Um dos vídeos que Carlos Bolsonaro divulgou da portaria do condomínio Vivendas da Barra, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde residem Ronnie Lessa, pistoleiro profissional e membro do Escritório do Crime, e Jair Bolsonaro, foi editado, segundo perito ouvido pela revista Piauí.
Os vídeos foram feitos para livrar a barra dos bolsonaros, já que eles foram citados por um porteiro como tendo autorizado a entrada de um criminoso no local.
O porteiro declarou, em dois depoimentos à Polícia Civil do Rio, que Élcio Queiroz, comparsa de Lessa, esteve no condomínio no dia do assassinato da vereadora Marielle Franco e pediu para ir até a casa 58, que pertence a Jair Bolsonaro. Uma planilha de registro manual das visitas, que está em posse da polícia mostra a anotação, feita por ele, da visita de Élcio pedindo para ir à casa 58.
Reportagem da TV Globo de 29 de outubro revela que o porteiro informou à polícia que recebeu o aval para a entrada de Élcio de alguém que ele identificou como sendo o “seu Jair”. A própria reportagem, no entanto, informou que neste dia, Bolsonaro estava em Brasília.
Ainda em seu relato, o funcionário diz que, como o carro de Élcio Queiroz dirigiu-se à casa de número 65, que pertence à Ronnie Lessa, ligou novamente para a residência 58 e obteve a informação, da mesma pessoa que o atendera antes, dizendo que sabia para onde Queiroz estava indo.
No dia seguinte à reportagem, Carlos Bolsonaro, o “Carluxo”, divulgou dois vídeos feitos por ele da portaria do condomínio. No primeiro vídeo, ele mostra uma tela de computador do sistema de controle de entrada do conjunto residencial com a data de 14 de março. Ali aparece o registro da chegada de Élcio Queiroz e a autorização de Ronnie Lessa para a sua entrada.
Este primeiro vídeo foi divulgado às 6h42 e o segundo às 9h26, ambos exibindo a tela do computador da administração do condomínio, com a relação de ligações telefônicas feitas da portaria do Vivendas da Barra.
Perito ouvido pela reportagem da revista Piauí viu indícios de que o filho de Bolsonaro pode ter editado os áudios do segundo vídeo mostrado por ele. Em sua opinião, Carlos editou o trecho inicial dos áudios, que não conferem com a duração que consta no nome dos arquivos.
Nele, o áudio com a chamada para a casa 58 tem 11 segundos, quando a planilha informa que demorou 29; e o áudio da ligação para a casa 36 tem 12 segundos, quando, segundo a planilha, deveria ter 27. Para o perito aposentado, há “incongruência” no vídeo.
Assista ao primeiro vídeo
Este mesmo perito afirmou que só uma perícia no equipamento do residencial pode esclarecer esses fatos, aparentemente contraditórios.
Somente agora a polícia apreendeu os computadores onde estão registradas todas as chamadas da portaria do condomínio, de onde Carlos retirou as imagens para o primeiro e o segundo vídeo divulgados por ele.
Bolsonaro também informou que retirou os registros da portaria, segundo ele, para “evitar fraudes”. A medida foi vista por parlamentares como tentativa de obstrução de Justiça.
No primeiro vídeo de Carlos, o áudio exibido confere com a duração em segundos que consta no nome do arquivo, conforme conclui perito aposentado da Polícia Civil do Distrito Federal ouvido pela piauí.
O Ministério Público do Rio havia afirmado, em entrevista coletiva, um dia após a reportagem da TV Globo sobre os depoimentos do porteiro à polícia, que foi feita uma perícia no sistema de comunicação do condomínio comprovando que a comunicação do porteiro tinha sido feita com a casa 65, de Ronnie Lessa, e não com a casa 58 de Bolsonaro.
Depois soube-se que a perícia havia sido feita em pouco mais de 2 horas, e, pasmem, no mesmo dia da entrevista. Peritos da Secretaria de Segurança Pública do Rio afirmaram que não foram chamados para fazer o procedimento e que o áudio analisado tinha sido apenas o da casa de Lessa.
Destacaram que, para ser conclusiva, a perícia devia ser feita no equipamento de registro do condomínio.
Assista ao segundo vídeo
Hoje se sabe também que a voz analisada pelo Ministério Público não é a mesma de Alberto Jorge Ferreira Mateu, que deu os depoimentos e que estava trabalhando na portaria do condomínio no dia do assassinato. Havia outro porteiro no local.
A afirmação da promotora Simone Sibilio, de que o porteiro havia “mentido à polícia” em seu depoimento, passou a ser questionada, após o surgimento de todas essas informações.
O porteiro, que recentemente foi localizado pela revista Veja, reside numa região dominada por milícias. Por coincidência uma região controlada exatamente pelo bando chefiado por Ronnie Lessa. Na tentativa de entrevista, o porteiro mostrou-se bastante apreensivo e não quis dizer nada.
Lessa é considerado um assassino frio e calculista e chegou a treinar tiros sentado por ter perdido uma perna. Além de Lessa, outras ameaças pairam sobre o porteiro. A Polícia Federal foi acionada pela Procuradoria Geral da República, a pedido do ministro da Justiça Sérgio Moro, para investigar se ele teria cometido crime de falso testemunho contra o presidente.
Além de miliciano, Ronnie Lessa, que matou Marielle, integra o Escritório do Crime, espécie de central de assassinatos das milícias, chefiado pelo também ex-policial e miliciano, Adriano Nóbrega, que está foragido e, coincidentemente ou não, tinha sua mãe e sua mulher empregadas no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
SÉRGIO CRUZ