menos tiveram que se preocupar em pagar a maior parte do que o BNDES colocou na empresa.
Essa maior parte fluiu milagrosamente (até onde a propina faz milagres) para os cofres da JBS através de “investimentos” em ações, ou em debêntures conversíveis em ações, da BNDES Participações (BNDESPAR) – e não por empréstimos.
Para os donos da JBS, o dinheiro, na prática, era de graça. O retorno que o BNDES obteve em dividendos – esta é a alegação para justificar esses “investimentos” – não retira o caráter gratuito dessa injeção de dinheiro, no momento em que se deu.
Nada menos que 63% dos recursos concedidos pelo BNDES à JBS – sem contar o que foi injetado em subsidiárias – foram nessa condição espetacular.
Há muitos anos, Bernard Shaw falou em um “socialismo para milionários”; pois o PT e o sr. Luciano Coutinho, então presidente do BNDES, conseguiram inventar a caridade para bilionários – é verdade que sempre à custa de obesas propinas.
Esse era o sensacional “mercado de capitais” do sr. Mantega – e de sua presidenta, Dilma Rousseff. Um “mercado de capitais” movido à propina para roubar dinheiro do Tesouro, do Fundo de Amparo aos Trabalhadores (FAT), que são as duas principais fontes do dinheiro do BNDES, e dos fundos de pensão das estatais (no caso da JBS, sobretudo FUNCEF e PETROS).
A partir de 2007, a JBS tornou-se uma “empresa coligada” do BNDES, através da BNDESPAR. Empresas “coligadas” são aquelas de que a BNDESPAR é sócia – não apenas possuindo ações, mas, supostamente, tendo “influência” em sua administração.
Que os irmãos Batista (e, depois, Meirelles) se lixassem para a “influência” do BNDES – ou que essa “influência” existisse apenas para sustentá-los com o dinheiro da coletividade – não era um problema para Mantega, Lula, Dilma, Temer, e, claro, para o sr. Luciano Coutinho, então presidente do BNDES, que foi o mentor e feitor dessa estratégia de ladrões.
Para se ter uma ideia do caráter dessas operações, em 2014 nada menos que 87% dos recursos da BNDESPAR em empresas “coligadas” estavam em apenas quatro empresas: uma estrangeira (a AES, através da Brasiliana), uma estatal (a Copel), a Fibria Celulose (do Grupo Votorantim) e a JBS – que levou a maior parte. Em 2016, essa concentração em quatro empresas subiu para 87,7% (cf. BNDESPAR, “Informe Contábil 2014”, p. 3 e “Informe Contábil 2016”, p. 3).
Como diz um trabalho interessante: “essa carteira [de empresas coligadas] contém apenas quatro empresas, sendo concentrada na JBS (52,3% da carteira) e Fibria (35,2%)” (cf. Claudia Bruschi e Sergio G. Lazzarini, “Análise do retorno dos investimentos do BNDESPAR por meio de variações nos preços das ações investidas”, Insper, agosto/2015).
O RALO
O faturamento do grupo de Joesley Batista aumentou 3.624,83% entre 2006 e 2016 (passou de R$ 4.749.051.000 para R$ 176.894.223.000, faturamento maior que todas as empresas brasileiras ou instaladas no Brasil em 2016, com uma única exceção: a Petrobrás).
O aumento do lucro líquido da JBS (incluindo subsidiárias) foi de +2.821% (de R$ 158.878.000, em 2006, para R$ 4.640.100.000) até 2015.
Em 2006, a BNDESPAR não tinha nem uma ação da JBS – ou debênture, título de dívida que pode ser convertido em ações (cf. BNDESPAR, “Demonstrações Contábeis”, 31/12/2006).
Em 2007, a BNDESPAR adquiriu 12,95% das ações da JBS, por R$ 1.137.006.000 (um bilhão, 137 milhões e 6 mil reais).
A partir daí a participação do BNDES no capital da JBS avançou do seguinte modo:
2008: 13,00%;
2009: 18,81%;
2010: 17,54%;
2011: 31,41%;
2012: 20,53%;
2013: 23,59%;
2014: 25,01%;
2015: 20,49%;
2016: 21,40%.
O BNDES, portanto, chegou a bancar quase 1/3 do valor patrimonial da JBS, para que Joesley & cia. estabelecessem um monopólio da carne – e se espraiassem por outros setores, desde as sandálias havaianas aos perfumes algo mais agradáveis.
Isso, à custa de deformar inteiramente a carteira de “coligadas” da BNDESPAR.
Em 2007, as ações da JBS eram 9,84% do total de ações de empresas “coligadas” em poder da BNDESPAR. No ano seguinte, as ações da JBS pertencentes à BNDESPAR eram 8,40% do total de ações da sua carteira de “coligadas”.
Depois disso, as ações da JBS – que, afinal de contas, era um mero frigorífico, sem nenhuma importância estratégica para o desenvolvimento do país – chegaram a mais da metade da carteira de ações de “coligadas” do BNDES. Mesmo se usarmos o critério da própria BNDESPAR para calcular esse percentual, a parcela de ações da JBS na carteira de “coligadas” sobe mais que o famoso Sputinik:
2009: 29,18%;
2010: 29,94%;
2011: 38,60%;
2012: 28,99%;
2013: 31,98%;
2014: 35,01%;
2015: 40,74%;
2016: 38,98%.
Como o dinheiro não é infinito, essa injeção de recursos do BNDES na JBS se deu à custa de outras empresas – inclusive muitas que eram imensamente mais importantes para o crescimento do Brasil.
RESULTADOS
O que se fez foi engendrar um monopólio privado com dinheiro do povo, esmagando as outras empresas do setor, com a monopolização da compra de gado e da venda de carne, rebaixando o preço do primeiro e aumentando o preço da segunda.
Essa doação de dinheiro era considerada maluquice até por aqueles a quem os burocratas do PT costumam se prosternar: o chamado “mercado”.
Quem o diz é o próprio BNDES:
“… o BNDES apoiou a internacionalização da empresa (que se tornou maior empresa de proteína animal do mundo) e exigiu (como obrigação contratual) melhorias das práticas socioambientais e de governança da cadeia produtiva. (…) a internacionalização, pelo montante de recursos e prazo de maturidade dos investimentos, era vista como muito arriscada pelo mercado. O apoio do BNDES à empresa envolveu três aportes entre 2007 e 2009, totalizando R$ 5,64 bilhões, que permitiram uma estratégia de internacionalização e diversificação da empresa em um contexto de crise no qual muitos frigoríficos entraram em recuperação judicial no Brasil e no mundo” (cf. BNDES, “Relatório de Efetividade 2007-2014: a contribuição do BNDES para o desenvolvimento nacional”, 2ª ed., 2015, p. 120).
Ou, como nota um autor:
“O investimento na JBS é possivelmente o mais criticado dos investimentos realizados pelo BNDES. A empresa, que até então era mais uma no pulverizado setor de frigoríficos, recebeu três aportes do BNDES entre 2007 e 2009 no valor total de 5,64 bilhões de reais, além de empréstimos que, entre 2007 e 2010, somaram 6,3 bilhões. Desde então, a instituição ajudou à empresa a se expandir e realizar aquisições de concorrentes na Argentina e nos EUA. Como prova do impacto do investimento do BNDES, em 2014 a JBS fechou o ano como a companhia privada de maior faturamento e a quarta maior exportadora no Brasil. (…) O próprio BNDES, porém, reconhece que o setor de frigoríficos é de baixo grau tecnológico e, por isso, nenhum impacto sobre investimento em pesquisa e desenvolvimento foi observado na empresa. Como forma de exemplificar externalidades que justifiquem, então, o apoio à empresa, a instituição avalia que a atuação na JBS colaborou para uma redução nos abates clandestinos de 30% dos abates totais em 2007 para 9% em 2014. Não houve menção, no entanto às possíveis perdas em função da elevadíssima concentração gerada no setor” (Guido Maia da Cunha, “O BNDES e sua nova política de atuação a partir de 2007”, PUC-RJ, junho/2015, p. 29).
Porém, segundo o Relatório de Efetividade que o sr. Coutinho publicou em 2015, o resultado da JBS mostra “a visão de longo prazo e a disposição a riscos do BNDES como investidor” (p. 120).
Agora sabemos que esse resultado mostra, sobretudo, o efeito de uma boa propina.
Com R$ 5,64 bilhões de graça em três anos para esmagar quem não recebeu o mesmo dinheiro (ou nem perto disso, quando recebeu algum) – e exigindo em troca “melhorias das práticas socioambientais e de governança da cadeia produtiva” (como se sabe, foi uma tremenda “governança”) – o resultado somente poderia ser um abre-te sésamo, com uma vantagem: na história original havia 40 ladrões e mais o Ali Babá. Na JBS, os ladrões eram muito menos – para muito mais dinheiro roubado. Porém, é verdade que esses eram os larápios “ativos”. Os “passivos” (os que recebiam propina) eram bem mais.
Portanto, seria engraçada – se não fosse o sofrimento humano que essa frase escamoteia – a conclusão do Relatório de Efetividade do BNDES de que “houve expressivo crescimento do faturamento após o apoio da BNDESPAR, bastante superior ao crescimento médio registrado em seus setores e ao próprio crescimento da empresa antes do apoio” (cf. p. 121).
Assim, subornando desde o ministro da Fazenda de Lula e Dilma – e, através dele, os próprios Lula e Dilma – até o deputado Zé dos Anzóis Carapuça, eterno membro da base governista, a JBS conseguiu inchar às custas dos recursos da população, sem ter que pagar por boa parte desses recursos nem ao menos os juros subsidiados do BNDES.
O RETRATO
O resto está nos depoimentos de Joesley Batista ao Ministério Público. Portanto, encerramos com alguns trechos extraídos desses depoimentos:
“… o montante de propina paga nos últimos anos foi em torno de R$ 400 milhões oficiais e R$ 100 milhões por fora, via nota fiscal fria ou outros; desse valor, em torno de R$ 400 milhões foram de propina e R$ 100 milhões de doações lícitas” (cf. Termo de Depoimento nº 1 de Joesley Batista, 07/04/2017).
“… apresentado, em meados de 2004, a Victor Garcia Sandri, conhecido como Vic, empresário e amigo íntimo de Guido Mantega, então ministro do Planejamento, Vic se ofereceu para conseguir facilidades com Guido Mantega, cobrando 50 mil mensais para tanto e afirmando que o dinheiro seria dividido com o Ministro;
“… quando Guido Mantega se tornou presidente do BNDES, o depoente conseguiu, por intermédio de Vic, no início de 2005, marcar reunião, no BNDES, com o próprio Guido e toda a diretoria do Banco;
“… depois da reunião, a JBS apresentou ao BNDES, em junho e agosto de 2005, duas cartas-consulta que, juntas, pleiteavam financiamento no valor de 80 milhões de dólares;
“… Vic solicitou, para si e para Guido Mantega, pagamento de 4% do valor do financiamento; o depoente prometeu realizar o pagamento;
“… a operação foi aprovada com grande rapidez;
“… pagou, então, a vantagem prometida a Vic por meio de conta de offshore, controlada pelo depoente, para conta no exterior indicada por Vic;
“… mesmo depois de 2006, quando Guido Mantega se tornou Ministro da Fazenda, foram fechadas duas operações entre a JBS e o BNDES com intermediação de Vic;
“… a primeira operação foi realizada em junho de 2007 e consistiu na aquisição, pelo BNDES, de 12,94% do capital social da JBS, por 580 milhões de dólares;
“… a segunda operação foi realizada no primeiro semestre de 2008 e consistiu na aquisição, pelo BNDES, de 12,99% do capital da JBS, por 500 milhões de dólares, em operação conjunta com FUNCEF e PETROS;
“… ao longo desse período, percebeu, em seus contatos diretos com Guido Mantega, que a intermediação de Vic era real; Vic efetivamente conseguiu marcar mais de dez reuniões do depoente com Guido Mantega, que, quando encontrava o depoente, estava informado dos assuntos que o depoente indicava a Vic que queria discutir com Guido;
“… no final de 2005, Vic pediu que o depoente custeasse cesta de Natal no valor de 17 mil reais para Guido Mantega; em encontro com o depoente pouco tempo depois, Guido agradeceu a cesta;
“… ao chegar o ano de 2009, o depoente entendeu já ter proximidade suficiente com Guido Mantega para prescindir da intermediação de Vic; então conseguiu marcar reunião diretamente com Guido Mantega, tendo explicado que, por motivos pessoais, preferia não mais utilizar a intermediação de Vic;
“… na mesma reunião, se recorda de ter perguntado a Guido Mantega como deveria acertar o valor da propina, ao que Guido Mantega teria respondido: ‘fica com você; confio em você’; em seguida o depoente indagou qual seria o percentual, ressaltando que, quando as tratativas eram realizadas por intermédio de Vic, era combinado um ‘valor certo’, ao que Guido Mantega respondeu que deveriam ver ‘caso a caso’;
“… o depoente entendeu que deveria discutir valores de propina por cada negócio em que Guido Mantega interviesse em seu favor; àquela altura, o depoente entendia que estava pagando propina para o próprio Guido Mantega;
“… esse formato foi aplicado a duas operações realizadas no âmbito do BNDES;
“… a primeira foi a aquisição, em dezembro de 2009, pelo BNDES, de debêntures da JBS, convertidas em ações, no valor de 2 bilhões de dólares;
“… nesse negócio, Guido Mantega interveio junto a Luciano Coutinho, inclusive em reuniões a que o depoente estava presente, para que o negócio saísse;
“… o depoente escriturou em favor de Guido Mantega, por conta desse negócio, crédito de 50 milhões de dólares e abriu conta no exterior, em nome de offshore que controlava, na qual depositou o valor;
“… em reunião com Guido Mantega, ocorrida no final de 2010, este pediu ao depoente que abrisse uma nova conta, que se destinaria à Dilma;
“… o depoente perguntou se a conta já existente não seria suficiente para os depósitos dos valores a serem provisionados, ao que Guido respondeu que esta era de Lula, fato que só então passou a ser do conhecimento do depoente;
“… o depoente indagou se Lula e Dilma sabiam do esquema, e Guido confirmou que sim;
“… o negócio subsequente foi o financiamento de 2 bilhões de reais, em maio de 2011, para a construção da planta de celulose da Eldorado;
“… também nesse negócio, Guido Mantega interveio junto a Luciano Coutinho para que o negócio saísse;
“… o depoente depositou, a pedido de Guido Mantega, por conta desse negócio, crédito de 30 milhões de dólares em nova conta no exterior;
“… o depoente, nesse momento, já sabia que esse valor se destinava a Dilma;
“… os saldos das contas vinculadas a Lula e Dilma eram formados pelos ajustes sucessivos de propina do esquema BNDES e do esquema-gêmeo dos fundos PETROS e FUNCEF;
“… esses saldos somavam, em 2014, cerca de 150 milhões de dólares;
“… a partir de julho de 2014, Guido Mantega passou a chamar o depoente quase semanalmente ao Ministério da Fazenda, em Brasília, ou na sede do Banco do Brasil em São Paulo, para reuniões, nas quais lhe apresentou múltiplas listas de políticos e partidos políticos que deveriam receber doações de campanha a partir dos saldos das contas;
“… a primeira lista foi apresentada em 04/07/2014 por Guido, no gabinete do ministro da Fazenda no 15º andar do Banco do Brasil em São Paulo, e se destinava a pagamentos para políticos do PMDB;
“… em outubro de 2014 no Instituto Lula, o depoente encontrou-se com Lula e relatou a ele que as doações oficiais da JBS já tinham ultrapassado 300 milhões de reais e indagou se ele percebia o risco de exposição que isso atraía, com base na premissa implícita de que não havia plataforma ideológica que explicasse tamanho montante;
“… o ex-presidente olhou nos olhos do depoente, mas nada disse;
“… em novembro de 2014, o depoente, depois de receber solicitações insistentes para o pagamento de 30 milhões de reais para Fernando Pimentel, governador eleito de MG, veiculadas por Edinho Silva, e de receber de Guido Mantega a informação de que ‘isso é com ela’, solicitou audiência com Dilma;
“… Dilma recebeu o depoente no Palácio do Planalto;
“… o depoente relatou, então, que o governador eleito de MG, Fernando Pimentel, estava solicitando, por intermédio de Edinho Silva, 30 milhões de reais, mas que, atendida essa solicitação, o saldo das duas contas se esgotaria;
“… Dilma confirmou a necessidade e pediu que o depoente procurasse Pimentel;
“… no mesmo dia, o depoente encontrou Pimentel no Aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte, disse que havia conversado com Dilma e que ela havia indicado que os 30 milhões deveriam ser pagos;
“… Pimentel orientou o depoente a fazer o pagamento por meio da compra de participação de 3% na empresa que detém a concessão do Estádio Mineirão;
“… afora essas duas ocasiões, Edinho Silva, então tesoureiro da campanha do PT, encontrava-se, no período da campanha de 2014, semanalmente com Ricardo Saud [diretor da JBS] e apresentava as demandas de distribuição de dinheiro;
“… Ricardo Saud submetia essas demandas ao depoente, que, depois de verificá-las com Guido Mantega, autorizava o que efetivamente estivesse ajustado com o então ministro da Fazenda;
“… Ricardo Saud então procurava Edinho e lhe dava o aceno positivo;
“… Ricardo Saud era, logo depois, procurado por Manoel, então chefe de gabinete de Edinho, que lhe apresentava escritos com os pedidos;
“… o ajuste mais amplo consistia em direcionar grande parte do dinheiro para a campanha de Dilma Rousseff, tanto para o PT nacional quanto para os diretórios estaduais do PT;
“… o restante deveria custear a compra dos partidos da coligação, conforme o PT fosse fechando os negócios;
“… esse ajuste mais amplo abrangeu não só o esquema do BNDES aqui descrito, como também outro esquema de formato semelhante – intervenção para a liberação de financiamentos em troca de propinas, calculadas como porcentagens das liberações – em que o depoente teve participação, e que envolveu Guido Mantega e os presidentes dos fundos PETROS e FUNCEF;
“… Guido Mantega determinava, para os dois esquemas, em interlocução com o depoente, a destinação das propinas, embora o esquema dos fundos envolvesse também parte das propinas para os respectivos presidentes;
“… no ano de 2012, o então Ministro Guido Mantega solicitou ao depoente um empréstimo, conversível em participação societária, na empresa Pedala Equipamentos Esportivos [empresa em nome de um sócio de Leonardo Mantega, filho de Guido Mantega];
“… o depoente aceitou conceder o empréstimo;
“… o valor do empréstimo de US$ 5.000.000,00 (cinco milhões de dólares) foi depositado pelo depoente por meio de sua empresa Antígua Investments LLC;
“… o empreendimento da PEDALA não resultou frutífero, mas o depoente perdoou a dívida e a empresa encerrou suas atividades;
“… em outra oportunidade, o então Ministro Guido Mantega solicitou ao depoente que fizesse um investimento de 20 milhões de dólares, debitado da ‘conta-corrente’ do PT, em uma conta no exterior;
“… o depoente consentiu e determinou fosse realizada a transferência;
“… após 1 ano, o investimento foi devolvido para a ‘conta-corrente’ do PT, em igual valor, não sabendo este qual o destino ou a finalidade do investimento” (cf. Termo de Colaboração de Joesley Batista, Anexo nº 1 e Anexo nº 2).
O SUCESSO
“… no primeiro semestre de 2008, montou operação que envolveu a aquisição, pelo BNDES, a FUNCEF e o PETROS de 12,99% do capital da JBS, por 1 bilhão de dólares. BNDES, FUNCEF e PETROS montaram, nessa operação, fundo denominado PROT (de proteína), para financiar a capitalização da JBS.
“… Paulo Ferreira era o tesoureiro do PT; Guilherme Lacerda era o presidente da FUNCEF; Vagner Pinheiro era o presidente da PETROS. Quando iniciadas as tratativas para a constituição do PROT, Guilherme Lacerda indicou que ele [Joesley Batista] deveria estabelecer relacionamento mais próximo com Paulo Ferreira, do PT, tendo em vista que o partido exercia influência nos órgãos de deliberação coletiva de ambas as entidades, sobre os integrantes indicados por sindicatos.
“… Guilherme Lacerda [o] apresentou, então, a Paulo Ferreira, que, por sua vez, [o] apresentou [a] João Vaccari. O depoente e João Vaccari entraram, então, no seguinte acordo: João Vaccari recomendaria as operações de interesse do Grupo J&F aos dirigentes dos fundos sob sua influência, e o depoente pagaria ao PT o valor de 1% de cada operação que a J&F conseguisse obter junto aos fundos.
“… acordou, ainda, em separado, com Guilherme Lacerda e Vagner Pinheiro, em reuniões privadas, 1% para cada qual no valor de cada operação posterior à constituição do PROT que a JBS conseguisse obter junto aos fundos.
“… em 2009, o Grupo JF incluía empresa denominada Florestal. FUNCEF e PETROS interessavam-se em investir em empresas de reflorestamento. [Joesley] entrou em acordo com Guilherme Lacerda e Vagner Pinheiro para ampliar as atividades da Florestal; o veículo de investimento foi a constituição de fundo, denominado Fundo FIP-Florestal, em que cada fundo aportou cerca de 275 milhões de reais e a J&F [entrou com] as ações da empresa Florestal.
“… constituído o Fundo FIP-Florestal, pagou 1% para Guilherme Lacerda e Vagner Pinheiro.
“… na PETROS, Luís Carlos Afonso sucedeu Vagner Pinheiro e foi sucedido por Carlos Costa; tanto Luis Carlos quanto Carlos Costa aceitaram a continuação do esquema iniciado com Vagner.
“… em 2011, com a incorporação da Eldorado pela Florestal, pagou 1,5 milhão de dólares para Luis Carlos Afonso, na forma de transferência de propriedade de um apartamento em Nova York. Naquela oportunidade algo foi pago para Carlos Costa, cujo valor e forma não se recorda.
“… Para Vagner Pinheiro, de março de 2010 a julho de 2015, pagou R$ 2.700.841,94, dos quais 300 mil foram em espécie, por meio de entregas ocorridas em 06/02/2015 (100 mil), 25/03/2015 (50 mil), 28/05/2015 (50 mil), 23/06/2015 (50 mil) e 28.07.2015 (50 mil). O valor remanescente foi pago por meio de notas fiscais falsas emitidas contra empresas do Grupo JF, quase sempre à razão de uma por mês, em valores que se iniciaram em R$ 34.374,99 e aumentaram progressivamente até alcançar R$ 53.249,99.
“… João Vaccari usou parte de 1% de propina para pagamento a despesas da Gráfica Focal, CNPJ 01.047.181/0001-74, no valor de 2 milhões de reais, no período entre 10/06/209 a 25/02/2011” (cf. TC de Joesley Batista, Anexo 4).
“… em 2012, João Vaccari [o] abordou, dizendo que por vezes tinha dinheiro no exterior para receber, perguntando se poderia lhe emprestar uma conta bancária onde tais valores fossem depositados, abrindo-se uma planilha de conta corrente, para que ao longo do tempo, na medida em que os depósitos fossem ocorrendo, fosse ressarcindo os pagamentos das seguintes formas: notas com conteúdo e datas ideologicamente falsos, em dinheiro, depósitos em contas no exterior ou em forma dissimulada de doações eleitorais.
“… este procedimento ocorreu na conta da empresa [de Batista] de nome Okinawa” (cf. TC de Joesley Batista, Anexo 14).
“… em 2008, conheceu Antonio Palocci por intermédio do então tesoureiro do PT, Paulo Ferreira.
“… em 2010, Palocci tornou-se braço direito de Dilma para as eleições presidenciais daquele ano.
“… em um jantar na casa [de Joesley Batista], Palocci pediu apoio de 30 milhões de reais para a campanha presidencial daquele ano. Tal valor não guardava nenhuma relação com a ‘conta-corrente’ combinada com Guido Mantega. Palocci, aliás, sequer sabia da existência daquela ‘conta-corrente’.
“… os 30 milhões de reais da doação foram estipulados, embora não integralmente pagos, de acordo com o que consta da planilha anexa: R$ 1.820.000 pagos em espécie a uma pessoa de nome Samuel (não se recorda quem seja esse Samuel). R$ 612.902,46 divididos em 3 notas fiscais da Hedge Assessoria e Consultoria Empresarial. R$ 1 milhão em dinheiro a uma pessoa de nome Gilmarcy. R$ 16.310.000,00 em doações oficiais a diversos candidatos indicados por Antonio Palocci.
“… foram firmados dois contratos com a empresa [de Palocci] Projeto Consultoria Financeira e Econômica: 1) em 05/11/2008, tendo um aditivo em 05/11/2009, no valor de R$ 15.000,00 mensais; 2) em 01/07/2009, no valor de R$ 500 mil de adiantamento, e êxito até o limite de R$ 2 milhões” (cf. TC de Joesley Batista, Anexo 17).
“… [Joesley Batista] articulou-se com José Roberto Salgado, vice-presidente do Banco Rural àquela altura, combinando a operação cruzada entre as instituições financeiras – Bancos Original e Rural – e suas holdings. [Joesley Batista] fez a operação no intuito de evitar a quebra do Banco Rural, considerando o contexto mais amplo do relacionamento que mantinha ao tempo com o Governo do PT e especialmente com o então ministro da Fazenda, Guido Mantega. Este último, com frequência, discutia com Joesley Batista a respeito da necessidade de salvar o Banco Rural, diante das consequências que a quebra da instituição financeira poderia trazer para o próprio PT. Nesse sentido, depois de o BACEN haver autuado o Banco Original pela operação, chamou Guido Mantega às falas, em reunião presencial, haja vista a finalidade evidente da operação” (cf. TC de Joesley Batista, Anexo 18).
Eis o sucesso da JBS.