Parte do grupo do estudo não expôs seus nomes com medo da perseguição do governo
Cientistas deixaram de assinar artigo que comprova o aumento das queimadas e do desmatamento na Amazônia durante o governo de Jair Bolsonaro por medo de serem perseguidos.
O artigo, que foi publicado na revista Global Change Biology, analisou os dados dos sistemas de análise do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e concluiu que as queimadas e o desmatamento da Amazônia de fato cresceram durante o governo Bolsonaro.
“De janeiro a agosto deste ano a gente viu quase 47 mil focos de incêndio. A última vez que vimos isso foi em 2010, só que em 2010 houve uma seca extrema em grande parte da Amazônia, o que não é o caso em 2019”, explicou Erika Berenger, ecóloga e coautora do artigo.
O momento mais grave foi em agosto, quando foram identificados 31 mil focos de incêndio, enquanto no mesmo mês em 2018 foram 10 mil.
O estudo também comprova que o aumento do desmatamento levou ao aumento das queimadas. Com base em dados deste ano do Deter (sistema de detecção do desmatamento em tempo real), do Inpe, afirmam que há fortes evidências sobre a relação do fogo com a alta do desmatamento. “O aumento acentuado de ambos os incêndios e os desmatamentos em 2019 refuta, portanto, a consideração de que agosto de 2019 foi um mês ‘normal’ na Amazônia brasileira”, diz o estudo.
Em agosto, quando o Inpe divulgou os dados que mostravam o aumento das queimadas, Jair Bolsonaro e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, falaram que os dados eram falsos e que o então presidente do Instituto, Ricardo Galvão, estava a serviço de ONGs. Galvão teve que deixar o cargo após enfrentar os ataques de Bolsonaro.
Na parte dos agradecimentos do artigo, os autores explicaram que alguns cientistas deixaram de assinar como coautores e de divulgar o nome da instituição pela qual pesquisam por terem medo de serem perseguidos, da mesma maneira que Galvão foi.
“Alguns colaboradores recusaram a coautoria neste trabalho para manterem-se no anonimato. Lamentamos que isso fosse necessário e gostaríamos de agradecê-los por sua importante contribuição”, diz o texto.
“Há um clima de perseguição”, diz Berenguer. “Dados e evidências podem gerar um descontentamento no governo”.
O grupo de cientistas liderado por Jos Barlow, ecólogo da Universidade de Lancaster, reavaliou se Bolsonaro estava certo ao dizer que as queimadas em 2019 estão em um nível “normal” ou “abaixo da média”.
“O [sistema de monitoramento] Deter mostra que julho, agosto e setembro de 2019 tinham muito mais desmatamento do que em 2018. Quatro vezes mais em julho”, disse Jos Barlow.
Os pesquisadores avaliaram que o aumento em relação ao ano passado foi recorde em junho, julho, agosto e setembro, com 98%, 278%, 233% e 95% a mais, respectivamente.
A ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede), afirmou que a “soberania tão defendida pelo governo na Amazônia precisa deixar de ser parte de um discurso vazio e farsante para ser um compromisso efetivo com a proteção da floresta que tem a maior biodiversidade do mundo e uma importância vital na regulação da temperatura do planeta”.
Para Marina, o “desmonte ambiental do governo Bolsonaro tem promovido deliberadamente o aumento da destruição da Amazônia e do patrimônio natural brasileiro em uma velocidade e escala sem precedentes”. Ela adverte que “os alertas do Deter/INPE já indicam que a tendência de devastação” continuará em 2020.
Outro ex-ministro do Meio Ambiente, o deputado estadual Carlos Minc (PSB-RJ) classificou os resultados sobre desmatamento e queimadas como “uma tragédia anunciada”. “Desmatamento da Amazônia cresceu 42% em um ano. Salles e BolsoNero desmontaram Fundo Amazônia, Ibama, ICMBio. Está aí o resultado. Vamos resistir!”, convocou, em suas redes sociais.
No dia 30 de outubro, durante um fórum na Arábia Saudita, Bolsonaro disse que “potencializou” as queimadas na Amazônia por “discordar da política ambiental de governos anteriores”.
“Há poucas semanas o Brasil foi duramente atacado por um chefe de estado europeu sobre as questões da Amazônia. Problemas que acontecem anos após anos, que é da cultura por parte do povo nativo queimar e depois derrubar parte de sua propriedade para o plantio para sobrevivência. Mas foi potencializado por mim exatamente porque não me identifiquei com políticas anteriores adotadas no tocante à Amazônia.”, declarou em referência ao questionamento do presidente francês, Emmanuel Macron, sobre as queimadas.
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