CARLOS LOPES
(HP, 19/07 a 16/08/2017)
O martelamento, por Lula, sobre uma suposta “falta de provas” para sua condenação a 9 anos e meio de cadeia por corrupção e lavagem, tem ludibriado a boa fé de alguns cidadãos que não merecem isso. De toda forma, podemos garantir que nem se a mentira fosse repetida 10 bilhões de vezes, teria alguma possibilidade de tornar-se verdade.
A sentença do juiz federal Sérgio Fernando Moro é baseada em provas documentais – propostas de aquisição apreendidas na residência de Lula e na sede da Bancoop, mensagens nos celulares dos implicados, fotos, notas fiscais, laudos periciais, etc., etc., etc. (para um resumo, ver a nossa matéria: HP, 14-18/07/2017).
Além disso, a sentença é baseada no depoimento do próprio Lula. Como conclui Moro, “o problema da versão dos fatos apresentada pelo ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva é que ela não é consistente com as demais provas dos autos (…), isso sem ainda examinar a prova oral em relação a qual ela é ainda mais incompatível” (grifo nosso).
A sentença tem como fundamento as provas materiais. O que não significa que as provas testemunhais – os depoimentos – não tenham importância. Sérgio Moro tem toda razão ao escrever, na mesma sentença: “Quem, em geral, vem criticando a colaboração premiada é, aparentemente, favorável à regra do silêncio, a omertà das organizações criminosas”.
Em outro trecho, aponta o juiz Moro:
“… no ano seguinte à transferência do empreendimento imobiliário [da Bancoop] para a OAS Empreendimentos, o Jornal O Globo publicou matéria da jornalista Tatiana Farah, mais especificamente em 10/03/2010, com atualização em 01/11/2011, com o seguinte título ‘Caso Bancoop: triplex do casal Lula está atrasado’”.
A matéria, frisamos, foi publicada em abril de 2010, quando Lula estava na Presidência da República. Aqui, citaremos apenas os trechos mais importantes para o processo do triplex (o leitor poderá consultar a íntegra no site de “O Globo”):
“O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua mulher, Marisa Letícia, são donos de uma cobertura na praia das Astúrias (…). Procurada, a Presidência confirmou que Lula continua proprietário do imóvel. (…) É nele que a família Lula da Silva deverá ocupar a cobertura triplex, com vista para o mar. (…) No local, imóvel como o de Lula pode passar de R$ 1 milhão” (a preços, evidentemente, de 2010).
A questão é: como, em 2010, uma jornalista conseguiu comprovar a propriedade de um triplex – com a confirmação da Presidência da República – que Lula jura que nunca foi dele?
Vejamos o que o próprio Lula disse ao juiz Moro:
JUIZ MORO: Consta na acusação e em documentos que a OAS assumiu formalmente esse empreendimento em 08/10/2009. Nessa mesma época, a OAS concedeu aos cooperados da Bancoop o direito sobre o empreendimento Mar Cantábrico, prazo de 30 dias para optar pelo ressarcimento dos valores até então pagos à Bancoop ou celebrar compromisso de compra e venda da unidade e prosseguir no pagamento do saldo devedor. Isso foi objeto de uma assembleia dos cooperados em 27/10/2009, esses documentos estão nos autos, evento 3, anexo 213 e anexo 214, não sei se o senhor gostaria de ver…
LULA: Eu não preciso ver não, doutor, eu só quero repetir o seguinte, eu fiquei sabendo do apartamento em 2005 quando comprou, que declarou no imposto de renda de 2006, e fiquei sabendo em 2003 quando Léo Pinheiro me procurou.
ADVOGADO DE DEFESA: Em 2013.
LULA: Em 2013.
JUIZ MORO: Perfeito. O senhor ex-presidente e sua esposa realizaram alguma opção nesse prazo fixado de 30 dias, contados dessa assembleia de 27/10/2009?
LULA: Não, não.
JUIZ MORO: Não? O senhor ex-presidente se recorda quanto foi pago pelo senhor ex-presidente e pela senhora sua esposa no total por esse apartamento contratado, unidade simples?
LULA: Não lembro, doutor Moro, mas também está tudo declarado no imposto de renda, e já deve ter aqui no processo, o que tem sido falado é mais do que notícia ruim.
JUIZ MORO: Perfeito. O Ministério Público federal afirma que foram pagos cerca de 209 mil reais até setembro de 2009, o senhor ex-presidente saberia dizer se foi aproximadamente isso?
LULA: Não sei.
JUIZ MORO: O senhor ex-presidente sabe me dizer se depois que a OAS assumiu o empreendimento em outubro de 2009, foram feitos novos pagamentos pelo apartamento?
LULA: Acho que não.
JUIZ MORO: O senhor ex-presidente sabe explicar porque, diferentemente de todos os demais cooperados da Bancoop, que tiveram que, em 2009, optar pela continuidade da compra, celebrando contratos com a OAS, ou pedir a devolução do dinheiro, inclusive com prazo de 30 dias contados da assembleia em 27/10/2009, o senhor e a senhora sua esposa não tiveram que fazer essa escolha?
LULA: Eu tenho uma hipótese, a dona Marisa pode não ter recebido o convite para participar da assembleia.
JUIZ MORO: Essa é apenas uma hipótese ou o senhor tem conhecimento específico?
LULA: É a única que eu posso imaginar.
JUIZ MORO: Nunca lhe foi informado nada a esse respeito?
LULA: Nunca.
JUIZ MORO: Nem pela senhora sua esposa?
LULA: Não, eu vou lhe repetir, eu fiquei sabendo do apartamento no ato da compra que era um investimento e fiquei sabendo em 2013 quando eu fui procurado.
Não houve nenhuma desistência do apartamento (que seria, segundo a versão de Lula, o de número 141, um “apartamento tipo” – e não um triplex). Mas Lula, ou sua esposa, também não continuou a pagar as prestações.
A desistência foi somente no dia 26 de novembro de 2015.
O problema é: de que apartamento Lula, ou sua esposa, desistiu, em novembro de 2015?
Pois, em novembro de 2015, não era mais possível desistir do apartamento 141, não somente porque caducara o prazo para a opção, mas porque este apartamento já fora vendido a outra pessoa, pela OAS, no dia 26 de abril de 2014, isto é, 18 meses antes.
Como, aliás, notou o juiz Moro:
JUIZ MORO: Consta que esse apartamento 141 (…) foi alienado pela OAS Empreendimentos com o número 131 – em virtude da mudança na numeração do prédio – a uma terceira pessoa em 26/04/2014 (…). O senhor ex-presidente teve conhecimento da venda desse apartamento na época? O senhor ex-presidente foi consultado a respeito da realização dessa venda, já que ele dizia respeito ao apartamento correspondente à sua cota?
LULA: Doutor Moro, como eu não requisitei apartamento e não recebi apartamento, eu não tinha por que ser informado.
JUIZ MORO: É que esse apartamento diz respeito àquele que estava vinculado à sua cota no Bancoop.
LULA: Não fui informado.
JUIZ MORO: A senhora sua esposa foi informada?
LULA: Eu não acredito, pelo que eu tenho ouvido nos depoimentos aqui parece que esse apartamento foi dado em garantia umas 50 vezes, parece, para outras pessoas que a OAS devia.
Houve um único apartamento, no Solaris, que não foi posto à venda pela OAS ou pela Bancoop: o de número 164-A, um dos oito triplex do condomínio. Perguntado se sabia por que, Lula respondeu que não sabia.
No entanto, este foi, exatamente, o apartamento que visitou em 2014:
JUIZ MORO: O senhor ex-presidente esteve em visita no apartamento triplex 164-A, Condomínio Solaris?
LULA: Estive em 2014.
JUIZ MORO: Quantas vezes o senhor esteve no local?
LULA: Uma vez.
JUIZ MORO: O senhor pode me descrever as circunstâncias, o motivo dessa visita?
LULA: O Léo [presidente da OAS] esteve, eu já disse aqui também, o Léo esteve lá no escritório dizendo que o apartamento tinha sido vendido e que ele tinha acho que mais um apartamento dos normais e o triplex, eu fui lá ver o apartamento, fui lá ver o apartamento, coloquei quinhentos defeitos no apartamento, voltei e nunca mais conversei com o Léo sobre o apartamento.
JUIZ MORO: O senhor se recorda quem foi junto ao senhor nessa visita?
LULA: Eu e minha mulher, só.
JUIZ MORO: E quem estava presente da OAS?
LULA: Ah, não sei, sei que estava o Léo.
JUIZ MORO: O Léo Pinheiro estava?
LULA: Estava.
JUIZ MORO: E qual foi o conteúdo da conversa dessa visita, senhor ex-presidente, o senhor se recorda?
LULA: O conteúdo da conversa é que o Léo estava querendo vender o apartamento, e o senhor sabe que, como todo e qualquer vendedor, quer vender de qualquer jeito, não sei se o doutor já procurou alguma casa para comprar, para saber como é que o vendedor quer fazer, e eu disse ao Léo que o apartamento tinha quinhentos defeitos, sabe?
JUIZ MORO: O senhor recusou de plano a aquisição desse apartamento?
LULA: Não, eu não recusei de pronto porque o Léo falou ‘eu vou dar uma olhada e depois falo com você’.
JUIZ MORO: O senhor Léo Pinheiro disse que iria fazer alguma reforma nesse apartamento?
LULA: Não, no dia em que eu fui lá não disse.
JUIZ MORO: Depois ele disse?
LULA: Ele disse que ia olhar e que depois me procurava para conversar.
JUIZ MORO: Sei…
LULA: Isso foi em fevereiro de 2014, se não me falha a memória.
JUIZ MORO: 2014, certo. O senhor ou a senhora sua esposa solicitaram alguma espécie de reforma nesse apartamento?
LULA: Não.
Nesse trecho, Lula declarou que fora informado da venda do apartamento 141 pelo presidente da OAS. Naquele transcrito antes, disse que jamais fora informado.
Além disso, Lula, no depoimento acima, transformou o presidente da OAS, uma das maiores empreiteiras do país – e uma das principais integrantes do cartel que assaltava a Petrobrás, passando propinas para o PT, PMDB & satélites – em um vendedor (e vendedor burro, que “como todo e qualquer vendedor, quer vender de qualquer jeito”, mesmo que o cliente seja um cidadão que foi duas vezes presidente da República – e era, nessa época, mandachuva do governo Dilma).
Vejamos o que disse o presidente da OAS, José Adelmário Pinheiro Filho, conhecido como “Léo Pinheiro”, ao juiz Moro:
LÉO PINHEIRO: No ano de 2009 eu fui procurado pelo senhor João Vaccari, que tinha sido ou era ainda, não me recordo, presidente da Bancoop, e ele me colocou que a situação da Bancoop era de quase insolvência, eles não estavam conseguindo dar andamento a empreendimentos, alguns estavam paralisados, já tinham começado, e outros não tinham sido ainda encerrados, ele me mostrou 6 ou 7 empreendimentos que a Bancoop teria uma intenção de negociação conosco.
… nós atuávamos na Bahia, estavam começando alguns empreendimentos em Brasília, e São Paulo era um local que nós tínhamos o maior interesse, e facilitaria muito para a gente, também, o fato de alguns empreendimentos já estarem com comercialização praticamente feita, então isso ajudava muito. Naquele momento, também, os terrenos estavam muito supervalorizados em função do boom do mercado imobiliário. (…)
Quando ele me mostrou esses dois prédios do Guarujá eu fiz uma ressalva a ele, que não nos interessava atuar – tinha uma política empresarial nossa na área imobiliária, inclusive adotada por mim – que a empresa só atuaria em grandes capitais. Os nossos alvos eram Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Porto Alegre (…). Fora disso nós não tínhamos interesse.
Ele me disse: ‘Olha, aqui temos uma coisa diferente, existe um empreendimento que pertence à família do presidente Lula, diante do seu relacionamento com o presidente, o relacionamento da empresa, eu acho que, nós estamos lhe convidando para participar disso por conta de todo esse relacionamento e do grau de confiança que nós depositamos na sua empresa e na sua pessoa’.
Diante disso, eu disse: ‘Olha, se tratando de uma coisa dessa monta eu vou…’ (…). Eu disse a ele: “Olha, não vejo problema, eu vou passar isso para a nossa área imobiliária (…)’.
JUIZ MORO: Essa conversa foi em 2009, é isso?
LÉO PINHEIRO: Em 2009, 2009. Bom, quando essa conversa foi concluída eu procurei o Paulo Okamotto, que era uma pessoa do estreito relacionamento do presidente, e também do meu relacionamento, e disse: ‘Paulo, o João Vaccari me procurou e me disse isso e isso, o que você me recomenda, o que você me orienta?’. Ele disse: ‘Não, nós temos conhecimento disso e isso tem um significado muito grande, primeiro o Bancoop é um sindicato que tem muita ligação conosco, com o partido, e, segundo, porque tem um apartamento do presidente, e eu acho que você é uma pessoa indicada para fazer isso pela confiança que nós temos em vocês”. Eu disse: ‘Então pode, tá bom’, ‘Pode fazer’, ‘Tá bom’.
Eu voltei ao Vaccari e, com os estudos feitos, (…) foram iniciadas as obras de cada empreendimento (…).
Lula (e seus advogados), quando depôs perante o juiz Moro, conhecia o depoimento de Léo Pinheiro. Entretanto, nem assim conseguiram apresentar uma versão com alguma coerência (o que, no mínimo, é um indício, de acordo com a definição do nosso Código de Processo Penal: “Art. 239. Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”).
Vejamos outros trechos do depoimento do presidente da OAS – deixando ao leitor a dedução sobre o que ele significa:
LÉO PINHEIRO: … em 2010, o jornal O Globo trouxe uma reportagem enorme sobre esse empreendimento, e dizendo que o triplex pertenceria ao presidente. Eu fiquei preocupado pela exposição do assunto, tornei a procurar o Paulo Okamotto, eu estive com João Vaccari e depois procurei o Paulo Okamotto, dizendo como é que nós devíamos proceder, já que o triplex estava em nosso nome [da OAS] e a aquisição por parte da família do presidente era de cotas e não tinha havido a adesão para o empreendimento. Eu tinha uma autorização inclusive pra vender o que estava reservado anteriormente (…).
A orientação que foi me passada naquela época foi de que “toque o assunto do mesmo jeito que você vinha conduzindo, o apartamento não pode ser comercializado, o apartamento continua em nome da OAS e depois a gente vê como é que nós vamos fazer para fazer a transferência ou o que for”, e assim foi feito. (…)
JUIZ MORO: … tem uns documentos no processo que, segundo o Ministério Público, apontariam que a aquisição do apartamento pelo ex-presidente e pela esposa dele, diriam respeito ao apartamento 141…
LÉO PINHEIRO: Isso.
JUIZ MORO: Enquanto que esse triplex parece que teria outro número, originalmente 174?
LÉO PINHEIRO: 164.
JUIZ MORO: 164. É a isso que o senhor se referiu agora há pouco?
LÉO PINHEIRO: Exatamente.
JUIZ MORO: Essa cota dizia respeito à outra unidade?
LÉO PINHEIRO: A cota dizia respeito a essa outra unidade, que era um “apartamento tipo” (…), tinha um procedimento padrão, de que as pessoas que tinham adquirido anteriormente diretamente da Bancoop poderiam aderir à nossa incorporação ou simplesmente ter o recurso devolvido, corrigido por uma regra que foi estabelecida. (…) No caso desse apartamento não foi, não houve assinatura do termo de adesão.
JUIZ MORO: Mas qual foi a explicação? Por que todos não tinham que fazer essa adesão?
LÉO PINHEIRO: Todos tinham que ou ficarem com a unidade ou terem os recursos devolvidos, de uma regra pré-fixada. Nesse apartamento eu fui orientado que não, que eu poderia negociá-lo, porque o apartamento da família seria o triplex.
JUIZ MORO: O que o senhor poderia negociar então seria o 141?
LÉO PINHEIRO: 141, exatamente, e foi negociado.
JUIZ MORO: O triplex não?
LÉO PINHEIRO: Não.
JUIZ MORO: Não poderia negociar?
LÉO PINHEIRO: Não poderia.
JUIZ MORO: Mas quem lhe orientou isso?
LÉO PINHEIRO: Pelo senhor João Vaccari e o Paulo Okamotto.
JUIZ MORO: Consta aqui esse apartamento 141, teria havido pagamentos do ex-presidente e sua esposa da ordem de 200 mil reais ainda ao tempo da Bancoop, mas isso diria respeito a esse apartamento 141. Era o mesmo preço o triplex e esse apartamento 141?
(…)
LÉO PINHEIRO: … O “apartamento tipo” era da ordem de 80 metros quadrados, o apartamento triplex era 3 vezes essa área, claro que a conta não é bem multiplicando por 3, porque tem a parte do terraço, tem as áreas descobertas, duas vezes e meia o preço, mais ou menos.
JUIZ MORO: Mas, nessa época, em 2009, alguém lhe falou assim: ‘Não se preocupe que o preço vai ser pago pelo ex-presidente por fora’?
LÉO PINHEIRO: Não, isso não.
JUIZ MORO: E o senhor também não quis cobrar o preço?
LÉO PINHEIRO: Eu não, naquela época, em 2009, foi dito para mim: ‘O apartamento triplex, essa unidade é uma unidade específica, você não faça nenhuma comercialização sobre ela, pertence à família do presidente; a “unidade tipo” você pode vender, porque eles não vão ficar com essa unidade’. A unidade seria o triplex.
… vamos iniciar em 2010. Eu procurei o Vaccari pra conversar com ele como eu devia fazer. Ele: ‘Não, não vamos mexer nesse assunto, tem campanha presidencial, não mexe nesse assunto agora, vamos deixar, depois das eleições a gente vê a forma, eu vejo com o presidente’.
Bom, depois das eleições, não sei em que período mais ou menos, o ex-presidente teve uma doença grave (…) e só vim tratar desse assunto com o presidente em 2013, eu, pessoalmente, com ele.
(…)
JUIZ MORO: … o Ministério Público afirma que juntou documentos que supostamente diriam isso, que esse apartamento, esse triplex, não teria sido colocado à venda jamais pela OAS.
LÉO PINHEIRO: Nunca foi colocado à venda pela OAS.
JUIZ MORO: Desde lá, de 2009?
LÉO PINHEIRO: Desde 2009. Eu tinha orientação para não colocar à venda, que pertenceria à família do presidente.
2
Um traço ideológico (e, claro, psicológico) que chama a atenção é a intimidade de Lula com sujeitos como, por exemplo, o presidente da OAS, Léo Pinheiro, ou com o herdeiro da Odebrecht, Emílio Odebrecht, ou com o diretor desse mesmo grupo, Alexandrino Alencar.
Essa característica é partilhada pelo seu círculo: a agenda de Léo Pinheiro confirma inteiramente o seu depoimento, no que se refere à proximidade de Paulo Okamotto e João Vaccari (v. “Okamoto e Vaccari na agenda de Léo Pinheiro”, HP 19/05/2017, página 3).
Quanto à Dilma, bastam as suas declarações, em 26/04/2012, na cidade de São João da Barra, no Estado do Rio, onde foi recepcionada pelo sr. Eike Batista: “O Eike é nosso padrão, nossa expectativa e orgulho do Brasil”, acrescentando que esse picareta “tem capacidade de trabalho”, “busca as melhores práticas”, “quer tecnologia de última geração”, “percebe os interesses do País” e “merece o nosso respeito”. Depois de elogiar a sensacional petroleira de Eike, a OGX, especialista em factoides e poços secos, disse Dilma que “não há e não pode haver concorrência no nosso espírito entre duas grandes empresas, como é o caso da Petrobrás e da OGX”.
O leitor poderá argumentar que tais salamaleques revelam bajulação – e não intimidade. Mas, para a questão que estamos examinando, um e outro são a mesma coisa. Aliás, também no caso de Lula, a intimidade não é mais que bajulação – embora ele, como sempre, faça uma cambalhota mental, acreditando que são os bilionários que o bajulam…
Infelizmente, essa bajulação “íntima” não é um problema particular, pois foi realizada às custas do dinheiro do povo: somente o BNDES colocou R$ 10,4 bilhões nas empresas – a maioria delas, inexistente – de Eike Batista. É verdade que, nesse caso, foram empréstimos (e não dinheiro de graça, por subscrição de ações e debêntures, como foi o caso da JBS). Mas esse dinheiro teria sido bem-vindo – e muito melhor aplicado – em empresas nacionais privadas que contribuíssem para o crescimento do país (e que, por falta de financiamento, ficaram expostas ao assalto do dinheiro especulativo externo) ou nas empresas estatais do setor energético.
Essa política de favorecimento de um “clubinho” (a palavra “clubinho” – aliás, muito adequada – é de um partidário de Lula, o então presidente da CUT, Artur Henrique da Silva Santos) permitiu resultados espetaculares, como os do Grupo Odebrecht, cujo faturamento aumentou 664,46% entre 2003 e 2015 (de R$ 17,335 bilhões em 2003 para R$ 132,519 bilhões em 2015).
Em outras palavras: à custa de propina, cevaram-se monopólios – ou candidatos a monopólios – somente possíveis devido ao privilégio que o suborno lhes garantia, para que aumentassem preços, inclusive aqueles que cobravam da Petrobrás, pilhando a coletividade.
Enquanto isso, o país era pendurado nas commodities (basicamente, em duas: soja e minério de ferro, devido às compras chinesas) e a política de estrangulamento da indústria nacional – sobretudo através dos juros estupidamente altos do sr. Meirelles, presidente do Banco Central de Lula, e sua consequência: a hipervalorização do real – era mantida a todo custo.
SÃO BERNARDO
Além do processo em que foi condenado a 9 anos e 6 meses de cadeia, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex de Guarujá, Lula é réu em outros quatro processos.
Um deles – por corrupção passiva e lavagem – refere-se à compra de um terreno para o Instituto Lula, pela Odebrecht, e por receptação do apartamento vizinho ao que mora, em São Bernardo do Campo, adquirido por R$ 504 mil, também através de propina passada pela Odebrecht, com ocultação de patrimônio, pois esse imóvel está no nome de Glaucos da Costamarques, primo de outro íntimo de Lula, José Carlos Bumlai.
Glaucos da Costamarques (o nome é assim mesmo, leitor), por outra coincidência, é pai de um lobista da Camargo Correa, Gustavo da Costa Marques, que confessou o pagamento de uma propina de R$ 2 milhões ao então ministro Edson Lobão, por conta do superfaturamento nas obras de Belo Monte.
O processo do terreno do Instituto Lula é o mesmo do apartamento vizinho ao de Lula porque o primo de Bumlai, que é oficialmente dono do apartamento, aparece, também, como proprietário – e, depois, como vendedor – do terreno.
Segundo o Ministério Público, na operação de compra do terreno para o Instituto Lula, o primo de Bumlai recebeu R$ 800 mil, que faziam parte da propina da Odebrecht a Lula. Desses R$ 800 mil, uma parte – R$ 504 mil – foi empregada na compra do apartamento vizinho ao de Lula, que, na verdade, integra, também, a sua residência:
“Em 04/03/2016, quando do cumprimento de mandado de busca e apreensão” no apartamento em que Lula reside, “identificou-se, com base no relato do síndico e de morador do edifício, que o apartamento 121, localizado no mesmo andar, também seria utilizado pelo casal. (…) Constatou-se, ainda, que os apartamentos 121 e 122 eram conectados diretamente por uma porta” (cf. MPF, Denúncia, 14/12/2016, p. 173, grifo nosso).
Segundo declarou Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, o apartamento ao lado daquele em que reside Lula fora alugado pelo PT, no primeiro mandato de Lula, “por uma questão de segurança e para servir de base de apoio”. Depois, “consoante dados extraídos do Portal da Transparência do Governo Federal, no segundo mandato presidencial (2008 a 2010), o referido apartamento foi alugado pela Presidência da República, que arcou também com suas despesas condominiais”.
Como o caso deste apartamento é menos conhecido que aquele outro, transcrevemos o resumo da denúncia feito pelo juiz Moro:
“… durante as buscas e apreensões (…) teria sido constatado que Luiz Inácio Lula da Silva ocuparia não apenas o apartamento 122, mas igualmente o apartamento contíguo, o de n.º 121 (…).
“O referido apartamento teria sido adquirido, em 20/09/2010, por Glaucos da Costamarques.
“Segundo a denúncia, por rastreamento bancário, foi possível constatar que o custo da aquisição, no valor de R$ 504.000,00, teria sido suportado pelo Grupo Odebrecht.
“Doutro lado, muito embora tenha sido encontrado um contrato de locação entre Glaucos da Costa Marques e a esposa do ex-Presidente, Marisa Letícia Lula da Silva, não teriam sido identificadas quaisquer provas documentais do efetivo pagamento do aluguel.
“Assim, o Grupo Odebrecht, como vantagem indevida, teria adquirido imóvel de residência do ex-Presidente, utilizando pessoa interposta.
“Ainda segundo a denúncia, as transações ilícitas entre o ex-Presidente e o Grupo Odebrecht, assim como os pagamentos ilícitos efetuados por este ao Partido dos Trabalhadores, estariam retratados em planilha apreendida com executivos da Odebrecht de título ‘Posição Programa Especial Italiano’.
“Na referida planilha, estariam retratados a operação de aquisição do imóvel para o Instituto Lula e os pagamentos relativos ao apartamento 121.
“Antônio Palocci Filho e Branislav Kontic seriam responsáveis pela coordenação dos pagamentos ilícitos ao Partido dos Trabalhadores e ao ex-Presidente.
“Glaucos da Costamarques, além de ter auxiliado na aquisição do imóvel destinado ao Instituto Lula, também figurou, conscientemente, como pessoa interposta na aquisição do imóvel residencial para o ex-Presidente.
“Roberto Teixeira, como advogado, coordenou, conscientemente, a aquisição mediante interposta pessoa do prédio do Instituto Lula e do imóvel residencial.
“Já o ex-Presidente seria o beneficiário das vantagens indevidas pagas pelo Grupo Odebrecht, ainda durante o seu mandato, e das condutas de ocultação e dissimulação dessas vantagens” (cf. AP nº 506313017.2016.4.04.7000/PR, Despacho/Decisão, Evento 87, 10/03/2017).
Estas questões, sobretudo considerando a situação geral – e especificamente a situação política – do país, são de tal modo espinhosas (ou, talvez, escandalosas), que merecem um conhecimento maior. Depois de resumir cautelosamente a denúncia do Ministério Público Federal, escreve o juiz Moro:
“… quebras de sigilo bancário e fiscal autorizadas judicialmente indicam, em cognição sumária, que o dinheiro utilizado para a aquisição do imóvel para o Instituto Lula foi transferido da Construtora Norberto Odebrecht para a DAG Construtora e que esta, além da aquisição do imóvel em questão, repassou cerca de R$ 800.000,00 a Glaucos da Costamarques, que, por sua vez, pagou R$ 504.000,00 para aquisição do apartamento utilizado como residência pelo ex-Presidente e sua esposa.
“Também merece referência a constatação, em cognição sumária, de que Glaucos da Costamarques, embora tenha adquirido, por escritura, o imóvel consistente no referido apartamento 121 em São Bernardo, na data de 20/09/2010, não tomou qualquer providência para registrá-lo em seu nome, salvo em 2016, o que pode ter sido motivado exclusivamente pelo avanço das investigações em relação ao ex-Presidente.
(…)
“… não foram identificadas, nas quebras de sigilo bancário e fiscal de Glaucos da Costamarques, registros de recebimentos dos aluguéis do apartamento 121, e igualmente não foram identificados registros de pagamentos dos aluguéis do mesmo apartamento pelo ex-Presidente e sua esposa ou pelo Instituto Lula. Apenas a partir de janeiro de 2016, com o avanço das investigações em relação ao ex-Presidente, passaram a ser feitos depósitos em dinheiro dos aluguéis na conta de Glaucos da Costamarques, não sendo possível, porém, identificar a origem do dinheiro utilizado.
“… Glaucos da Costamarques, ouvido pela autoridade policial, em 07/10/2016, explicou que a renda de aluguéis do apartamento 121 teria sido com frequência compensada com débitos que ele teria com o escritório de advocacia de Roberto Teixeira [advogado e compadre de Lula]: ‘em relação a forma de recebimento desses aluguéis, considerando que havia muitas contas a pagar de valores pequenos, a cargo de Roberto Teixeira, relativas a outros negócios do declarante com o advogado, essa renda de aluguéis era frequentemente usada para encontro de contas’.
“Declarou na mesma ocasião que teria recebido parte dos aluguéis em espécie.
“Porém, em depoimento de 17/11/2016 ao Ministério Público Federal, apresentou explicação diferente, informando que, até dezembro de 2015, ‘nunca recebeu diretamente o pagamento dos aluguéis relativos ao apartamento 121’.
“Além da aparente contradição nos dois depoimentos, o acusado Roberto Teixeira, em petição dirigida à autoridade policial, negou que tivesse recebido qualquer valor devido por terceiros a Glauco da Costa Marques. Transcreve-se:
‘O Peticionário também não recebeu qualquer valor devido ao Sr.Glaucos. Sua atuação deu-se estritamente na prestação de serviços advocatícios. Por conseguinte, jamais houve compensação de valores, ou encontro de contas.’
“Enfim, quanto ao apartamento 121 ocupado pelo ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, consta, em cognição sumária, prova de que o custo para aquisição em 2010 foi suportado pela Construtora Norberto Odebrecht, que não há prova documental do pagamento de aluguéis entre 2011 a 2015, que o locador apresentou explicações contraditórias sobre o recebimento dos aluguéis e que são inconsistentes com as declarações de advogado que, segundo o locador, teria recebido parte dos aluguéis”.
Nas duas questões (o terreno para o Instituto Lula e o apartamento vizinho ao de Lula), o primo de Bumlai, Glaucos da Costamarques, foi representado por Roberto Teixeira, advogado e compadre de Lula. A denúncia do Ministério Público resume o esquema de interposições – ou seja, a laranjada envolvida nesse negócio de Lula:
“… Glaucos da Costamarques figurou, simuladamente, como adquirente do imóvel da Rua Dr. Haberbeck Brandão [o terreno para o Instituto Lula] e, posteriormente, cedeu esses direitos pelo valor avençado de R$ 800.000,00, consoante contrato de cessão celebrado em 10/09/2010.
“Em seguida, Glaucos da Costamarques, sempre sob orientação de Roberto Teixeira, firmou a escritura relativa ao apartamento 121, lavrada em 20/09/2010, pelo valor de R$ 504.000,00. Assim é que, ao efetuar o pagamento do valor avençado pela compra do apartamento aos proprietários, em 20/09/2010, Glaucos (…) não fez senão adiantar a importância de R$ 504.000,00, que lhe seria inteiramente repassada em 20/12/2010, quando recebeu o já acertado montante de R$ 800.000,00, por meio daquela simulada operação de ‘cessão dos direitos’ sobre o imóvel da Rua Dr. Haberbeck Brandão, que também garantiu a sua remuneração por atuar como interposta pessoa”.
ALUGUÉIS
Lula declarou à PF que os pagamentos de aluguéis do apartamento 121 “foram realizados na forma estabelecida no contrato, mediante a emissão de recibos e declaração às autoridades fiscais”.
No entanto, “os relatórios produzidos com base na quebra dos sigilos bancários de Luiz Inácio Lula da Silva e de Marisa Letícia Lula da Silva, não apontam efetivamente movimentações relativas ao pagamento de aluguel, conforme sumariado no Relatório de Informação nº 182/2016, produzido pela Assessoria de Pesquisa e Análise do Ministério Público Federal – ASSPA/PRPR” (cf. MPF, Denúncia, p. 178, grifo no original).
Da mesma forma, “o Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 2788/2016 também registra que, examinadas as contas bancárias de Luiz Inácio Lula da Silva e de Marisa Letícia Lula da Silva, não foram encontrados registros de pagamentos seus para Glaucos, tendo o exame se estendido, inclusive, para as contas bancárias de L.I.L.S. Palestras e Eventos Ltda. e Instituto Luiz Inácio Lula da Silva, consignando o Laudo citado que também dessas pessoas jurídicas não partiram pagamentos para Glaucos” (idem, grifos no original).
A mesma coisa – ausência de pagamentos para Glaucos Costamarques – foi constatada, pela perícia, em relação a Roberto Teixeira (que seria a fonte dos pagamentos de aluguel).
No entanto, esses aluguéis foram lançados na declaração de Imposto de Renda de Lula. Como é possível? Vejamos esse outro trecho da denúncia do Ministério Público:
“… na residência de Luiz Inácio Lula da Silva foi apreendido bilhete com o timbre do escritório de Roberto Teixeira, do qual consta o nome de Glaucos da Costamarques, o seu número de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Físicas (CPF) e as inscrições ‘Aluguel’, ‘R$: 12 x 3.500,00’ e ‘R$: 42.000,00’, isto é, precisamente o valor lançado na Declaração de Imposto de Renda – Pessoa Física de Luiz Inácio Lula da Silva no ano-calendário de 2011, a título de pagamento do aluguel do imóvel”.
O comportamento do suposto proprietário – o primo de Bumlai – é, realmente, atípico, para dizer o mínimo, uma vez que:
1) Tendo comprado o apartamento 121 (já ocupado por Lula, com o 122), em 20/09/2010, ele “abriu mão dos aluguéis que receberia da Presidência da República até janeiro de 2011”.
2) Não conseguiu “demonstrar o recebimento de nenhum aluguel anteriormente a novembro de 2015, isto é, num período de quase cinco anos”; somados, esses aluguéis-fantasmas atingem R$ 229.280,00.
3) Somente em julho de 2016 ele providenciou a passagem do registro do imóvel para o seu nome, quase seis anos depois da escritura ser-lhe passada.
Porém, existe um outro elemento, de natureza testemunhal – o depoimento da antiga proprietária do imóvel, que desconhecia o nome de Glaucos da Costamarques como comprador:
“… em informações prestadas à Receita Federal, datadas de 12/05/2016, Tatiana de Almeida Campos, herdeira do bem em questão, narrou que, quando da lavratura da escritura de cessão de direitos hereditários e de meação relativos ao apartamento 121, em setembro de 2010, foi informada pela sua advogada que o imóvel estava sendo alienado para Luiz Inácio Lula da Silva, bem como narrou que ficou surpresa ao descobrir, apenas em 2016, que o imóvel havia sido alienado para Glaucos da Costamarques”. (cf. Denúncia, p. 179, grifos nossos).
3
As operações em torno do terreno do Instituto Lula – e, por consequência, da compra do apartamento vizinho ao que Lula mora e tem em seu nome, em São Bernardo – aparecem, como saída de dinheiro, nas planilhas apreendidas pela Polícia Federal (PF) no “setor de operações estruturadas” (isto é, o departamento de propinas) da Odebrecht, tanto no resumo de 2010 da planilha “POSIÇÃO – ITALIANO310712MO”, quanto na planilha “Posição Programa Especial Italiano”, de 22 de outubro de 2013, que é outro resumo.
Observemos, aliás, que, por esta última planilha, as entradas (ou seja, o dinheiro repassado pela Odebrecht) desse “Programa Especial” chegaram a R$ 128 milhões e 522 mil.
O “Programa Especial Italiano” era composto por três sub-contas: “Italiano” (Palocci), “Pós Itália” (Mantega) e “Amigo” (Lula).
A CONTA
Até agora nos detivemos, sobretudo, nas provas documentais. Porém, as provas testemunhais, os depoimentos, são um importante complemento. Por exemplo, o anexo 5 do depoimento de Marcelo Odebrecht:
“Em meados de 2010, último ano do Governo Lula, Antonio Palocci e eu combinamos de provisionar R$ 35 milhões do saldo que havia na ‘conta corrente’ com o PT/Governo Federal para suportar gastos e despesas do então Presidente Lula, o que incluiria eventuais contribuições nossas ao Instituto Lula (‘IL’). Foi, então, criada na Planilha Italiano, uma subconta denominada ‘Amigo’. Nesta planilha, Amigo = Lula.
“Procedi dessa forma porque estava terminando o Governo Lula e ainda existia um saldo remanescente na Planilha Italiano de aproximadamente R$ 40 milhões para ser usado pelo PT/Governo Federal, conforme combinado com Antonio Palocci [NOTA DE MARCELO ODEBRECHT: Esse montante de R$ 40 milhões já é liquido do valor de R$ 50 milhões que eu tinha me comprometido com Guido Mantega por conta do pleito do ‘Refis da Crise’]”.
Ou seja, tratava-se de um saldo de propina, por conta da Medida Provisória que beneficiou a Odebrecht com redução de impostos. A emissão da Medida foi negociada não somente com Mantega, mas diretamente com Lula – por Emílio Odebrecht, pai de Marcelo e presidente do conselho de administração do Grupo, segundo seu depoimento ao juiz Sérgio Moro, no dia 5 de junho deste ano.
Mas, continuemos com o depoimento de Marcelo Odebrecht:
“… tendo em vista o papel relevante de Lula no PT, eu tinha certeza que existiriam futuras demandas para pagamentos a Lula mesmo no Governo Dilma. Ou seja, porque Lula continuaria a ter grande influência no PT e no Governo Federal que estava se formando, era de interesse mantê-lo atendido em qualquer demanda financeira, no contexto da conta-corrente com o PT/Governo Federal.
(…)
“… os valores alocados na subconta ‘Amigo’ começaram sendo usados a pedido de Palocci, que deixava claro que era para o ex-Presidente Lula. A operacionalização de alguns desses pagamentos era realizada em geral por Brani [Branislav Kontic, braço direito de Palocci].
“Um dos valores (…) que inicialmente foi abatido da subconta ‘Amigo’ foi o valor de aproximadamente R$ 12 milhões que seria destinado à aquisição do terreno para a construção do prédio do Instituto Lula (“Prédio IL”). (…)
“… concluí que o então Presidente Lula teve conhecimento desse provisionamento porque, quando veio o pedido para aquisição do terreno destinado à construção do Instituto Lula, deixei claro para Paulo Okamoto e Bumlai que o valor da aquisição seria descontado do provisionamento que eu havia combinado com Palocci.
(…)
“A movimentação explicitada nas posições da Planilha Italiano de 31/07/2012, 22/10/2013 e 31/03/2014 demonstra, com certeza, que os usos do ‘Programa B’, constante da Planilha ‘valores’, foram destinados a Lula, tanto assim que foram debitados da subconta ‘Amigo’.
“No ano de 2014, abati da subconta ‘Amigo’ o valor de R$ 4 milhões referente à doação ao Instituto Lula, demonstrando, mais uma vez, a conexão entre a subconta ‘Amigo’ e os pagamentos em benefício do ex-Presidente Lula.
(…)
“Eu tinha receio que Lula viesse nos pedir mais valores para campanha presidencial de 2010, achando que tínhamos doado pouco, esquecendo que já estávamos contribuindo desde 2008. Falei com meu pai que alertasse Lula sobre este tema, dizendo a Lula que havíamos doado, desde 2008, por volta de R$ 200 milhões ao PT, sendo R$ 100 milhões acertados entre mim e Palocci e aproximadamente R$ 100 milhões acertados diretamente entre meus executivos com Vaccari ou diretamente com candidatos do PT.
(…)
“Posteriormente, Palocci veio a mim e referiu que Lula havia dito a ele que o valor que pagamos ao PT, desde 2008 e até aquele momento, era de R$ 300 milhões. Como o valor que eu havia acertado com Palocci era de R$ 200 milhões, ele estava me cobrando os R$ 100 milhões supostamente faltantes.
“Eu disse que não, e expliquei que Lula havia entendido errado a informação de meu pai (ou então Lula ou Palocci estavam tentando ‘jogar verde para colher maduro’). Reforcei com Palocci que o que eu havia dito a meu pai era que dos R$ 200 milhões, metade teria sido um acerto entre nós e a outra metade um acerto vindo dos meus executivos.
“Palocci me pediu que meu pai esclarecesse esse tema com Lula para que ele não ficasse cobrando dele (Palocci) os R$ 100 milhões faltantes. Anotei, inclusive, isto, para pedir a meu pai que esclarecesse esta questão para Lula [NOTA: Marcelo Odebrecht anexou ao depoimento esta anotação: “Meet PR – 200 inclui 100. Não 300. Ou 100 Vac”]. Depois de algumas idas e vindas (a meu ver com Palocci tentando arrancar mais R$ 100 milhões de mim), Palocci deixou de abordar o tema.
“A minha intenção era que todos os pagamentos feitos pelo nosso Grupo à Lula, após o seu mandato, fossem abatidos desta subconta ‘Amigo’, mas sei que meu pai, Emílio Odebrecht, e/ou Alexandrino Alencar, autorizavam outros pagamentos, que não eram abatidos desta subconta, dos quais eu nem era comunicado, nem conhecia detalhes, como ocorreu, por exemplo, com os pagamentos referentes à reforma do Sítio de Atibaia, pagamentos ao Instituto Lula (palestras, doações), e viagens de jatos particulares do ex-Presidente”.
Além da anotação a que nos referimos, Marcelo Odebrecht juntou a este anexo do seu depoimento os seguintes documentos:
1) Três posições da Planilha Italiano (31/07/2012, 22/10/2013 e 31/03/2014), contendo a “Composição do Saldo” da subconta “Amigo”, mostrando a relação das doações ao Instituto Lula com a conta de propinas do seu patrono na Odebrecht.
2) Recibos de doações feitas pela Odebrecht ao Instituto Lula;
3) E-mails com referência ao “Amigo”, contendo agenda de assuntos envolvendo projetos da Odebrecht;
4) E-mail interno evidenciando influências do Grupo Odebrecht na formação/manutenção da equipe do Governo Lula.
Havia, além de Emílio Odebrecht, outro membro do Grupo que era especialmente íntimo de Lula: Alexandrino Alencar.
Em seu depoimento à força-tarefa da Operação Lava Jato, Alencar fez um resumo de sua relação “profissional” – ele era diretor de relações institucionais da Construtora Norberto Odebrecht, ou seja, chefe do departamento de lobby – com Lula, durante 20 anos:
“… após ter participado ativamente junto ao Ex-Presidente Lula em questões de interesse da Companhia por duas décadas, posso concluir que os benefícios narrados – a obra realizada no sítio em Atibaia; a compra de imóvel para o Instituto Lula; as doações feitas ao Instituto Lula; as contratações das palestras; o atendimento do pedido de contratação da empresa Exergia, de seu sobrinho Taiguara Rodrigues; a ajuda de custo ao ‘Frei Chico’ e a Paulo Okamoto; e também ao filho Luis Cláudio, através da Touchdown, bem como a viabilidade da construção da Arena Corinthians – foram uma contrapartida ao apoio e à influência política recebidos ao longo do tempo, pelo atendimento de questões de interesse da Companhia, bem como uma aposta na ajuda que ele continuaria a dar aos interesses da Companhia em razão de sua expressiva liderança política”.
Contrapartida de quê, especificamente?
Por exemplo:
“… houve no início do Governo Lula, um pedido da Odebrecht para que fosse removido o diretor de abastecimento da Petrobrás, Sr. Rogério Manso, o qual resistia a elaborar um contrato de longo prazo de nafta, matéria-prima fundamental para indústria petroquímica, fator extremamente importante de competitividade para empresa; o depoente se recorda que em 2003, numa reunião no Palácio da Alvorada, na presença de Lula, Antonio Pallocci e José Eduardo Dutra foi apresentado um cenário do setor petroquímico e também as áreas de resistência que o grupo empresarial tinha na Petrobrás, especificamente na Diretoria de Abastecimento;
“… depois de algum tempo, houve a mudança do Diretor de Abastecimento, tendo assumido o cargo Paulo Roberto Costa; a partir daí, os assuntos de interesse da Odebrecht passaram a ser tratados de forma mais objetiva, sendo que o contrato de longo prazo de nafta foi celebrado em 2009;
“… recorda que em uma viagem que fez ao Panamá com o Presidente Lula, este comentou que a Odebrecht deveria ser-lhe grata pela consolidação da Braskem, só possível em virtude da atuação dele” (cf. MPF, Termo de Declarações de Alexandrino de Salles Ramos de Alencar, 05/05/2017).
O contrato de fornecimento de nafta da Petrobrás com a Braskem, em 2009, a um preço bastante favorecido, é um dos escândalos desse escândalo – as irregularidades foram detectadas pela própria Petrobrás (cf. Petrobrás, Relatório Final da Comissão Interna de Apuração instituída pelo DIP DABAST 46/2015, pp. 28 a 33).
Portanto, em seu depoimento, Alencar estava falando de algo bastante concreto – e que ele conhecia bem, pois era ex-diretor da Braskem.
É interessante o relato de Alencar sobre as origens de sua relação com Lula;
“Conheci o Ex-Presidente Lula por volta de 1994 por meio do Dr. Emílio Odebrecht. O Grupo Odebrecht, especialmente Dr. Emílio Odebrecht, sempre teve relação com Lula, mesmo antes dele ser Presidente da República e já tendo sido candidatado e perdido eleições presidenciais.
“Eu e Lula críamos uma relação profissional, de respeito e até pessoal. Dentre as minhas atribuições estava a de cultivar e fortalecer os vínculos institucionais da Companhia com ele, visando alavancar cada vez mais novas oportunidades, solidificando o crescimento orgânico com o Grupo, não só nas áreas que atuava, mas em novas frentes.
“Desde então, ou seja, nos últimos 20 anos, tive frequente interlocução com Lula na relação com o Grupo. Em razão desta proximidade, eu compareci a diversos eventos em que Lula esteve presente. No período em que Lula foi Presidente da República, conversávamos, junto com Emílio Odebrecht, sobre agendas institucionais, sobre questões políticas e também sobre assuntos estratégicos de interesse empresarial do Grupo.”
MOVIMENTOS
Porém, antes que se diga que “nada há de ilegal” aqui porque “delações não são provas” (como disse Lula, em nota do instituto quem leva o seu nome), voltemos às provas materiais.
O Laudo nº 0620/2016, realizado pelos peritos João José de Castro B. Vallim e Ior Canesso Juraszek, da PF, elucida vários pontos da operação inicial desse caso – a compra do terreno para o Instituto Lula, cuja “sobra” foi usada para a compra do apartamento vizinho ao de Lula.
Dizem os peritos:
“… em meio aos materiais apreendidos durante a 24ª Fase da Operação Lavajato, foi identificada uma série de comunicações eletrônicas impressas, relacionadas à compra de um imóvel situado na Rua Dr. Haberbeck Brandão nº 178, com valor de venda mencionado de R$ 10 milhões mais o valor para pagamento de dívidas junto à Prefeitura, superiores a R$ 2,3 milhões, em um total de R$ 12,3 milhões”.
Além de uma pasta “arrecadada no Sítio de Atibaia/SP”, com um projeto arquitetônico de “reforma de um imóvel situado à Rua Doutor Haberbeck Brandão, nº 178”, há uma série de e-mails impressos, apreendidos na residência de Lula, sobre esse imóvel. Além disso:
“Foi também identificado em meio ao material apreendido na residência do ex-presidente, um contrato de opção de compra, assinado por Roberto Teixeira [advogado e compadre de Lula], onde consta como outorgante a empresa ASA Agência Sul Americana de Publicidade e Administração e como outorgado a pessoa de José Carlos Bumlai, representado por Roberto Teixeira”.
Quanto à participação da Odebrecht nessa transação, diz o Laudo Pericial:
“… em meio aos materiais apreendidos na sala de Marcelo Odebrecht e de sua secretária, Darci Luz, foram identificados dois arquivos relativos ao imóvel em questão.
“O primeiro trata-se de um documento de texto com nome ‘Edificio.docx’ cuja origem encontrava-se no e-mail ‘Imprimir em BSB só o texto word e mandar deputado’. Ao longo do documento apreendido são feitas menções à aquisição de um terreno da empresa ASA, para construção do prédio do Instituto. Consta, ainda, no corpo do documento, uma preocupação em relação aos riscos que a DAG Construtora poderia estar exposta.
“O segundo documento refere-se a um e-mail de título ‘Fw’, onde aparece uma sequência de comunicação entre Marcelo Odebrecht e Branislav Kontic. Os e-mails discutem a melhor maneira de atualizar o ‘Chefe’. Esse e-mail tem cronograma sequencial ao documento ‘Edificio.docx’, descrito anteriormente”.
Em seguida, os peritos descrevem a documentação conseguida nos cartórios de São Paulo. Por essa documentação, fica clara a movimentação:
1) “… o imóvel achava-se registrado em nome da ASA Agência Sul Americana de Publicidade e Administração até a data de 10/02/2011”;
2) Nesta data, “foi registrada sua venda à D.A.G. Construtora, pelo valor de R$ 6.875.686,27 (seis milhões, oitocentos e setenta e cinco mil, seiscentos e oitenta e seis reais e vinte e sete centavos)”;
3) “… os Peritos identificaram um segundo registro de compra e venda, desta feita entre a vendedora D.A.G. Construtora e a compradora Odebrecht Realizações – Empreendimento Imobiliário Ltda., registrada no cartório de imóveis em 30/05/2014, apesar da venda ter sido escriturada na data de 28/09/2012”;
4) Quanto a esta última transação, “constam dois valores registrados na matrícula, um de R$ 7.200.000,00 (sete milhões e duzentos mil de reais) relativo a um compromisso de compra e venda e outro de R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais) relativo a uma cessão”;
5) Mas existe mais uma transação: “um último registro de venda da propriedade, datado de 18/11/2014, agora entre a vendedora Odebrecht Realizações – Empreendimento Imobiliário Ltda. e a compradora Mix Empreendimentos e Participações Ltda., pelo valor de R$ 12.602.230,16 (doze milhões, seiscentos e dois mil, duzentos e trinta reais e dezesseis centavos)”.
O CHEFE
Por fim, algumas observações e conclusões dos peritos (cf. Laudo de Perícia Criminal Federal nº 0620, 08/04/2016):
“… o terreno foi objeto de negociação para atender interesses do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma vez que foi identificada, em sua residência, comunicação com tratativas para compra da propriedade, mediadas por Roberto Teixeira e tendo como promitente comprador José Carlos Bumlai.
“… o imóvel foi adquirido pela empresa DAG Construtora e posteriormente pela Odebrecht Realizações.
“Segundo é expresso por Marcelo Odebrecht, em suas comunicações eletrônicas, o imóvel seria destinado à construção do prédio do Instituto.
“Ademais, nota-se que o valor de R$ 12,3 milhões para aquisição do imóvel (constante dos e-mails das negociações imobiliárias entre fevereiro e junho de 2010), é compatível com o valor registrado de R$ 12,4 milhões anotados em favor do Prédio (IL), nas planilhas apreendidas com o funcionário da Odebrecht, Fernando Migliaccio da Silva.
“… salienta-se a preocupação de Marcelo Odebrecht para que o processo de aquisição do imóvel para construção de um Instituto seja submetido à apreciação de pessoa localizada em Brasília, denominada por ‘Chefe’.”
“Os Peritos identificaram a participação direta de Roberto Teixeira, José Carlos Bumlai e Marcelo Bahia Odebrecht nas negociações para compra do imóvel”.
4
Detenhamo-nos, brevemente, sobre o significado político das provas dos crimes de Lula que até agora expusemos. Um resumo interessante – ainda mais porque pretende ser favorável a Lula – pode ser encontrado neste trecho do depoimento de Emílio Odebrecht, presidente do conselho de administração do Grupo Odebrecht:
“Lula sempre teve boa vontade em ouvir os pleitos da Odebrecht; (…) cita, como exemplo de atuação do ex-Presidente da República, o compromisso com a organização em não reestatizar o setor petroquímico; ocorreram investidas da Petrobrás para a estatização, e, sem dúvida, houve uma atuação para evitar a estatização do setor petroquímico; (…) teve várias outras conversas com Lula sobre o assunto, pois a Petrobrás, vez ou outra, apresentava recaídas quanto à questão” (cf. MPF, Termo de Declarações de Emilio Alves Odebrecht, 20/04/2017).
Resta dizer que a Petrobrás foi obrigada a um “acordo”, quanto ao preço da nafta para a Braskem – o braço petroquímico do Grupo Odebrecht –, lesivo aos interesses da estatal, portanto, lesivo ao interesse público, depois que a área técnica e a diretoria executiva da estatal, no dia 12/03/209, haviam recusado a proposta.
O que redundou em um prejuízo, para a Petrobrás, de US$ 1.820.000.000,00 (um bilhão e 820 milhões de dólares). Os detalhes estão em nosso livro sobre esse escândalo (cf. Carlos Lopes, “Os Crimes do Cartel do Bilhão contra o Brasil: o esquema que assaltou a Petrobras”, Fundação Instituto Claudio Campos, 2016, pp. 32-49).
Quem fez a Petrobrás assinar um “acordo” lesivo aos seus interesses, contra a sua própria diretoria?
Quem era o “amigo” de Emílio Odebrecht?
Permanece a verdade: a corrupção é sempre de direita. Não foi para defender o país, ou o povo, que Lula recebeu suas “contrapartidas” da Odebrecht – ou da OAS.
PREPOSTO
Para encerrar o tópico da propina da Odebrecht nos casos do terreno para o Instituto Lula e do apartamento vizinho ao que Lula tem em seu nome – e reside, em São Bernardo do Campo – mencionemos um personagem que parece estar em todo lugar nos negócios lulianos (ou lulistas): o sr. José Carlos Bumlai.
Bumlai, entre outras coisas, foi nomeado por Lula para o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), sem nenhuma representatividade que justificasse a nomeação – depois, em depoimento à PF, Bumlai disse que sua nomeação foi devida a seus “conhecimentos atinentes a questão agrícolas e de reforma agrária” (cf. PF, Auto de Qualificação e Interrogatório de José Carlos Costa Marques Bumlai, 14/12/2015, p. 8).
Bumlai – envolvido em grilagem de terras, e, especificamente, na tentativa de extermínio dos índios guarani-caiovás – deve ter ideias muito interessantes sobre a reforma agrária…
Mas também sobre a reforma urbana: é Bumlai – representado pelo advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula – que assinou o Contrato de Opção de Compra com a então proprietária do terreno onde se pretendia instalar o Instituto Lula. É um primo também de Bumlai que recebe R$ 800 mil nessa transação do terreno. O mesmo primo que colocou em seu nome o apartamento vizinho ao de Lula, repassando R$ 504 mil para sua compra, permitindo que a residência de Lula dobrasse de tamanho.
Após o depoimento de Bumlai ao juiz Moro, em 9 de maio deste ano, o advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, emitiu nota, em que diz: “Ao depor, o empresário José Carlos Bumlai deixou claro que Lula jamais solicitou qualquer intervenção sua objetivando a aquisição do imóvel da Rua Haberbeck Brandão 178, em São Paulo. Mais ainda, Bumlai informou que lhe foi pedido que não comentasse esse assunto com Lula”.
Ele somente esqueceu de dizer que, para livrar Lula, Bumlai jogou a culpa sobre Dª Marisa Letícia – que não está mais viva para contestar, ou não, as declarações do amigo de Lula.
O mesmo comportamento, aliás, do próprio Lula, no caso do triplex, em seu depoimento ao juiz Moro.
Mas é verdade que, em depoimento anterior, perante a PF, no dia 31/05/2016, Bumlai já dissera a mesma coisa. Mas isso não torna essa versão menos inverossímil. Apenas, ressalta a covardia de se esconder atrás de Dª Marisa, para que Lula fuja das próprias responsabilidades.
Vejamos alguns trechos do depoimento de Bumlai à PF:
“… no ano de 2010, Marisa Letícia Lula da Silva trouxe ao declarante a ideia de se constituir um espaço institucional para Luiz Inácio Lula da Silva. Este espaço seria destinado à formação de um museu no qual seriam armazenados para exposição os presentes e demais itens que Luiz Inácio Lula da Silva ganhou no período em que exerceu o cargo de Presidente da República. Além disso, o espaço possuiria um escritório para o ex-Presidente receber convidados e atender demandas variadas; a ideia da criação deste espaço para o ex-Presidente Lula seguiria os moldes do Instituto Fernando Henrique Cardoso;
“… Marisa Letícia Lula da Silva solicitou ao declarante que ele deveria procurar empresários dispostos a participar financeiramente e ideologicamente do projeto;
“… havia determinação de Marisa para que tal assunto não fosse levado a Luiz Inácio Lula da Silva pelo declarante e por outras pessoas, até que o tema fosse tratado diretamente por ela com o ex-Presidente;
“… a primeira pessoa com quem o declarante conversou sobre a implementação desta ideia foi Marcelo Bahia Odebrecht;
“… tampouco tratou de tal tema com Luiz Inácio Lula da Silva;
“… à época de trais tratativas, o declarante não tinha ciência de que seria demandado para ser o comprador do terreno que seria escolhido para implementação da ideia;
“… inicialmente, o declarante foi informado por Marisa Letícia Lula da Silva que deveria apenas gerenciar a ideia de implementação do espaço institucional criado para Luiz Inácio Lula da Silva;
“… soube somente em momento posterior que deveria ser o responsável pela aquisição de um terreno para tanto;
“… Roberto Teixeira informou que iria contratar uma corretora de imóveis para que procurasse um terreno apto para a implementação do Instituto Lula;
“… se recorda que chegou a visitar o local escolhido pela corretora;
“… Roberto Teixeira indagou posteriormente ao declarante se ele poderia adquirir o terreno, tendo o declarante dito que não possuía disponibilidade financeira para tanto;
“… soube recentemente, por intermédio de imprensa, da existência de um documento em que o declarante outorga a Teixeira tratar da aquisição do terreno em questão;
“… nunca assinou ou consentiu com a confecção de tal documento;
“… indagado se o declarante informava a Marisa Letícia Lula da Silva o andamento da implementação do projeto do Instituto Lula, respondeu que não;
“… segundo Marisa Letícia Lula da Silva, Luiz Inácio Lula da Silva não sabia de tais tratativas;
“… o declarante tinha ciência de que Luiz Inácio Lula da Silva tinha a necessidade de possuir um espaço, para quando deixasse o cargo de Presidente, para armazenar itens, presentes e demais objetos que ganhou durante o exercício da função;
“… contudo, Luiz Inácio Lula da Silva não sabia das questões logísticas para a construção de tal espaço”.
Por pouco Bumlai não diz que o Instituto Lula era uma organização clandestina que Dª Marisa estava montando.
Como se a então primeira-dama tivesse o poder de ordenar a Marcelo Odebrecht que liberasse parte da propina de Lula (na conta “Amigo”) para a compra do terreno do Instituto Lula – e do apartamento em São Bernardo…
INFLUÊNCIA
Vejamos outro processo em que Lula é réu – por lavagem de capitais, tráfico de influência e organização criminosa -, este na 10ª Vara Federal, em Brasília, que tem como titular o juiz Vallisney de Souza Oliveira.
Trata-se de um dos processos derivados da Operação Zelotes, que investigou a corrupção no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), um monstrengo criado pelo governo Lula em 2009, com a função de julgar recursos de contribuintes (leia-se, empresas) que foram autuadas pela Receita Federal por sonegação de impostos.
O Carf era composto por mais de 200 conselheiros (hoje são 130), metade dos quais indicados pelos “contribuintes” (como disse o presidente do Sindifisco Nacional, Cláudio Damasceno, na prática esses conselheiros estão a serviço de empresas – as mesmas, em geral, que têm pendências com a Receita. Por exemplo: Bradesco, Itaú, Santander, Braskem/Odebrecht, Oi/Telemar, Light, Usiminas, Gerdau).
Além disso, o Carf, pela lei do governo Lula, tem uma regra estranha: a União, que representa toda a sociedade, não pode recorrer das sentenças do Carf, que são definitivas quando são a favor das empresas autuadas pela Receita.
No entanto, as empresas podem, se perderem algum recurso no Carf, recorrer à Justiça.
Para completar, em 2013, o governo Dilma aprovou uma lei, impedindo que os conselheiros do Carf fossem processados por suas decisões (Lei 12.833, de 20 de junho de 2013).
Sobre o significado de toda essa montagem para acoitar grandes sonegadores de impostos, deixamos as conclusões aos nossos leitores – mas é verdade que a Operação Zelotes é mais do que eloquente a esse respeito.
CAÇAS
Uma das arapucas – e, nesse caso, não há exagero na palavra – que operavam na compra e venda de conselheiros do Carf era uma certa Marcondes e Mautoni (M&M), um escritório de lobby que tinha como sócios um velho conhecido de Lula ainda da época do movimento sindical, Mauro Marcondes, e sua esposa, Cristina Mautoni (outro chegado a Lula, Gilberto Carvalho, ex-ministro chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, ao depor na investigação, declarou que Lula tem uma “relação de longa data” com Marcondes).
Foi a partir da M&M que se chegou ao caso da compra dos caças Grippen, fabricados pela SAAB, da Suécia, com tecnologia norte-americana – a própria SAAB era uma divisão da General Motors – e ao caso da prorrogação, até 2020, dos incentivos fiscais para montadoras automobilísticas.
E foi aí que Lula apareceu na Operação Zelotes.
Na investigação da M&M, descobriu-se que ela fez nove transferências sucessivas – isto é, mensais – no valor total de R$ 2.552.400,00, para uma empresa chamada LFT Marketing Esportivo, pertencente a Luís Cláudio Lula da Silva, filho de Lula. Essas transferências foram realizadas a partir de junho de 2014.
A origem do dinheiro eram pagamentos para a M&M da SAAB (744.078 euros), da filial da Mitsubishi (R$ 8,4 milhões) e da CAOA/Hyundai (também R$ 8,4 milhões).
O problema é que, mesmo para um antro de lobby, a M&M era peculiar, pois só vendia um produto: literalmente, ela vendia influência junto a Lula.
Por exemplo, em uma apresentação dirigida a Sven Antonsson, presidente da Scania no Brasil, apreendida pela PF, diz Mauro Marcondes: “… eu tenho a convicção que eu posso ajudar muito a empresa e o setor, em função da minha ligação com o Presidente da República, vários Ministros de Estado e as instituições ligadas à indústria”.
Em relação aos caças Grippen, anunciados pelo governo Lula, a SAAB, no governo Dilma, tinha dois problemas.
Primeiro, Dilma se inclinava por mudar a decisão, pois preferia os caças F-18 da Boeing. Não por qualquer razão técnica; meramente, por bajulação aos EUA (os procuradores que fazem a denúncia, nesse processo, não são opostos a essa posição de Dilma. Pelo contrário. No entanto, acham estranho certas frases da então presidenta; por exemplo: “Caro presidente Obama, o Brasil e os Estados Unidos compartilham convergências que podem se traduzir em sintonia de propósitos no presente e no futuro, se para isso dedicarmos o melhor de nossos esforços” – discurso de Dilma Rousseff em 19/03/2011, em almoço com o presidente dos EUA).
O segundo problema é que a SAAB estava com água pelo pescoço, para dizer o mínimo. Inclusive, sua divisão automobilística, a SAAB Automobile, falira em dezembro de 2011.
A solução da SAAB foi contratar Marcondes, o amigo de Lula, para garantir o contrato – que ainda não fora assinado. Segundo o representante da SAAB no Brasil, Bengt Janér, em depoimento ao Ministério Público na Operação Zelotes, seu chefe, na Suécia, disse a ele: “vamos contratar esse cara. Se ele diz que faz o que faz, se o presidente o recebe, se o presidente fala com ele…”. Bengt Janér descreveu, para os procuradores, seu primeiro encontro com Mauro Marcondes, no escritório da M&M, “em sala decorada com fotos de Lula e divulgação de intimidade entre eles”.
Depois de várias gestões, inclusive com a interferência do presidente do Partido Social-democrata sueco, Stefan Löfvén – atual primeiro-ministro da Suécia –, que se comunicou com Lula, via computador, no dia 29/11/2013, foi marcado um encontro (entre Löfvén e Lula) durante o funeral de Nelson Mandela, na África do Sul.
Não sabemos o que houve lá. O que sabemos é que “em 18/12/2013, dezenove dias após os contatos com Lula em 29/11/2013, e nove dias [depois] do funeral de Mandela, em Brasília/DF, o governo brasileiro anunciou a compra de 36 caças supersônicos do modelo sueco Gripen (…). O custo total da aquisição será de US$ 4,5 bilhões, a serem pagos até 2023”.
MALABARISMO
Marcondes poderia estar, como dizem os procuradores, vendendo fumaça aos suecos, exibindo uma influência que não tinha junto a Lula – e a assinatura dos contratos com os suecos ser devida a outros fatores. O que dificulta essa interpretação é o que aconteceu logo depois:
“Conforme previsto no contrato de número 0050 entre SAAB e Marcondes e Mautoni, seriam devidos € 100.000 (cem mil euros) por ocasião da decisão do Governo Brasileiro pelo Gripen. Para saldar o ajustado, foi emitida, em 08/01/2014, a invoice [fatura] nº 26, tendo seu pagamento ocorrido no dia 05/02/2014, cujo valor convertido em moeda nacional foi de R$ 319.672,04.
Doze dias depois, “Luís Cláudio [Lula da Silva] foi ao escritório da M&M. Material computacional apreendido na residência do casal Mauro e Cristina registra a presença. (…) Dois dias após essa reunião, o prestador de serviços jurídicos à M&M, Ricardo Rett, recebe ordem por e-mail de Mauro e Cristina para confeccionar relatórios de acordo com o objeto dos contratos da SAAB”.
O objetivo dessa falsificação de relatórios era encobrir que a única atividade desenvolvida pela M&M em relação aos caças Grippen fora atuar junto a Lula. Essa fraude caiu diante do exame da PF: “O relatório enviado por Ricardo Rett a Cristina é de 19/02/2014, mas se refere a ‘fatos’ de 2010. Porém, os metadados do arquivo ‘Relatório Trimestral – SAAB 2010.docx’ indicam criação desses relatórios em 18/02/2014, assim como o ‘Relatório Trimestral – 2011 – SAAB definitivo.docx’, que foi criado em 28/02/2014” (grifos nossos).
Depois desse malabarismo documental, “novo encontro reuniu Lula, Mauro e Luís Cláudio no Instituto Lula, em 18/03/2014. Dias após, em 02/04/2014, Luís Cláudio foi novamente à sede da M&M. Em 19/05/2014, Luís Cláudio mandou mensagem eletrônica a Cristina para enviar cópias digitalizadas de contratos sociais de suas 02 (duas) empresas, a TOUCHDOWN e a LFT. Na mensagem, ele indicou qual delas deveria servir ao recebimento do dinheiro. Neste momento, foi definida a empresa ‘contratada’ pela M&M, ou seja, aquela cujos dados seriam utilizados para a elaboração dos forjados contratos dissimuladores da origem do dinheiro e natureza dos repasses. Em 02/06/2014, um primeiro falso contrato entre M&M e LFT Marketing Esportivo foi confeccionado”.
Era um contrato no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).
Qual o motivo – isto é, o objeto – do contrato?
“… a elaboração de análise de marketing esportivo para a indústria automobilística nacional, visando a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016”.
Em 26/06/2014, “a M&M efetuou o primeiro pagamento à LFT Marketing Esportivo”.
Mas isso não é tudo, leitor.
5
A relação de Lula com Mauro Marcondes – o lobista, dono da M&M, que abastecia a conta de Luís Cláudio Lula da Silva em troca da influência do pai – é outro ponto revelador, não somente de seu critério político e moral, mas de seu perfil ideológico.
Marcondes foi “gerente de recursos humanos” da Volkswagen e diretor da Scania, ambas em São Bernardo do Campo; foi diretor do Sindicato da Indústria Automobilística (Sindfavea) desde o início dos anos 80 do século passado, e, depois, vice-presidente da ANFAVEA, a entidade que reúne o próprio cartel multinacional da indústria automobilística.
Trata-se de um puxa-saco juramentado de executivos estrangeiros da indústria automobilística. Isso resume a sua carreira, mas, para que o leitor não julgue que estamos exagerando, sugerimos uma olhada na autobiografia do ex-presidente da Volkswagen no Brasil, Wolfgang Sauer, onde, entre outras declarações de Marcondes, está a seguinte pérola: “O dr. Sauer, com sua capacidade de olhar adiante e ver o todo, nos impulsionou com seu entusiasmo e com a sua certeza de que ideias, aparentemente inexequíveis, dependem da força e união de pessoas para se concretizar” (cf. Wolfgang Sauer, “O Homem Volkswagen – 50 anos de Brasil”, Geração Editorial, 2012).
Em outra declaração, também no livro de Wolfgang Sauer, Marcondes revela que o movimento sindical brasileiro começou com o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Literalmente: “Começou na década de 70. O operário brasileiro não tinha o hábito de reivindicar nada. A partir da formação do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, os sindicalistas começaram a fazer uma verdadeira catequese, e isso era feito dentro das igrejas. Criaram um livreto com o nome: ‘Os Dez Mandamentos do Sindicalista’. Era um manual completo das formas de reivindicações. Até então, ninguém acreditava em greve”.
Para quem já ouviu Lula, ou alguns petistas, falando essa mesma besteira, resta saber quem influenciou quem. Mas isso é até pouco importante, diante do que essa “influência” significa: pois não é difícil concluir quem estava a serviço de quem, na tentativa de anular décadas e décadas de luta dos operários brasileiros.
Por fim, eis como o mesmo Mauro Marcondes, também no livro do ex-presidente da Volkswagen, descreve a prisão de Lula, em 1980:
“No sindicato de São Bernardo, havia pessoas de todas as tendências políticas. Eram a extrema esquerda, centro-esquerda, socialistas, intelectuais. Tudo ali se misturava – divergências políticas, interesses políticos diversos -, tornando difícil fazer com que a instituição caminhasse em uma determinada direção. O Lula era o controlador de tudo aquilo. Quando ele foi preso por participar de movimentos ilegais, à época, o Sauer juntou-se a outros presidentes de montadoras, e fomos juntos tentar demover o governo da ideia de mantê-lo preso” (grifo nosso).
Sem comentários, voltemos ao mesmo Mauro Marcondes, e ao mesmo Lula, nos dias de hoje – Marcondes já condenado, no primeiro processo a que responde, a 11 anos e 8 meses de cadeia, e Lula condenado a 9 anos e 6 meses de cadeia, também no primeiro processo a que responde.
MEDIDAS
No mesmo processo da propina pela assinatura do contrato com a SAAB, para a compra dos caças Grippen, está, também, a propina pela emissão das Medidas Provisórias nº 471/2009 e nº 627/2013, em privilégio do cartel da indústria automobilística.
O que une ambas as séries de propinas é a ação da M&M – o lobby de Mauro Marcondes e sua esposa, como repassadores.
A MP nº 471/2009 (depois convertida na Lei n° 12.218/2010), do governo Lula, prorrogou até 2015 as isenções fiscais para a indústria automobilística – uma tremenda redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) – estabelecidas em 1997 e 1999 por duas outras leis (as de nos 9.440/1997 e 9.826/1999).
Foram acusados, até agora, 16 pessoas por receber ou pagar propina para a emissão dessa MP – inclusive Mauro Marcondes e sua esposa, sócios da M&M.
Além disso, o que mais chama atenção nesse processo é a participação de uma assessora especial da Casa Civil, Lytha Spíndola, funcionária com uma ascensão muito extraordinária durante os governos Lula e Dilma: com origem na Receita Federal, ela foi nomeada, em 2005, para o cargo de Adido Tributário e Aduaneiro na Embaixada do Brasil em Washington; em 2007, voltou ao Brasil porque foi nomeada Secretária Executiva da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX), provavelmente o cargo mais importante do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, depois do próprio ministro.
Lytha Spíndola era membro do grupo de Palocci, operador de Lula – aliás, na edição de outra MP que favorecia as multinacionais da indústria automobilística (a MP nº 512), ela atuou junto com Branislav Kontic, o notório “Brani”, depois preso pela Operação Lava Jato, que era o escudeiro de Palocci (e, na época, também assessor na Casa Civil).
Esse processo é importante, até pelos valores: só a Mitsubishi escapou de pagar R$ R$ 265.502.036,88 (duzentos e sessenta e cinco milhões, 502 mil, 36 reais e 88 centavos) ao fisco (em valores atualizados – e arredondados – são R$ 600 milhões), além de obter uma isenção de impostos, com a Medida Provisória n.º 471/2009, de R$ 879.500.000,00 (oitocentos e setenta e nove milhões e 500 milhões de reais).
Mas, não vamos nos deter mais nessa medida provisória – nem na MP nº 512/2010, que contemplava os interesses da Ford, inclusive anulando um processo fiscal. Basta dizer, aqui, que três dos principais acusados são os mesmos, tanto no caso da MP nº 471/2009 quanto no caso da MP nº 512/2010: o casal Mauro Marcondes/Cristina Mautoni e Lytha Spíndola – a integrante do grupo de Palocci.
E, antes que nos esqueçamos, tanto uma quanto a outra MP foram assinadas por Lula, depois de passar por Dilma, que era a chefe da Casa Civil.
Quanto às provas, é difícil encontrar tantas provas documentais como as que existem nesses processos, pois os principais réus tinham – se é que tinham – muito pouca preocupação com a polícia ou com a Lei e a Justiça. Não só parecem ter certeza da impunidade, como parecem achar que roubar, receber propina, é uma atividade legítima para quem está no governo.
ISENÇÕES
Na Medida Provisória n° 627, assinada por Dilma em 2013 (e convertida na Lei n° 12.973/2014), estava embutida a prorrogação até 2020 das isenções fiscais anteriores para a indústria automobilística.
Com isso, privilégios – bárbaras reduções de impostos – para as multinacionais automobilísticas, estabelecidos pelo governo Fernando Henrique em 1997, foram estendidos por nada menos que 23 anos (até 31 de dezembro de 2020) pelos governos Lula e Dilma.
Às custas, evidentemente, do Estado – da Saúde, da Educação, da Defesa, da Segurança, do investimento público produtivo, etc.
Relatam os procuradores Frederico Paiva, Hebert Reis Mesquita e Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, em sua denúncia ao juiz federal Vallisney de Souza Oliveira:
“O relator designado para o processo legislativo de conversão da MP n° 627/2013 foi o então deputado federal Eduardo Cunha.
“A prorrogação dos benefícios fiscais, tal como pretendida pela MMC [Mitsubishi Motors] e CAOA [Hyundai], não constava da redação da MP n° 627/2013 e nem do texto do primeiro relatório apresentado por Eduardo Cunha.
“Porém, no Relatório de Complementação de Voto apresentado em 25/03/2014, Cunha incluiu no projeto de lei de conversão o artigo 100”, que ampliava a vigência dos privilégios até 2020, “desejo da MMC e CAOA”.
O problema da Mitsubishi e da montadora terceirizada da Hyundai (CAOA) era o Ministério da Fazenda, que não estava concordando com a prorrogação dos privilégios fiscais.
Aqui, entrou o antro de lobby do amigo de Lula, a M&M, de Mauro Marcondes.
Em uma anotação manuscrita, apreendida no escritório da M&M, consta o seguinte:
“Maciel e Robert
“MF com problemas
“Maciel
“Parecer: Hamilton Dias de Souza
“LL barbudo soh perdeu 40h por casa que ele estaria
“MM – Executivo
“Trio – Art 100
“Fazenda não quer fazer. Soh vai fazer se o LL mandar fazer
“falou do filho que a Caoa deve 300 mil por ano futebol americano – MM falou que tira da parte dele
“Guido, Aloisio e Presidente são as 3 pessoas que vao dar a canetada
“Na cabeça dos Caoa e MMC soh se o LL mandar
“perspectivas
“e Hamilton paper”
São anotações de uma reunião.
“Maciel” é Antônio dos Santos Maciel Neto, presidente da CAOA/Hyundai.
“Robert” é Robert de Macedo Soares Rittscher, presidente da MMC (Mitsubishi Motors) no Brasil.
“Hamilton Dias de Souza” era (e é) um advogado tributarista, contratado pela Mitsubishi.
“MF com problemas” e “Fazenda não quer fazer”, obviamente, “significa que os técnicos do Ministério da Fazenda estavam impondo dificuldades à aprovação do projeto de conversão da MP com a prorrogação do benefício fiscal”.
“LL barbudo” é Lula. Diz o Ministério Público Federal:
“A frase Fazenda não quer fazer. Soh vai fazer se o LL mandar fazer significa a divulgação às clientes de que as dificuldades impostas pelos técnicos do Ministério da Fazenda só estariam superadas se Lula interviesse junto ao governo de Dilma Rousseff.
“A frase falou do filho que a Caoa deve 300 mil por ano futebol americano significa que a empresa CAOA estava a pagar e pagaria de modo perene R$ 300.000 (trezentos mil) anuais à Touchdown, empresa de Luís Cláudio [Lula da Silva], sob dissimulado patrocínio de evento de futebol americano.
“Da locução falou do filho, infere-se que Lula estaria cobrando de Mauro o pagamento desses trezentos mil reais ao filho.
“MM falou que tira da parte dele: Mauro Marcondes pagaria do seu bolso esse valor de trezentos mil reais atrasados”.
[No material apreendido pela PF há referência a que Marcondes, em alguns casos, recebeu dinheiro das empresas e não repassou a parte dos corruptos passivos. Embora, é verdade, os processos da Operação Zelotes mostram um tal “submundo” (como dizem os procuradores), que há fatos – aqueles oriundos das brigas entre os ladrões – impossíveis de saber com certeza. Por exemplo, em um e-mail enviado ao presidente da Mitsubishi no Brasil, a 15 de outubro de 2010, pode-se ler: “(Mauro Marcondes) vem desviando recursos os quais não tem chegado às pessoas devidas. Inclusive, comunico ao senhor do acordo fechado para a aprovação da MP 471, valor este de seu conhecimento, que o Sr. Mauro alega ter entregado a pessoas do atual governo, PT, a quantia de R$ 4 milhões, o qual não é verdade; sem contar outros fatos”. Em seguida, a mensagem exige US$ 1,5 milhão para não revelar as propinas pagas pela Mitsubishi. O autor é um extorsionário a serviço do notório (e sinistro) Alexandre Paes dos Santos, o APS, aquele lobista que, entre outros casos, atuava na gestão Serra, no Ministério da Saúde, e que, depois, cedeu um escritório para outro filho de Lula, Fábio Luís, e seu sócio, Kalil Bittar, em Brasília.]
Mas, continuemos:
“Guido, Aloisio e Presidente são as 3 pessoas que vão dar a canetada e Trio: Guido Mantega, Aloísio Mercadante e Dilma Rousseff, respectivamente, ministro da Fazenda, ministro-chefe da Casa Civil e presidente da República, eram as três autoridades a determinar a prorrogação dos benefícios fiscais até 2020, dentro de suas respectivas esferas de atuação.
“Art. 100 é o artigo inserido no projeto de conversão da MP por Eduardo Cunha que prorrogaria os benefícios até 2020.
“A intenção era divulgar à MMC e à CAOA que Lula influenciaria o trio para que não houvesse veto desse artigo”.
Não há, nessa tradução das anotações apreendidas no escritório de Mauro Marcondes (M&M), realizada pelos procuradores, nenhuma ilação. O significado é tão óbvio que até dispensa a tradução – ou dispensaria, se não fosse o conhecimento, que ninguém é obrigado a ter, sobre quem são os presidentes da Mitsubishi Motors (MMC) e da CAOA/Hyundai.
Portanto, não é aí que reside a questão, mas, como no caso dos caças da SAAB, na participação real de Lula nesse embrulho propinesco.
SUCESSO
A questão, portanto, é se a M&M repassou propinas da Mitsubishi e da CAOA/Hyundai para Lula.
A resposta é a seguinte:
“Luís Cláudio [Lula da Silva] declarou à Polícia Federal que recebia cotas de patrocínio para torneios de futebol americano por sua empresa Touchdown.
“Entre 2012 e 2013, ele recebeu R$ 516.175,00 da Hyundai CAOA do Brasil Ltda.
“O conteúdo da locução falou do filho que a CAOA deve 300 mil por ano futebol americano – MM falou que tira da parte dele foi comprovado pelo crédito de R$ 300.000,00, em 23/03/2015, à LFT pela Marcondes e Mautoni [M&M], pagamento esse feito sem base em nenhum contrato entre as empresas, como apurou o RA n° 21/2016 da COGER/MF [Relatório de Análise n° 21/2016 da Corregedoria do Ministério da Fazenda]”.
Somente para ressaltar: a propina referida nas anotações de reunião, apreendidas na sede da M&M, foi achada na conta de uma empresa de um dos filhos de Lula. Este filho se dedicava a um esporte, como se sabe, de muito sucesso no Brasil, o futebol americano…
Bem, leitores, o futebol americano pode não ter empolgado os brasileiros, mas empolgou o patrimônio pessoal de Luís Cláudio Lula da Silva, que aumentou 770% entre junho de 2014 e março de 2015. Os procuradores anexam uma farta documentação – trocas de e-mails, extratos bancários, contratos, etc., etc. – para provar as acusações.
Há, também, um depoimento que, além da importância intrínseca – pois foi realizado por um senador do PT e líder do governo Dilma no Senado – confirma as provas documentais apreendidas pela PF:
“O MPF ressalta os trechos da colaboração premiada do ex-senador Delcídio do Amaral, homologada pelo Supremo Tribunal Federal, em que relata que Lula lhe pediu que visse, como Líder do Governo, a questão de Mauro Marcondes e de sua esposa, a propósito de requerimentos de convocação de ambos, formulados no âmbito da CPI do CARF, e que soube que Mauro Marcondes e Lula são próximos e amigos há bastante tempo; que Mauro Marcondes atua como lobista em vários segmentos, inclusive tinha atuação preeminente na aquisição dos caças Gripen, de origem sueca; e que ele atuou também em edições de Medidas Provisórias voltadas a conceder benefícios fiscais” (cf. Processo N° 0074802-27.2016.4.01.3400 – 10ª Vara Federal, Decisão, 16/12/2016, p. 8).
6
Para uma síntese do processo que abordamos na última edição – isto é, para facilitar a nossa exposição e a compreensão do conjunto – vamos seguir o resumo do material, realizado pelo juiz Vallisney de Souza Oliveira:
“… a empresa Marcondes e Mautoni (M&M) (de propriedade dos denunciados Mauro Marcondes e Cristina Mautoni) repassou numerários bancários à LFT Marketing Esportivo, cujos únicos sócios são Luís Cláudio [Lula da Silva] (99,9%) e a sua esposa, no total de R$ 2.252.400,00, sem qualquer prova de trabalho.
“Os valores totais acordados, mediante contrato não correspondente à realidade dos acontecimentos, era de R$ 4.000.000,00 da M&M, que não foi pago (totalmente) em face da deflagração da Operação Zelotes, da Polícia Federal, em 26.03.2015, situação que inibiu os acusados de obterem o exaurimento do acordado entre eles, não tendo, assim, Luís Cláudio [Lula da Silva] recebido todos os valores constantes dos contratos que se tem até agora como fictícios.
“Efetivamente foram transferidos (…) R$ 2.252.400,00 (dois milhões duzentos e cinquenta e dois mil e quatrocentos reais), que adviriam como repasse das empresas MMC, CAOA e SAAB, clientes da M&M, cujos contratos não correspondem à verdade, uma vez que, pelas circunstâncias do lugar, das datas e das reuniões e trocas de e-mails, e demais elementos probatórios do evento, se deram, na verdade, em razão do tráfico de influência que se manifestaria no propalado apoio e a ingerência do ex-presidente Luiz Inácio [Lula da Silva] na aprovação de Medida Provisória em Benefício das duas empresas [MMC e CAOA] e ainda na escolha Presidencial de aviões caças em benefício da terceira Multinacional [SAAB].
“… Luís Cláudio, filho do ex-presidente Lula, (…) somente foi escolhido para ser beneficiário da falsa avença, por ser filho e pelos contatos diretos com seu pai, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva.
“(…) As empresas Touchdown e LFT, de Luís Cláudio Lula da Silva, foram utilizadas para dissimular os recebimentos de valores resultantes dos ilícitos, além de ter havido diversos encontros pessoais entre Luís Cláudio e Mauro/Cristina em datas contemporâneas ao trâmite do projeto de conversão da Medida Provisória.
“Há indicações de que, entre 26.06.2014 e 23.03.2015, e, depois, em 05.11.2015, Lula, Luís Cláudio, Mauro Marcondes e Cristina Mautoni ocultaram a natureza e a origem de vultosos valores repassados por Mauro e Cristina ao filho de Lula, (…) confeccionando sete contratos fraudulentos de prestação simulada de serviços de consultoria.
“Quanto aos contratos possivelmente fraudulentos, tem-se que a LFT Marketing nunca teve sequer um empregado e que, tal empresa, nada declarou sobre contribuições previdenciárias. Consta, ainda, que a outra empresa, ou seja, a Touchdown, funciona no mesmo local da LFT.
“Consta, também, que o conteúdo do produto apresentado pela LFT tratava-se, em grande parte, de cópia de informações disponíveis na internet, e que as propostas apresentadas pela LFT eram muito singelas, em face da complexa estrutura que envolve o setor de publicidade e propaganda da indústria automobilística nacional.
“… ao ser ouvido pela Polícia Federal, em 05.11.2015, questionado sobre as minutas de contrato apreendidas na M&M, Luís Cláudio [Lula da Silva] nem soube avaliar, em relação a algumas, o custo do projeto, a margem de lucro, e reconheceu que nunca tinha realizado estudo ou projeto contendo o mesmo objeto. Sobre outras, não se recordou se foi formalizada e o projeto foi executado e asseverou que executou os projetos sozinho. Quanto a este ponto, consta da exordial que Luís Cláudio [Lula da Silva], formado em educação física, sem graduação em marketing esportivo, sem especialização no mesmo campo, sem expertise, sem experiência alguma anterior nessa área e sozinho, não poderia prestar tais serviços.
“… a Polícia Federal procedeu à análise técnica (RAP 12/2016) dos serviços de consultoria supostamente prestados à M&M pelas empresas de Luís Cláudio [Lula da Silva] e constatou que tudo não passou de um ‘arremedo de pesquisas feitas no serviço Google e em links do Wikipédia’. Da mesma forma, concluiu a COGER [Corregedoria] do Ministério da Fazenda que tudo foi forjado pelos acusados para dar aparência de legalidade aos repasses feitos pela M&M”.
Por fim:
“Lula e o casal Mauro e Cristina assumiram agendas criminosas comuns que passaram a contar, pelo menos a partir de 17.02.2014, com um quarto integrante, Luís Cláudio. A partir dessa data, além dos contatos telefônicos e por e-mail, há elementos probatórios que apontam quatro encontros pessoais entre Lula, Luís Cláudio e Mauro Marcondes no Instituto Lula, em 18.03.214, 12.05.2015, 13.05.2015 e 25.08.2015 e outros quatro encontros entre Luís Cláudio, Mauro e Cristina na M&M, em 17.02.214, 26.03.2014, 02.04.2014 e 25.06.2014”.
ANGOLA
O caso do sobrinho por afinidade de Lula – Taiguara Rodrigues dos Santos é sobrinho da primeira esposa de Lula –, que apareceu na Operação Janus, é algo além da fronteira do suspeito.
Não apenas porque, nesse caso, não é apenas esse sobrinho que está envolvido, mas também o irmão mais conhecido de Lula, José Ferreira da Silva, o “Frei Chico” – a origem do dinheiro que custeou despesas deste, e de sua família, saíram dos contratos de Taiguara Rodrigues dos Santos com a Odebrecht, em Angola.
Porém, a questão básica é: que influência política tinha Taiguara Rodrigues dos Santos para se articular com o ex-primeiro ministro português José Sócrates – preso pela Operação Marquês em Lisboa, indiciado por “fraude fiscal, branqueamento de capitais, corrupção e tráfico de influências” – e se tornar, sem gastar um níquel, sócio da “Exergia Brasil”, uma suposta subsidiária de uma empresa portuguesa ligada ao grupo de Sócrates, a “Exergia Portugal”?
Na CPI do BNDES, Taiguara Rodrigues dos Santos explicou como se tornou – sem despender um centavo – proprietário de 49% da “Exergia Brasil”, empresa que tinha um único cliente: a Odebrecht em Angola:
“… sou vendedor comercial. É o que eu sei fazer, sei vender. (…) eu sou uma pessoa que foi dedicada à venda a vida inteira, desde os 14 anos de idade. Vendi material de construção, roupa, tive serralheria de alumínio, tudo o que vocês imaginarem que uma pessoa pode fazer para sobreviver eu já fiz.
“E com o passar dos anos foram aparecendo algumas oportunidades, inclusive a que me fez chegar até aqui, que é Angola. (…) Eu fui convidado por um empresário de São Paulo para conduzir um processo para montagem de uma empresa de distribuição de autopeças para caminhões. Angola estava no auge da construção civil, então muitos caminhões do Brasil estavam indo para lá, e sem a manutenção adequada — o País, lá, é um pouco complicado para tudo isso, devido à importação, etc. —, e aí esse empresário teve essa oportunidade, foi convidado e pediu que eu tentasse levar esse projeto adiante. Foi aí que começou a minha saga no Continente Africano.
“Ele foi convidado por um empresário português. (…) Fomos para Portugal, conhecemos o possível sócio. Depois fomos a Angola, conhecemos o país, conhecemos melhor a proposta, o que era, o que iria ser essa distribuidora, e o processo começou a se desenrolar.
“Claro, eu tendo várias vezes que ir para Angola, que estar lá, conheci muita gente, muitos brasileiros. Aquilo é um mundo de oportunidades para trabalho. Quem gosta de trabalho, como eu, tem que estar nesses lugares. Então, a minha história em Angola começou com isso.
“Esse assunto da distribuidora, infelizmente — infelizmente, mesmo! —, não aconteceu, mas o sócio português que convidou esse meu amigo de São Paulo para isso, foi quem me convidou para ser sócio da empresa de engenharia. Então, essa foi a introdução de como eu cheguei à África. É uma história de muitos anos atrás.”
Como se pode ver, igualzinho ao que acontece com todo trabalhador brasileiro. Basta gostar de trabalhar, que as oportunidades chovem no caminho do sujeito…
Mais adiante, o relator da CPI inquiriu o sobrinho de Lula:
DEPUTADO JOSÉ ROCHA: Quais outros clientes de grande porte, além da Odebrecht, contrataram o serviço da Exergia Brasil?
TAIGUARA RODRIGUES DOS SANTOS: A Exergia Brasil estava trabalhando exclusivamente para a Odebrecht.
DEPUTADO JOSÉ ROCHA: Não trabalhou para nenhuma outra empresa?
TAIGUARA RODRIGUES DOS SANTOS: Por exemplo, se eu pegasse, como eu peguei, serviços de sondagem — e serviço de sondagem demora —, eu só tinha uma máquina para fazer. Então, eu não tinha como assinar um contrato com a Odebrecht e com outra empresa. Então, a gente tinha que ficar naquele trabalho. Normalmente, daquele trabalho, se a gente tivesse sorte, orçava outro e ia para outro canteiro de obras. E assim a gente foi trabalhando.
E, assim, Taiguara Rodrigues dos Santos conseguiu 17 contratos com a Odebrecht em Angola, todos financiados pelo BNDES.
Depois de se referir à sua situação financeira “complicada” até 2011, aparece outra vez a sua sociedade na “Exergia”:
DEPUTADO JOÃO GUALBERTO: E quando o senhor entrou de sócio na Exergia?
TAIGUARA RODRIGUES DOS SANTOS: O CNPJ dela, se eu não me engano, é de 2009.
DEPUTADO JOÃO GUALBERTO: De 2009?
TAIGUARA RODRIGUES DOS SANTOS: É.
DEPUTADO JOÃO GUALBERTO: Essa empresa tinha sede em Portugal inicialmente?
TAIGUARA RODRIGUES DOS SANTOS: Ela tem sede em Portugal.
DEPUTADO JOÃO GUALBERTO: E o senhor entra de sócio dela em Portugal?
TAIGUARA RODRIGUES DOS SANTOS: Não. A Exergia S.A. é de Portugal. Eu me tornei sócio minoritário, aqui no Brasil, da Exergia Brasil. Nós criamos uma empresa nova.
DEPUTADO JOÃO GUALBERTO: Minoritário, com quantos por cento?
TAIGUARA RODRIGUES DOS SANTOS: Quarenta e nove.
DEPUTADO JOÃO GUALBERTO: Quase a metade.
TAIGUARA RODRIGUES DOS SANTOS: É. Cinquenta e um é o restante.
DEPUTADO JOÃO GUALBERTO: Da Exergia do Brasil é que você virou sócio?
TAIGUARA RODRIGUES DOS SANTOS: Isso, exatamente.
DEPUTADO JOÃO GUALBERTO: E o senhor entrou para a sociedade como? O senhor estava em situação financeira complicada? O senhor entrou com algum recurso, entrou com um acervo…
TAIGUARA RODRIGUES DOS SANTOS: Não, não, não…
DEPUTADO JOÃO GUALBERTO: Como foi?
TAIGUARA RODRIGUES DOS SANTOS: Nós abrimos a empresa… Nós abrimos a empresa, e a minha condição de sócio era captar trabalho, trazer trabalho para a empresa.
DEPUTADO JOÃO GUALBERTO: Como é que o senhor conseguiu com essa empresa nova, sem expertise nenhuma, contrato com a Odebrecht?
TAIGUARA RODRIGUES DOS SANTOS: Nessas idas a Angola, como eu estava explicando aqui, o que você mais conhece lá é gente brasileira. Então, não é difícil você fazer contato com as empresas. E o meu segmento, o que eu estava buscando, era justamente esse, o da construção, para levar a Exergia.
DEPUTADO JOÃO GUALBERTO: Então, o senhor acha normal uma empresa pequena, com um capital… O senhor entrou com quanto de capital nessa empresa? Sem capital?
TAIGUARA RODRIGUES DOS SANTOS: Eu, sem capital.
DEPUTADO JOÃO GUALBERTO: Sem capital?
TAIGUARA RODRIGUES DOS SANTOS: Sem capital.
DEPUTADO JOÃO GUALBERTO: Eles lhe deram 49% da empresa pela sua expertise, então?
TAIGUARA RODRIGUES DOS SANTOS: Pelos contatos que eu ia fazer para aumentar as vendas da empresa. Mas…
DEPUTADO JOÃO GUALBERTO: Pelos contatos, pelo lobby que o senhor poderia fazer?
TAIGUARA RODRIGUES DOS SANTOS: Não! Isso não é lobby, isso é venda. Eu preciso vender. A empresa precisa vender.
Resta frisar que essa empresa portuguesa fazia parte da sustentação de um grupo político cujo principal representante era um amigo de Lula, José Sócrates, primeiro-ministro de Portugal de 2005 a 2011, tempo em que acumulou, também, o cargo de secretário geral do Partido Socialista.
Esse corrupto José Sócrates, bibelô do neoliberalismo há anos, poucos dias atrás fez uma defesa de Lula e Dilma e atacou o juiz Moro (“Moro e o STF são cúmplices do golpe”) – apesar de ser réu em Portugal, não no Brasil, e de pertencer ao PS português, não ao PT.
A amizade – se assim se pode chamar – entre Lula e Sócrates é notória.
Mas, ampliemos a pergunta inicial: que influência tinha Taiguara Rodrigues dos Santos para conseguir – além de uma sociedade, sem gastar tostão, em uma empresa portuguesa do grupo de Sócrates – 17 contratos com a Odebrecht em Angola, financiados pelo BNDES?
O problema, portanto, é para quem Taiguara Rodrigues dos Santos operava – para quem ele recebeu U$ 2 milhões (dois milhões de dólares), segundo um dos valores que citou (há vários, algo flutuantes ou escorregadios) em seu próprio depoimento na CPI do BNDES.
Ou para quem eram os R$ 20 milhões que a “Exergia Brasil” recebeu da Odebrecht pelos 17 contratos em Angola (“além dos 699 mil reais e ‘pro labore’ mensal no valor total de 255 mil dólares, pagos por intermédio da Exergia Portugal”), segundo os procuradores.
Somente para completar: por que a Odebrecht pagou US$ 100.000 (cem mil dólares) a Lula, por uma palestra em Angola, realizada em 1/07/2011, e mais R$ 479.041,92 pela palestra, também em Angola, realizada em 7/05/2014?
FATOS
O ponto de partida da Polícia Federal e do Ministério Público para estruturar as investigações sobre a atuação de Lula no exterior foi uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), realizada, em 2015, durante cinco meses (12/5/2015 a 16/10/2015).
Ao contrário do que se poderia pensar, a conclusão do TCU foi favorável à política do BNDES – e, portanto, favorável aos beneficiários dos financiamentos.
Entretanto, essa auditoria mostrou que 99% do dinheiro liberado pelo BNDES para serviços de engenharia no exterior, em 10 anos (até 2014), foram concentrados em apenas cinco empresas: Odebrecht, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, Camargo Correa e OAS.
[NOTA: À luz do que foi revelado pela Operação Lava Jato, parece algo cômica a explicação do BNDES para essa concentração, transcrita pelos auditores do TCU (os grifos são nossos): “… o BNDES esclareceu que, segundo relato das próprias empresas que atuam no mercado de obras de engenharia, o movimento de internacionalização é ‘custoso e seu retorno é de longo prazo’, exigindo, além de especialização técnica compatível com a solução de engenharia requerida, porte financeiro e capacidade de gestão de forma a possibilitar a execução dos projetos de grande porte e complexidade e concorrer com outras grandes empresas internacionais. Esses fatores que exigem porte financeiro e capacidade técnica, praticamente, impedem a participação de empresas de menor porte nesse mercado. O BNDES esclarece que não tem como atuar na concentração desse mercado”. A questão, evidentemente, é que os financiamentos do BNDES agiram para que essas empresas monopolizassem esse mercado.]
A Odebrecht, isoladamente, levou 81,8 % dos recursos liberados pelo BNDES para “exportação de serviços de engenharia”.
Todos os recursos para esses financiamentos saíram, todos, do Fundo de Amparo ao Trabalhador (cf. TC 034.365/2014-1, pp. 21 e 29-30).
O país para onde o BNDES liberou a maior magnitude de recursos para serviços de engenharia – isto é, obras – foi Angola (3 bilhões, 990 milhões, 938 mil e 492 dólares). Quase cinco vezes o que foi liberado para obras em Cuba (US$ 848.160.051).
A Odebrecht ficou com 79% (US$ 3.149.894.951) dos recursos liberados para obras em Angola.
Precisamente aí – sobretudo na ampliação da Hidrelétrica do Cambambe – apareceram Taiguara Rodrigues dos Santos, seus contratos com a Odebrecht e sua miraculosa carreira.
Existem quatro depoimentos na Operação Lava Jato que relatam como Lula pediu à Odebrecht que “ajudasse” o sobrinho em Angola – e como a Odebrecht decidiu “agradá-lo” (sic), contratando a “Exergia”: o de Ernesto Sá Vieira Balardi, diretor da Odebrecht em Angola, o de Antônio Carlos Daiha Blando, sucessor de Balardi em Luanda, o de Alexandrino Alencar – o mais íntimo de Lula, na Odebrecht – e o do próprio Marcelo Odebrecht (cf. Despacho do ministro Edson Fachin, do STF, na Petição 6.843/DF, 04/04/2017).
Na verdade, essa é a única explicação possível para esse caso.
7
No apartamento de Lula, em São Bernardo do Campo, a Polícia Federal apreendeu a minuta de um contrato em que Fernando Bittar passava o sítio Santa Bárbara – um dos dois que formam o sítio de Atibaia – para Luís Inácio Lula da Silva, por R$ 800 mil.
Um valor, aliás, subestimado: somente a reforma no sítio de Atibaia (que é, sobretudo, uma reforma do “Santa Bárbara”), custou R$ 1.266.481,32 (um milhão, duzentos e sessenta e seis mil, quatrocentos e oitenta e um reais e trinta e dois centavos), a preços correntes, para Bumlai, a Odebrecht e a OAS (cf. Laudo nº 1475/2016-SETEC/SR/DPF/PR, p. 76).
Essa minuta – um rascunho de escritura – foi elaborada no 23º Cartório de Notas de São Paulo em junho de 2012, portanto, menos de dois anos depois da aquisição dos sítios Santa Bárbara e Santa Denise, que compõem o sítio de Lula.
Portanto, parece uma conclusão óbvia, a da força-tarefa da Operação Lava Jato, segundo a qual os envolvidos no negócio “buscaram uma alternativa para consolidar não só de fato, mas também de direito, o acréscimo patrimonial do ex-presidente” (cf. MPF, Denúncia, p. 126).
Porém, vamos nos ater ao terreno das provas materiais:
“… foi realizada diligência no 23º Tabelião de Notas de São Paulo, oportunidade em que foi entregue, pela Tabeliã titular, além da minuta de escritura acima referida e de outros documentos de interesse das investigações em curso, um papel timbrado do Escritório de Teixeira Martins Advogados [o escritório do compadre e advogado de Lula, Roberto Teixeira], com anotações manuscritas, o qual estava guardado juntamente com a minuta de escritura em questão”.
Esse papel, à luz do que se conhece hoje, é, por si só, escandaloso. Mas, quando foi escrito, não devia requerer cuidados. Pelo menos, na cabeça do advogado de Lula. Tanto assim que ele o deixou no cartório, para orientar o escrevente que elaborou a minuta. Nele, está descrito, graficamente, o objetivo da minuta: legalizar a propriedade em nome de Lula.
Porém, há mais, quanto às provas materiais e/ou documentais:
“… na mesma diligência no 23º Tabelião de Notas de São Paulo, foram localizadas:
“1) uma minuta de escritura pública de Venda e Compra, no valor de R$ 1.049.500,00, datada do ano de 2016, tendo como vendedores Fernando Bittar e Lilian Maria Arbex Bittar, sem indicação de compradora e tendo como objeto um quinhão de terras situado no Bairro Itapetininga, com área de 35.873 hectares, denominado Sítio Santa Bárbara, no distrito, município, comarca e circunscrição imobiliária de Atibaia;
“2) uma minuta de Escritura de Venda e Compra, no valor de 662.150,00, datada do ano de 2016, tendo com vendedor Jonas Leite Suassuna Filho, sem indicação de compradora, e como objeto um quinhão de terras, sem benfeitorias, situado no bairro Itapetininga, com área de 57.194 hectares”, também em Atibaia.
O escrevente que elaborou esses documentos, João Nicola Rizzi, declarou à força-tarefa da Lava Jato que “efetuou as minutas por solicitação de Roberto Teixeira, e que deixou em branco os campos com os dados da ‘compradora’, também a pedido do advogado, que lhe informou que constariam como compradores ou o ex-presidente Lula ou sua falecida esposa Marisa Letícia”.
Por alguma razão, “as escrituras”, disse o escrevente, “não foram lavradas pelo 23º Tabelião de Notas, também por solicitação de Roberto Teixeira, que, embora tenha inicialmente solicitado a confecção das minutas, posteriormente pediu a devolução dos documentos entregues (inclusive laudos avaliativos das propriedades), desistindo da formalização do negócio”.
O SITIANTE
A principal dificuldade para expor as relações de Lula, da Odebrecht e da OAS no sítio de Atibaia, é a quantidade de provas materiais – recibos, notas fiscais, e-mails, etc. – que constam do processo.
Como já mencionamos, o sítio, na verdade, são dois: o “Santa Denise”, registrado em nome de Jonas Suassuna, e o “Santa Bárbara”, registrado em nome de Fernando Bittar.
Ambos foram comprados no mesmo dia, 29 de outubro de 2010, e os futuros proprietários – Suassuna e Bittar – foram representados por Roberto Teixeira, compadre e advogado de Lula.
Entre 2011 e 2016, Lula esteve – ao menos – 273 vezes no sítio formado pela unificação do “Santa Denise” e “Santa Bárbara” (v. ASSPA/PRPR, Relatório de Informação nº 029/2017).
Ao invés, Fernando Bittar e Jonas Suassuna “raramente compareciam ao local e, de fato, não exerciam sequer a posse do imóvel” (cf. MPF, Denúncia processo 5021365-32.2017.404.7000, p. 115).
Esse último aspecto é comprovado pelo depoimento da esposa de Jonas Suassuna, Cláudia, aos procuradores da Operação Lava Jato:
CLÁUDIA SUASSUNA: … Eu estive nesse sítio umas duas vezes, em duas festas juninas (…).
PROCURADOR: A senhora disse que só foi lá duas vezes?
CLÁUDIA: Só fui lá em duas festas juninas.
PROCURADOR: Que anos foram essas festas juninas?
CLÁUDIA: Acho que uma foi em 2013 e a outra foi ano passado.
(…)
PROCURADOR: Quando a senhora foi, nessas duas oportunidades, a senhora dormiu no sítio?
CLÁUDIA: (…) Uma vez eu dormi no sítio do Fernando e a outra vez eu dormi num hotel que tem ali do lado, muito ruim por sinal.
PROCURADOR: … o marido da senhora sendo proprietário do sítio, a senhora não estranhou o fato de ter que dormir no hotel, ao invés de dormir no sítio?
CLÁUDIA: Meu marido não é dono do sítio edificado. O Santa Denise não tem edificação nenhuma, então não tem como dormir lá, não tem casa.
PROCURADOR: Mas eles não formam uma única propriedade?
CLÁUDIA: Não, senhor.
PROCURADOR: Não são só matrículas [no registro de imóveis] diferentes?
CLÁUDIA: Não, acho que o Ministério Público devia ir lá olhar.
PROCURADOR: Nós já fomos – e é assim.
Também de 2011 a 2016, sete funcionários federais que estiveram a serviço de Lula receberam 1.079 diárias por estadas no sítio de Atibaia, segundo o Portal da Transparência (a Lei nº 7.474/86 determina o serviço de funcionários federais a ex-presidentes da República).
Não abordaremos os testemunhos a respeito de Lula em Atibaia, porque, pelo menos até agora, a defesa de Lula não contestou nem um deles. Quanto à correspondência que demonstra quem era reconhecido como proprietário do sítio, apenas uma amostra:
“Em 02 de outubro de 2014, Valmir Moraes [funcionário federal a serviço de Lula] recebe um e-mail de Leonardo Martins [funcionário do Instituto Lula] com o título ‘Jaguatiricas em Atibaia?’.
“No aludido e-mail, Leonardo Martins diz que: ‘Respondendo à pergunta do presidente: que bicho comeu os marrecos? Provavelmente, uma Jaguatirica’.”
Quanto aos e-mails do caseiro do sítio, Élcio Pereira Vieira, conhecido como “Maradona”, são notáveis pela singeleza e pelo destino das mensagens:
“Em 05/10/2014, Maradona encaminha e-mail para o Instituto Lula com o título ‘armadilha’. No e-mail, informa que ‘morreu mais um pintinho essa noite e caiu dois gambá nas armadilhas’.
“Em 23/10/2014, Maradona encaminha e-mail para o Instituto Lula com o título ‘pintinho’, no qual relata que ‘a pirua esmagou os tres pintinhos de pavão que estava com ela’.
“No dia 21/04/2014, Maradona encaminha para o Instituto Lula e-mail com o título “avião aqui na chacara hoje pela manhã”, acompanhado de uma foto em anexo”.
Nem Jonas Suassuna nem Fernando Bittar trabalhavam no Instituto Lula.
BUMLAI
As obras no sítio começaram no mês seguinte – novembro de 2010 – à sua aquisição.
Na primeira fase, as obras foram pagas pelo Grupo Bertin – depois adquirido pela JBS – a pedido de José Carlos Bumlai, o amigo grileiro de reservas indígenas que Lula nomeou para o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES).
Bumlai era sócio de Reinaldo Bertin em uma usina de etanol e açúcar, a São Fernando. Em depoimento, Bertin disse que “aceitou fazer os pagamentos da obra mediante compensação financeira posterior”.
A conclusão da força-tarefa da Operação Lava Jato é que esse dinheiro era uma propina passada a Lula por favorecer o Grupo Schahin. Por isso, Bumlai estava tão preocupado em disfarçar a origem do dinheiro – a tal ponto que achou menos grave colocar o Grupo Bertin como pagador de uma reforma no sítio do então presidente da República.
Existe uma ampla análise da documentação – e também das provas orais – na sentença da Ação Penal sobre o caso Schahin, que condenou o tesoureiro do PT, João Vaccari, a cinco anos de cadeia, e Bumlai a quatro anos e seis meses, por corrupção, fraude e lavagem.
Sucintamente:
“No ano de 2004, o empresário José Carlos Bumlai contraiu um mútuo de R$ 12,176 milhões do Banco Schahin. (…) Os valores oriundos do contrato de empréstimo a Bumlai tiveram por destino, pelo menos na sua maior parte, o pagamento de dívidas do Partido dos Trabalhadores.
“Em 27 de dezembro de 2005, para quitar ‘formalmente’ o empréstimo original contraído por Bumlai, foi obtido um segundo empréstimo pela empresa AgroCaieiras, no valor aproximado de R$ 18 milhões, também junto ao Banco Schahin. A AgroCaieiras era uma empresa da família de Bumlai e na época se encontrava inativa.
“Esse débito também não foi quitado por Bumlai, tampouco por empresas a ele relacionadas (…).
“Com o propósito único de viabilizar a quitação do empréstimo tomado por Bumlai, foi idealizado e efetuado o direcionamento ilegal e a contratação da Schahin, pela Petrobrás, para a operação do navio-sonda Vitória 10000”.
[NOTA: Sobre o caso do Vitória 10000 e sobre a atuação de Lula com Bumlai, v. nosso livro “Os Crimes do Cartel do Bilhão contra o Brasil: o esquema que assaltou a Petrobras”, Fundação Instituto Cláudio Campos, 2016, especialmente a partir das páginas 185 e 203.]
“… em 27 de janeiro de 2009, um dia antes da assinatura do contrato de operação do navio sonda Vitória 10000 entre a Petrobrás e a Schahin, Bumlai firmou um instrumento de transação ideologicamente falso para quitação do débito (…). A negociação envolveu uma simulação de pagamento por meio de embriões bovinos ficticiamente vendidos por José Carlos Bumlai às fazendas de propriedade da família Schahin.
“… jamais houve a entrega de quaisquer embriões de gado de elite pelo pecuarista, servindo apenas para dar aparência legítima ao pagamento do empréstimo originalmente dado pelo Banco Schahin a José Carlos Bumlai. A contrapartida dessa quitação do empréstimo, em benefício de Bumlai, foi a contratação, pela Petrobrás, da Schahin para operar a sonda Vitória 10000”.
Realmente, temos aqui algo, no mínimo, peculiar.
Nem ao menos houve licitação para o contrato de operação do Vitória 10000, apesar de ser um contrato no valor de US$ 1.562.200.000 (um bilhão, 562 milhões e 200 mil dólares).
Mas não é isso o mais estranho.
Esse contrato foi fechado contra o esquema da Odebrecht e demais empreiteiras na Petrobrás – a contratação da Schain recebeu efusivos xingamentos de Marcelo Odebrecht e outros executivos das empresas do cartel.
Quem teria o poder de impor um contrato desses, em 2009, contra o esquema do cartel?
Vejamos o depoimento de Eduardo Musa, na época, gerente da diretoria internacional da Petrobrás:
EDUARDO MUSA: … o diretor [Nestor Cerveró] encarregou de negociar com a Samsung a compra da segunda sonda. Diferentemente da primeira sonda, em que a gente teve o contrato com a Samsung, mas não havia operador, essa segunda sonda já vem endereçada com operador, que seria a Schahin.
JUIZ MORO: Quando o senhor diz que “já vem endereçada”, o senhor pode esclarecer?
EDUARDO MUSA: Houve uma conversa comigo dizendo que essa segunda sonda seria contratada para ser operada pela Schahin.
JUIZ MORO: Quem falou isso para o senhor?
EDUARDO MUSA: Tanto o diretor Nestor, quanto o Moreira, que era o meu gerente executivo.
JUIZ MORO: Isso foi antes do próprio contrato com a Samsung relativo à construção da sonda, foi isso?
EDUARDO MUSA: Foi antes do próprio contrato com a Samsung. Se eu não me engano, quando foi autorizado ou assinada a carta de intenção com a Samsung, já em 2008, em janeiro. Na mesma ocasião, já foi proposta a Schahin como operadora.
JUIZ MORO: E o motivo da proposição da Schahin como operadora qual seria?
EDUARDO MUSA: O que me foi colocado, tanto pelo Moreira, como o Nestor, seria por um acerto de uma dívida do PT com o Banco Schahin, de um empréstimo que havia sido feito.
JUIZ MORO: E isso foi colocado explicitamente ao senhor?
EDUARDO MUSA: Dessa maneira.
SCHAIN
O depoimento dos donos do Grupo Schahin é ainda mais esclarecedor. Por exemplo, o de Salim Taufic Schahin:
SALIM SCHAHIN: A operação não foi paga e eu me lembro que nós continuamos pressionando o PT (…) e começou a ir ao escritório o senhor Vaccari, que foi representando o Partido dos Trabalhadores, e nós cobramos o senhor Vaccari intensamente. E o senhor Vaccari dizendo que ia fazer… digamos assim, o pagamento, ia efetuar o pagamento, e não acontecia nada disso. (…) A Petrobras já tinha encomendado um navio no Estaleiro Samsung (…), ia estar encomendando um segundo navio. (…) Então nós chegamos, numa das conversas que mantivemos com o Vaccari, a falar: “Olha, senhor Vaccari, nós temos interesse na operação desse navio” e pedimos apoio político do partido para isso (…). Ele falou pra mim, isso eu recordo muito bem “Eu não posso falar nada a respeito disso porque eu não entendo disso, mas eu vou voltar ao partido e vou voltar com alguma resposta para o senhor”. E quando ele voltou com a resposta, não lembro quanto tempo depois, 15 dias, 1 mês, ele voltou com a resposta: “Olha, eu acho que é possível, mas existe uma condição que seria o senhor dar quitação, se o contrato fosse obtido, o senhor dar quitação do empréstimo do senhor Bumlai”.
JUIZ MORO: Isso partiu dele ou do senhor?
SALIM SCHAHIN: Partiu dele.
JUIZ MORO: E o senhor concordou?
SALIM SCHAHIN: Sim.
(…)
JUIZ MORO: E como é que foi estabelecida essa situação? O senhor mencionou que o senhor Vaccari disse que a condição era a quitação desse empréstimo, como é que isso foi tratado com o senhor Bumlai?
SALIM SCHAHIN: Quando me foi informado que estava para ser assinado o contrato do navio, eu tomei a decisão de honrar o pacto com o senhor Vaccari e de fazer a operação que foi sugerida pelo senhor Bumlai, para que a gente liquidasse a operação.
JUIZ MORO: Consta aqui que foi feito então esse contrato, essa transação e essa entrega de embriões, esses contratos, isso não foi verdadeiro então?
SALIM SCHAHIN: Não, foi uma operação simulada, nós nunca recebemos esses embriões.
(…)
JUIZ MORO: O senhor declarou também textualmente: “que o depoente e seu irmão Milton também receberam de Vaccari a informação de que o ex-presidente estava a par do negócio”.
SALIM SCHAHIN: Sim, isso é verdade. Numa das reuniões com o senhor Vaccari, em que estávamos eu e o Milton juntos, essa eu me lembro bem que eu estava junto com o meu irmão, ele falou que o PT estava a par do negócio e o presidente estava a par do negócio.
JUIZ MORO: O ex-presidente Luiz Inácio?
SALIM SCHAHIN: O ex-presidente.
A mesma coisa consta dos depoimentos de Milton Taufic Schahin, irmão e sócio de Salim Schahin, e de Fernando Schahin, filho de Milton.
PEQUENA
Esses depoimentos tornam compreensíveis as razões de Bumlai para tocar as obras no sítio de Lula em Atibaia, com um gasto comprovado de 150 mil e 500 reais entre novembro de 2010 e janeiro de 2011, realizado através do Grupo Bertin:
“… em razão de tal empréstimo e da gestão fraudulenta da dívida, bem como pela corrupção na contratação da Schahin para operação do navio-sonda Vitória 10000 pela Petrobras, Bumlai auferiu vantagem indevida no importe de R$ 54.985.580,00, valor atualizado da dívida em 2009. (…) Ou seja, a quitação da dívida importou um aumento do patrimônio líquido de Bumlai em cerca de R$ 50 milhões, no ano de 2009.
“Além disso, as investigações revelaram que Bumlai, no contexto da gestão fraudulenta praticada, recebeu também outro benefício. (…) a quebra de sigilo bancário demonstrou que o Frigorífico Bertin repassou R$ 12 milhões a José Carlos Bumlai, o que representou acréscimo patrimonial com causa ilícita. Essa compensação em favor de Bumlai se insere no contexto do crime de gestão fraudulenta praticado no âmbito da Schahin. Ou seja, recursos oriundos de operações financeiras fraudulentas concorreram com uma compensação ou prêmio ilícitos em favor de Bumlai, de modo que Bumlai se beneficiou duas vezes: ao ter a dívida fraudulentamente quitada mediante corrupção na Petrobrás, em 2009, e ao receber um prêmio ilícito em 2005 de valor próximo ao do empréstimo obtido”.
Como notam os procuradores, “os recursos a serem investidos [nas obras do sítio] correspondiam a pequena parcela do valor auferido por Bumlai com o empréstimo do Banco Schahin, e pelo aumento patrimonial conferido a Bumlai poucos meses antes, quando foi quitado o empréstimo deste com a Schahin no valor de R$ 50 milhões por meio do contrato de operação do navio-sonda Vitória 10000”.
De novembro de 2010 a janeiro de 2011, o Grupo Bertin colocou, por acerto com Bumlai, R$ 150.500 (150 mil e 500 reais) nas obras do sítio de Atibaia – comprovados pelas notas fiscais, recibos e planilhas apreendidas pela PF.
Porém, Lula, insatisfeito com o andamento das obras, passou-as para a Odebrecht. Em telefonema para Bumlai, Rogério Aurélio Pimentel, assessor especial da Presidência da República, comunicou, em dezembro de 2010, que as obras seriam colocadas na mão de uma “construtora de verdade”.
8
As perguntas essenciais em relação ao sítio de Lula em Atibaia são três:
1) Por que Bumlai tentou, como vimos na última edição, ocultar a origem do dinheiro que usou nas obras que tocou, no sítio, entre novembro e dezembro de 2010?
2) Por que a Odebrecht tentou ocultar a origem do dinheiro que usou nas obras do sítio, a partir de 15 de dezembro de 2010?
3) Por que a OAS tentou ocultar a origem do dinheiro usado para aparelhar a cozinha do sítio – aliás, na mesma loja em que comprou, também, os utensílios para a cozinha do triplex de Guarujá?
Uma quarta pergunta é consequência dessas três: por que Lula concordou com isso? Ou, para antecipar uma possível versão, por que a família Lula concordou com isso?
Seria porque o dinheiro era lícito?
DATAS
Em novembro de 2010, Alexandrino Alencar, executivo da Odebrecht que, nessa época, era íntimo de Lula, encontrou com este e sua esposa, quando recebeu o pedido “para ajudar a finalizar obras de reforma em um sítio, que estava sendo feita por José Carlos Bumlai”.
Segundo o depoimento de Alencar, ele “sinalizou positivamente, mas precisava ter autorização de Emílio Odebrecht”, o que foi conseguido rapidamente.
Foi, então, passado a ele o contato de Rogério Aurélio Pimentel, assessor especial da Presidência da República.
De acordo com seu próprio depoimento, Rogério Aurélio Pimentel conhecia Lula desde 1989, quando foi “segurança pessoal” do então candidato a presidente pelo PT. Depois, “entre meados de 2001 até março de 2002”, foi chefe de almoxarifado da Prefeitura de Mauá, então sob a administração do prefeito Oswaldo Dias, do PT. A partir de 15 de janeiro de 2003 até 2011, Pimentel trabalhou no Planalto (cf. PF, Termo de Declarações de Rogério Aurélio Pimentel, 04/03/2016).
Pimentel era um faz-tudo de Lula e família. Daí sua designação para supervisionar as obras do sítio de Atibaia.
Alexandrino Alencar relatou que “Emílio Odebrecht deu autorização às obras em retribuição aos favorecimentos que o grupo empresarial obteve nos dois mandatos de Lula e ao potencial político do então Presidente da República”. Obtida a autorização, Alencar passou a tarefa a Carlos Armando Paschoal, diretor da Construtora Norberto Odebrecht em São Paulo.
Aqui, uma observação nossa: o pedido a Alencar, para que a Odebrecht assumisse as obras do sítio, tem, aparentemente, uma data estranha: “meados de novembro de 2010”.
O sítio foi comprado em outubro de 2010. Em novembro, Bumlai tinha recém começado as obras do sítio. Por que, então, essa ansiedade para, no mesmo mês, entregar as obras à Odebrecht?
Segundo os depoimentos, o objetivo era que as obras estivessem prontas em janeiro de 2011, quando Lula saísse da Presidência.
Mas, talvez, essa ansiedade tivesse relação com o que se pretendia construir no sítio, “entre outros itens”:
1) a construção de um anexo à sede com 4 suítes;
2) a construção de uma sauna, campo de futebol de grama e uma guarita;
3) a realização de acabamento na sede;
4) a construção de uma adega e quarto de empregada;
5) a conclusão de uma casa para acomodação de seguranças;
6) segundo disse o assessor especial da Presidência, Rogério Aurélio Pimentel, ao engenheiro Frederico Barbosa, da Odebrecht, ainda se pretendia a “construção de uma quadra de tênis, de um pomar e a ampliação de lagos existentes na propriedade”.
O engenheiro descartou os últimos itens (quadra de tênis, pomar e ampliação dos lagos), exatamente porque Pimentel lhe disse que “as obras eram urgentes e deveriam ser concluídas em aproximadamente 30 dias”.
De qualquer forma, a data referida por Alencar para o pedido à Odebrecht, por estranha que pareça, corresponde aos fatos que se seguiram – todos eles bastante documentados.
GOTEIRAS
Uma característica recorrente desse caso (e dos outros em que Lula está envolvido) aparece aqui em algo que parece – e, na verdade, é – um detalhe.
O diretor da Odebrecht em São Paulo, Carlos Armando Paschoal, passou a tarefa das obras do sítio para Emyr Costa, que geria os contratos de uma obra da Odebrecht próxima a Atibaia.
Foi Costa quem determinou ao engenheiro Frederico Barbosa que empreendesse as obras do sítio; porém, declarou Barbosa, após estabelecer contato com Rogério Aurélio, assessor de Lula, “ficou ajustado que iria ao sítio, mas, antes, verificaria um vazamento na laje da residência de Lula em São Bernardo do Campo”.
Um engenheiro da Norberto Odebrecht – especializada em construção pesada – para verificar um vazamento na laje da residência pessoal de Lula?
Lula e seu círculo não parecem achar anormalidade nesse tipo de relação com a Odebrecht e outras empresas – isto é, com os proprietários dessas empresas.
Nesse caso, apontam os procuradores, não há indício de que a Odebrecht “arcou com custas relativas à correção deste problema no apartamento de Lula”.
Porém, “no apartamento de Lula, Frederico Barbosa constatou a ocorrência de um vazamento e apontou as possíveis soluções”.
Por que Lula – ou quem o representasse – não poderia ter outra solução para esse problema, que não fosse recorrer aos préstimos da Odebrecht?
Porque, na cabeça dele – por consequência, de seu círculo – receber esse tipo de benesse era normal e uma justa retribuição pelos serviços prestados à Odebrecht.
Ou seja, o trabalho do engenheiro, ainda que apenas “apontando as possíveis soluções”, fazia parte da propina.
Os alemães costumam dizer que o diabo mora nos detalhes. É verdade, mas não apenas nos detalhes. Pois agora vem o principal.
DINHEIRO
Todo o dinheiro que a Odebrecht usou no sítio de Atibaia (cerca de R$ 700 mil, em preços correntes) saiu de um único lugar: o hoje famoso “setor de operações estruturadas” – o departamento de propina do Grupo Odebrecht.
Voltando de Atibaia, o engenheiro Frederico Barbosa fez um relato das necessidades, para fazer as obras, ao seu chefe, Emyr Costa, que transmitiu o relato ao diretor da Odebrecht em São Paulo, Carlos Armando Paschoal.
A estimativa inicial era de que as obras custariam R$ 500 mil, o que foi comunicado a Alexandrino Alencar – e, por consequência, a Emílio Odebrecht. Este autorizou a liberação de dinheiro do Setor de Operações Estruturadas.
“… Lúcia Tavares [secretária] do Setor de Operações Estruturadas, (…) providenciou a quantia de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) em espécie e mandou entregar os valores no escritório onde Emyr Costa trabalhava, tendo este, inclusive, adquirido um cofre para armazenar os valores em sua sala de trabalho. Os valores foram disponibilizados semanalmente para [o engenheiro] Frederico Barbosa.
“No decorrer da execução dos trabalhos no Sítio de Atibaia/SP, Frederico Barbosa verificou a necessidade de verba suplementar de aproximadamente R$ 200 mil reais (…). Da mesma forma que da vez anterior, Emyr Costa fez contato com o Setor de Operações Estruturadas e providenciou a quantia de mais R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) em espécie” (cf. MPF, Denúncia cit., p. 148).
O engenheiro Barbosa formou uma equipe (15 trabalhadores, outro engenheiro e um encarregado) para tocar as obras, porém, mesmo assim, a especialidade da Odebrecht, no ramo da engenharia, é a construção pesada – não era a reforma de casas ou de sítios.
Daí, os funcionários da Odebrecht contrataram outra empresa, a Construtora Rodrigues do Prado, para fazer a obra.
Aqui, aparece mais um traço peculiar desse embrulho: Emyr Costa determinou ao engenheiro Frederico Barbosa que todos os pagamentos a fornecedores fossem feitos em dinheiro e que não houvesse notas fiscais e recibos em nome da Odebrecht.
Além disso, foi ordenado aos funcionários da Odebrecht nas obras do sítio que “deveriam trabalhar descaracterizados, isto é, sem uniformes e sem equipamentos de proteção com identificação da empresa”.
Para completar: apesar da Odebrecht pagá-la, não houve contrato escrito com a Construtora Rodrigues do Prado. Para fazer os pagamentos a essa construtora, recorreu-se a uma ginástica, que parece coisa de mafioso:
O engenheiro da Odebrecht, Frederico Barbosa, “após receber semanalmente os valores em espécie de Emyr Costa, repassava para Rogério Aurélio a parte da remuneração que cabia à Construtora Rodrigues do Prado. Em consequência, Rogério Aurélio, em 4 (quatro) oportunidades, repassou os pagamentos devidos para Carlos Rodrigues do Prado [dono da Construtora Rodrigues do Prado] em envelopes, o que ocorreu em um posto de gasolina, situado no Município de Atibaia/SP. Embora a Odebrecht tenha custeado os valores, o fez de forma sub-reptícia, efetuando pagamentos sem a devida contabilização regular e por meio de valores em espécie, disponibilizados pelo Setor de Operações Estruturadas”.
A mesma coisa era feita em relação aos fornecedores: “Todos os pagamentos para os fornecedores de materiais foram feitos sem a devida contabilização regular dentro da Odebrecht, que se valeu do Setor de Operações Estruturadas” (cf. idem, pp. 149-150).
As notas fiscais foram apreendidas pela PF – inclusive algumas em nome do engenheiro Barbosa, que utilizou seu cartão de crédito pessoal em compras realizadas na loja de material de construção Telhanorte (ao todo, R$ 12.986,87), sendo depois ressarcido pelo “setor de operações estruturadas” da Odebrecht.
PODER
Onde foram apreendidas essas notas e recibos?
Grande parte, na residência de Lula, em São Bernardo do Campo (“nas buscas e apreensões determinadas por esse juízo, foram apreendidos na residência de Lula, em São Bernardo do Campo/SP, diversos recibos e notas relacionadas ao Sítio de Atibaia”; e, numa nota: “durante o cumprimento do mandado de busca e apreensão na residência de Lula e Marisa, em São Bernardo do Campo/SP, foram encontradas dezenas de pedidos de venda/entrega de materiais de construção do Depósito Dias Materiais de Construção Ltda para as reformas do Sítio de Atibaia”; cf. Denúncia, p. 151).
O que estavam fazendo, em sua residência, esses documentos sobre obras em um sítio que, segundo Lula, não era – e jamais foi – seu?
Segundo Emílio Odebrecht – que fez um depoimento essencialmente simpático a Lula, exceto quanto aos fatos que não conseguiu eludir -, no dia 30/12/2010, dois dias antes da passagem da Presidência para Dilma, ele disse a Lula que as obras da Odebrecht no sítio terminariam em 15 de janeiro e “o Presidente da República não demonstrou surpresa sobre a menção a obra do sítio”.
Assim, a história – dita por Bumlai, Alencar, e, parcialmente, por Pimentel – de que o sítio era uma “surpresa” preparada por Dª Marisa para o seu marido, tem um aspecto tão insustentável quanto a mesma história quando foi aplicada ao triplex de Guarujá.
O poder para movimentar R$ 700 mil de uma “conta” de propinas no setor de operações estruturadas da Odebrecht não era de Dª Marisa.
Da mesma forma, é difícil – aliás, é impossível – conceber Dª Marisa como articuladora da seguinte sequência de fatos:
“Em meados de fevereiro e março de 2011, Roberto Teixeira (…) fez contato com Alexandrino Alencar com intuito de ocultar qualquer tipo de referência à Odebrecht e a Lula na reforma. Assim, para viabilizar a ‘regularização da obra’, ou seja, a ocultação e dissimulação da origem, propriedade e natureza criminosa dos valores, Roberto Teixeira agendou uma reunião em seu escritório, (…) na qual compareceram Alexandrino Alencar e Emyr Costa.
“Na referida reunião, com o objetivo de dissimular a origem dos recursos empregados e seu beneficiário final, Roberto Teixeira (…) propôs a Alexandrino Alencar e Emyr Costa a celebração de um contrato fictício entre a Construtora Rodrigues do Prado e Fernando Bittar, abrangendo a totalidade das obras executadas no local. (…)
“… Roberto Teixeira solicitou que o contrato fictício entre Fernando Bittar e a Construtora Rodrigues do Prado contivesse valores e forma de pagamentos compatíveis com a renda de Fernando Bittar. Além disso, Roberto Teixeira solicitou que os recibos disponíveis de compra dos materiais de construção, pagos com dinheiro disponibilizado pela Odebrecht, fossem a ele entregues.
“Posteriormente à reunião, Emyr Costa redigiu o contrato fictício entre Fernando Bittar e a Construtora Rodrigues do Prado, no valor aproximado de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), e designou encontro com Carlos Rodrigues do Prado para colheita de assinatura. No dia 30 de maio de 2011, a Construtora Rodrigues do Prado emitiu a Nota Fiscal nº 0243, em nome de Fernando Bittar.
“Retornando ao escritório de Roberto Teixeira, Emyr Costa entregou ao advogado o contrato assinado, nota fiscal, bem como recibos de compra de materiais de construção relacionados ao Sítio de Atibaia, cujos custos foram arcados pela Odebrecht”.
Foram esses documentos, entregues pelo funcionário da Odebrecht a Teixeira, que depois foram apreendidos na residência de Lula.
OCULTO
Para disfarçar a origem do dinheiro, recorreu-se aos seguintes artifícios:
1) Os pagamentos a Carlos Rodrigues do Prado, dono da Construtora Rodrigues do Prado, empresa da cidade de Igaratá, São Paulo, foram feitos em dinheiro por Rogério Aurélio Pimentel, assessor especial da Presidência da República. Esse dinheiro tinha origem no “setor de operações estruturadas” da Odebrecht e foi repassado ao assessor da Presidência pelo engenheiro Frederico Barbosa – que, por sua vez, recebeu o dinheiro de Emyr Costa.
É significativo – quase um sinal vermelho – que, nas obras do sítio de Atibaia, seus feitores preferissem expor a Presidência, através de um assessor especial de Lula, do que a Odebrecht.
Parece algo muito estúpido, apesar da inexistência de documentos ligando o assessor aos pagamentos que fazia.
Mas isso apenas mostra que a Odebrecht mandava em quem recebia sua propina: seu interesse era não aparecer. O resto… Bem, quanto ao resto, não se previa, em 2010/2011, nenhuma Operação Lava Jato.
2) A Construtora Rodrigues do Prado foi contratada pela Odebrecht para a reforma do sítio de Lula, sem que houvesse contrato escrito e assinado.
3) A mesma coisa, que ocorreu quanto à Construtora Rodrigues do Prado, foi feita nos quatro pagamentos em dinheiro ao Depósito Dias Materiais de Construção Ltda. Emyr Costa recebeu o dinheiro do “setor de operações estruturadas” da Odebrecht, passou-o a Frederico Barbosa, que repassou-o a Rogério Aurélio Pimentel. Este realizou o pagamento ao Depósito Dias.
4) Sete notas fiscais da Telhanorte foram emitidas em nome do engenheiro Frederico Barbosa, para ocultar a origem do dinheiro no “setor de operações estruturadas” da Odebrecht.
5) Por isso, em sua primeira versão, o engenheiro Frederico Barbosa disse que “eu prestei um serviço para uma empresa contratada pelo proprietário, mas não tem nada a ver com a Odebrecht. Dei algum apoio, mas pouca coisa. Estava de férias, em recesso de final de ano. Foi um apoio informal, não tive remuneração. Era algo pessoal, pontual. Ia lá, olhava e voltava” (entrevista, FSP 29/01/2016). Estranhamente, ele não se lembrava do nome da empresa à qual prestara serviço gratuito. Nem do nome do dono dessa empresa, a quem ajudara, exceto que seu prenome era Carlos.
6) Menos de um mês depois, em depoimento à força-tarefa da Lava Jato, no dia 22/02/2016, Barbosa confessou que estava no sítio de Atibaia por ordem da Odebrecht.
7) Somente no dia 30 de maio de 2011, mais de um ano (16 meses) após o término das obras da Odebrecht no sítio – e depois da reunião promovida pelo advogado e compadre de Lula, relatada acima – a Construtora Rodrigues do Prado emitiu uma nota fiscal em nome de Fernando Bittar. Não apenas era falso o nome do pagador, como era falso o valor, inventado para adequar a suposta despesa ao orçamento pessoal de Bittar.
Há mais, nesse domínio da fraude, mas ficamos nessas sete – número, por sinal, com bastante tradição no ramo da mentira. Passemos, então, à participação da OAS.
9
Sempre é importante não perder a visão de conjunto, sob pena de ser tragado por algo que parece – mas apenas parece – miuçalha.
Que vantagem obteve a OAS com a intimidade de sua cúpula com Lula?
Entre 2003 e 2015, as empresas do grupo assinaram contratos com o governo federal – ou empresas controladas por ele – no valor total de R$ 6.786.672.444,55 (seis bilhões, 786 milhões, 672 mil, 444 reais e 55 centavos). Desse total, 76% correspondem a contratos com a Petrobrás (cf. MPF, ASSPA/PRPR, Relatório de Informação nº 191/2016).
Para a OAS, não foi pouca coisa.
Embora, nem se compara ao que obteve a Odebrecht: entre 2003 e 2014, os contratos do grupo Odebrecht – somente com a Petrobrás e sem somar os contratos da Braskem – montaram a R$ 35.590.880.834,72 (trinta e cinco bilhões, 590 milhões, 880 mil, 834 reais e 72 centavos; cf. Laudo Pericial nº 2311/2015-SETEC/SR/DPF/PR, p. 8).
[NOTA: Os contratos com a Braskem, que não estão incluídos na cifra acima, trouxeram um prejuízo à Petrobrás de US$ 1.820.000.000,00 (um bilhão, oitocentos e vinte milhões de dólares; cf. AP nº 5036528-23.2015.404.7000, Denúncia, p. 133).]
Porém, o que isso significou em sobrepreço e ganho extorsivo, obtido através de propina?
Vejamos dois exemplos:
No contrato – entre a Petrobrás e um consórcio formado pela Odebrecht e OAS – para implantação de Unidades de Destilação Atmosférica (UDAs) na Refinaria Abreu e Lima, “o lucro potencial previsto, quando considerados os valores contratados, superou em R$ 336.767.422,07 (trezentos e trinta e seis milhões setecentos e sessenta e sete mil, quatrocentos e vinte e dois reais e sete centavos) o lucro de referência estimado pela Perícia, ou seja, 3,63 vezes” (cf. Laudo Pericial 2400/2015-SETEC/SR/DPF/PR, p. 97).
Quanto ao contrato, também com a Odebrecht e OAS, para a instalação de Unidades de Hidrotratamento de Diesel e Nafta, “o lucro potencial previsto, quando considerados os valores contratados, superou em R$ 704.973.961,59 (setecentos e quatro milhões, novecentos e setenta e três mil, novecentos e sessenta e um reais e cinquenta e nove centavos) o lucro de referência estimado pela Perícia, ou seja, 3,53 vezes” (idem).
Observe o leitor que essa extorsão não inclui os “aditivos” dos contratos, que, no primeiro caso, foram fechados com um sobrepreço de R$ 62.645.546,43 (sessenta e dois milhões, 645 mil, 546 reais e 43 centavos), e, no segundo caso, com um sobrepreço de R$ 66.571.413,90 (sessenta e seis milhões, 571 mil, 413 reais e 90 centavos).
APLICATIVOS
No processo do triplex de Guarujá, a defesa de Lula perguntou ao ex-presidente da OAS, José Adelmário Pinheiro Filho, conhecido como Léo Pinheiro, se, alguma vez, desde o início da Operação Lava Jato, “esteve pessoalmente com o ex-Presidente para tratar de pagamentos ilícitos”.
A resposta não poderia ser pior para a defesa de Lula:
LÉO PINHEIRO: Eu fui chamado pelo presidente, ele estava muito preocupado com a Lava Jato, [que] já estava em andamento, e ele estava muito preocupado, a pergunta que ele me fez foi muito objetiva, muito clara, se a OAS tinha feito algum pagamento no exterior para o João Vaccari, eu disse “Não”, “De que forma você tem pago os valores acertados com o João Vaccari?”, “Através de doações eleitorais a partidos, a diretórios, a políticos e caixa 2”, fui muito claro e objetivo nisso, e a pergunta dele, ele estava muito irritado, eu não sei exatamente o que estava ocorrendo.
Foi dessa “conta” entre a OAS e o PT que vieram os recursos para a cozinha do sítio de Atibaia. O presidente da OAS, Léo Pinheiro, encarregou o diretor técnico da construtora, Paulo Gordilho, de aparelhar a cozinha.
Gordilho tinha o costume de trocar mensagens, pelo aplicativo “Whatsapp”, com sua filha, a arquiteta Isnaia Gordilho. Alguns diálogos foram transcritos pela PF:
– Sigilo absoluto, hem. Amanhã vou em um churrasco em Atibaia com Léo, é na fazenda de Lula e vamos encontrar com ele na estrada, e vou passar o dia lá com ele e D. Mariza. Rsrsrs só Mari e Lucas e vc que sabe. Calada, hem. Mais (sic) vou trabalhar, viu.
– Aff, péssimas companhias… socorro!!! Kkkkkk Eu tenho a boca rota.
– Fiz Mari jurar sigilo.
– Hahahahaha. Não falo nada não, relaxe!!!! Por isso foi se encontrar com Che hoje? Nostalgia!!!!
– É pra entrar no clima, hehehe
– Queria ser uma mosca para ver isso!
– Ele quer uma coisa e Mariza outra e lá vai eu e Léo dar opinião. Rsrs
– Sobre? Arquitetura???
– Na casa e na lagoa que está vazando.
– Vão cedo?
– Invenção de Léo, disse ao homem que eu sou o melhor arquiteto e engenheiro da empresa. Vixe, já tô me borrando todo. Aí o homem disse a Léo, traga o fabuloso. Rsrs
– Hahahahaha
– Fabuloso e cagado.
– Vai ter que dar uma solução!!! Responsa!!!
– Vamos às 7:30 pra encontrar com ele na praça do pedágio as 9, na rodovia Fernão Dias.
– Amanhã quero saber como foi! Boa sorte!
– Se tiver vivo, eu conto.
Depois da visita à “fazenda de Lula”, Paulo Gordilho comunicou-se, outra vez, com sua filha:
– O meu líder é gente muito boa. Agora mais ainda. Bebemos, eu e ele, uma garrafa de cachaça da boa Havana mineira e umas 15 cervejas.
– Meu deus, pai!!! Pirou???
– Pq?
– Seu líder?!??
– É.
– E n bebeu demais não? Vc quase nunca bebe…
– Cheguei aqui cambaleando
– Mas ele deve ser mesmo simpático. Dirigiu não, né?
– Fui com Léo e o motorista.
– Ah tá… E deu para dar solução pro problema? E da Marisa? Vixe….
– Vou encontrar a Marisa esta semana. Ele pediu pra tirar umas ideias dela. Ele disse, “companheiro, a Marisa já gosta de uma gambiarra”. A casa é uma bagunça monstro.
– Aff. Rsrsrs mas que bom que deu tudo certo! Manda eles contratarem um arquiteto, ora bolas!!!
– Era bom.
Algum tempo depois, outra troca de mensagens no “Whatsapp”:
– Ficando pronta.
– ô???
– Trabalho de seu pai em Atibaia. Tô acabando, o material da Kitchens já chegou, monta esta semana. Ficando lindo!!!
– Parabéns. A bancada é em quê? Corian?
– Corian. Vem com a Kitchens.
– Que bom que está acabando…vai ficar massa!!!
– O lago também parece que consertei. Tem de esperar a chuva para testar.
– Tomara.
Mais alguns dias depois, a filha de Gordilho pergunta:
– Ok, e a cozinha do “homi”, montaram?
– Falta uma semana pra acabar. Mais (sic) estão inventando mais coisa.
– O quê?
– Uma igrejinha
– Oh my God
– Ainda vou fazer o projeto
– Fizeram vc voltar a ser arquiteto, ô
– Até já vejo uma capela ultra moderna. E quem sabe se não faço uma outra capital…
COZINHAS
Como já foi amplamente noticiado, a cozinha do sítio de Atibaia e a do triplex do Guarujá foram adquiridas na mesma loja, a Kitchens, pela OAS. Em depoimento, o responsável por comprar e montar as duas cozinhas, Paulo Gordilho, relatou:
GORDILHO: … o Léo queria os dois projetos prontos, ele queria passar para o ex-presidente e a ex-primeira dama os projetos, eram três folhas de papel com a foto da cozinha de Atibaia, e um caderninho do projeto de customização do Guarujá, e ele queria passar, só que ele viajou e não pôde levar isso, aí ele pediu para o motorista me pegar no sábado de manhã e nós fomos até São Bernardo do Campo, fui eu e ele…
JUIZ MORO: Desculpe, o senhor e quem?
GORDILHO: Eu e Léo.
JUIZ MORO: Certo.
GORDILHO: Fomos lá e explicamos os dois projetos, eu peguei com o Roberto [Moreira, diretor regional da OAS em São Paulo] o projeto para analisar, pra ver o que era, para poder chegar lá e explicar.
JUIZ MORO: Do Guarujá e do Sítio de Atibaia?
GORDILHO: O sítio de Atibaia na realidade não era nem um projeto, porque o projeto a Kitchens fez, mas ela fez umas plantas decoradas que até um leigo completo saberia ver, que vê uma foto de uma cozinha pronta apesar de não estar pronta, estar desenhada, colorida, com prato, talher, tudo em cima, mas uma foto de arquitetura, não era um projeto em si.
JUIZ MORO: Mas nessa ocasião foi mostrado, vamos dizer, o plano então para o sítio de Atibaia e o projeto do apartamento do Guarujá?
GORDILHO: Nesse dia, lá em São Bernardo do Campo, foram mostrados os dois.
JUIZ MORO: Para o ex-presidente?
GORDILHO: É.
JUIZ MORO: E houve concordância com o projeto?
GORDILHO: Eu diria que houve, tanto que foi feito, mas, vamos dizer assim, eles não entenderam bem, porque a cozinha de Atibaia, que era uma foto… não pode também exigir que dona Marisa e o ex-presidente conheçam projeto de planta baixa, corte de um projeto de arquitetura, então…
Na quarta-feira 12 de fevereiro de 2014, Gordilho trocou algumas mensagens, via celular, com seu chefe, Léo Pinheiro:
GORDILHO: O projeto da cozinha do chefe tá pronto, se marcar com a Madame pode ser a hora que quiser.
PINHEIRO: Amanhã às 19hs. Vou confirmar. Seria bom tb ver se o de Guarujá está pronto.
GORDILHO: Guarujá também está pronto.
PINHEIRO: Em princípio amanhã às 19hs.
Em função desse projeto (aliás, projetos) que ficara pronto, foi marcada a reunião no apartamento de Lula. Como relatou o próprio Léo Pinheiro:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: No fluxo de mensagens que lhe foi mostrada pelo excelentíssimo juízo, o senhor reconheceu algumas mensagens aqui de fevereiro de 2014, eu vou citar a mensagem do terminal identificado como de Paulo Gordilho para o terminal identificado como de sua titularidade. O o senhor falou: “O projeto da cozinha do chefe está pronto, se marcar com madame pode ser a hora que quiser”. O senhor mencionou que seria do sítio. A pergunta que eu gostaria de lhe fazer é: o senhor falou logo em seguida: “O Guarujá também está pronto, em princípio amanhã às 19 horas”. Aí o senhor mencionou um encontro. Houve um encontro para aprovação desse projeto?
PINHEIRO: Houve, sim, na verdade o presidente e a dona Marisa estiveram no triplex em fevereiro de 2014, pouco tempo depois eu fui ao sítio com o presidente, me encontrei com ele, ele já estava no sítio. A aprovação deve ser posterior, então, teve, sim, e me parece que foi no apartamento do presidente em São Bernardo do Campo.
MPF: Então essa reunião para aprovação foi um encontro no apartamento em São Bernardo?
PINHEIRO: Acredito que sim.
MPF: Essa aprovação a que o senhor se refere é a aprovação dos projetos das cozinhas do sítio e do triplex?
PINHEIRO: Exatamente. Por isso que eu pergunto, aí na mensagem, se o do Guarujá estaria pronto também.
MPF: O senhor foi nessa reunião de aprovação?
PINHEIRO: No apartamento de São Bernardo fui, estava presente eu e o Paulo Gordilho.
MPF: E quem, além do senhor, estava presente?
PINHEIRO: O presidente e a ex-primeira dama.
UM ANO
Em sua visita ao sítio de Lula – que relatou à filha, por “Whatsapp” -, Paulo Gordilho, diretor da OAS, tirou duas fotografias com o dono – quer dizer, “usufrutuário” -, apreendidas pela PF.
Daí a estranheza dos policiais por este depoimento, no dia 04 de março de 2016:
DELEGADO PF: O senhor conhece o senhor Paulo Gordilho. ex-diretor da OAS Empreendimentos?
LULA: Por nome, não, mas…
DELEGADO: Não? O Paulo Gordilho, não?
LULA: (sinal negativo com a cabeça)
DELEGADO: O senhor conhece algum ex-diretor da OAS?
LULA: Não.
Um ano depois, a 10 de maio de 2017, melhor preparado, Lula depôs na 13ª Vara Federal de Curitiba, e até explicou porque respondera que não conhecia Gordilho:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Alguma vez o Sr. Léo Pinheiro visitou o senhor em seu apartamento em São Bernardo do Campo?
LULA: Visitou.
MPF: O senhor recorda?
LULA: Eu não me lembrava da visita. É que eu vi no depoimento dele, ele dizendo que foi lá em casa. E depois eu vi o Dr. Paulo, que eu não sabia que era Paulo Gordilho, só sabia que era Paulo, que disse que foi lá em casa. Como os dois disseram, eu não me lembro, mas eles disseram que foram, eu também não quero desmenti-lo. Se foram, foram.
MPF: É que particularmente…
LULA: E não discutiram, não discutiram apartamento. A minha afirmação é categórica. Eu discuti o apartamento duas vezes.
MPF: Certo. E o que que eles discutiram com você nesta oportunidade?
LULA: Eu acho que eles tinha ido discutir a questão da cozinha, que também não é assunto para discutir agora, lá de Atibaia. Eu acho…
GATOS
No dia 28 de março de 2014, Paulo Gordilho foi pessoalmente até a Kitchens, em São Paulo, com mala que continha, em dinheiro, R$ 50 mil, para pagar a entrada pela cozinha.
O fato foi confirmado pelos funcionários de Kitchens que contaram o dinheiro, na presença de Gordilho, e pelos depósitos bancários que a empresa fez no mesmo dia.
Apesar da OAS pagar, as plantas de projetos da Kitchens foram retiradas da loja em nome de Fernando Bittar, suposto dono de um dos sítios que formam o sítio de Lula em Atibaia. Posteriormente, Bittar assinou os documentos. No dia 31 de março, dois dias depois da primeira ida até a Kitchens, Paulo Gordilho voltou à loja, com as plantas de projetos assinadas por Bittar.
No dia 24 de abril, outra vez, Gordilho foi até a loja da Kitchens, para pagar a segunda parcela do preço da cozinha. Levou, em dinheiro, R$ 92.424,03 (noventa e dois mil, quatrocentos e vinte e quatro reais e três centavos), que a loja também depositou em sua conta.
A última parcela, também paga por Gordilho em dinheiro, foi de R$ 27.575,97 (vinte e sete mil, quinhentos e setenta e cinco reais e noventa e sete centavos).
As notas fiscais, somando R$ 170 mil, foram emitidas em nome de Fernando Bittar.
Mas, aqui, o gato deixou o rabo de fora:
“Além do envolvimento em reformas no Sítio de Atibaia, relacionadas com Bumlai e Odebrecht, Fernando Bittar também estava envolvido nos projetos de reforma pela OAS em benefício de Lula em apartamento situado no Condomínio Solaris, com o qual não teria nenhuma relação, não fosse o fato de que participou ativamente da ocultação e dissimulação dos valores oriundos dos crimes antecedentes em benefício de Lula.
“Em e-mails apreendidos no computador de Fernando Bittar, verifica-se que Paulo Gordilho havia encaminhado a Fernando Bittar as plantas da reforma do apartamento triplex no Guarujá.
“Tal fato também foi objeto de mensagem colhida no celular de Paulo Gordilho, na qual se evidencia que Fernando Bittar foi o responsável por fazer a interlocução com Lula e Marisa sobre projetos de reforma no Sítio de Atibaia e também no Condomínio Solaris”.
A OAS pagou R$ 350.991,05 (trezentos e cinquenta mil, 991 reais e cinco centavos) pela cozinha do triplex e R$ 170.000,00 (cento e setenta mil reais) pela cozinha do sítio de Atibaia. Ao todo, R$ 520.991,05 (quinhentos e vinte mil, 991 reais e 5 centavos).
Tudo isso, em homenagem às qualidades de estadista de Lula, que, como se sabe, as empreiteiras e cartéis prezam muito…
FIM
Haveria ainda muito para expor, em se tratando de provas dos delitos de Lula. No entanto, não pretendemos ser exaustivos – tal pretensão, em geral, tem o inconveniente de exaurir a paciência do leitor…
Porém, embora seja limitada a nossa amostra, o incrível é que se pretenda – tanto o próprio Lula quanto seus acólitos – que tudo isso, que expomos ao longo de nove edições, não existe.
Basta-nos, aqui, a certeza outrora expressa por um dos grandes da nacionalidade:
“O público não se compõe de cretinos e vilões. A opinião não perde na imbecilidade e no hábito do mal, o senso da evidência e o instinto da honestidade.”
(Rui Barbosa, O.C., V. 27, t. 4, p. 51).
Matéria relacionada:
A melhor questão a ser colocada diante da presepada de colocar para a segunda turma do STF o recurso, do recurso, do recurso, para que Lula, depois de condenado, fiquei soltinho em casa.
Lula declarou esse Triplex no nome dele num passado próximo, inclusive.