Em audiência pública diante do comitê de impeachment de Donald Trump na Câmara dos Deputados em Washington, o embaixador norte-americano para a União Europeia, Gordon Sondland, confirmou na quarta-feira que agiu sob “ordens diretas” de Trump ao pressionar o novo governo ucraniano de Volodymir Zelensky, acrescentando ainda, que “todo mundo estava no circuito; não era segredo”.
Na apresentação, Sondland disse ainda que, em relação à pergunta simples “houve um quid pro quo” [toma lá dá cá], em relação à ajuda e à reunião na Casa Branca solicitadas, a resposta é “sim”.
A Câmara abriu um inquérito para impeachment de Trump sob acusação de que reteve ajuda militar de quase US$ 400 milhões, em troca de Zelensky publicamente anunciar investigação sobre a interferência desde Kiev nas eleições norte-americanas de 2016 e a corrupção na empresa privada de gás Burisma, da qual foi diretor o filho do então vice de Obama, Joe Biden, agora um dos principais pré-candidatos democratas às eleições de 2020.
Sondland envolveu no imbróglio também o vice de Trump, Mike Pence, o secretário de Estado Mike Pompeo, o enviado especial para a Ucrânia, Kurt Volker, e o secretário de Energia, Rick Perry.
Disse ainda que não teve opção senão operar com o advogado especial de Trump, “Rudy”, como o presidente determinara expressamente, por estar empenhado em que a recepção a Zelensky na Casa Branca acontecesse, assim como a liberação da ajuda militar. “Não queríamos trabalhar com Giuliani. Simplificando, jogamos a mão que recebemos … Então, seguimos as ordens do presidente.”
Também assinalou que “quando soubemos que a Casa Branca também havia suspendido a ajuda à segurança da Ucrânia, eu fui categoricamente contrário a qualquer suspensão da mesma, uma vez que os ucranianos precisavam dessa verba para lutar contra as agressões”.
De acordo com a presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi, essa “pressão” de Trump sobre Zelensky tem nome: é “suborno”.
NO CIRCUITO
O New York Times resumiu o depoimento-bomba com a manchete: “‘Seguimos as ordens do presidente’ para pressionar a Ucrânia, diz Sondland”. E ainda: “Pence e Pompeo estavam no circuito’, ele testemunha”.
Por sua vez o Washington Post se saiu com “Sondland diz que a campanha de pressão da Ucrânia não era ‘segredo’”. Acrescentou ainda no destaque que “o secretário de Estado Mike Pompeo, o vice-presidente Pence e o chefe de gabinete interino da Casa Branca estavam entre os que o embaixador Gordon Sondland disse estarem cientes da pressão por investigações que pudessem prejudicar os oponentes políticos do presidente Trump”. “Sondland torpedeia linha de defesa de Trump”, complementou ainda.
O Guardian inglês preferiu: “Testemunho-bomba de Sondland abre buracos na defesa de Trump na Ucrânia”.
E que buracos. Até um apresentador da Fox News, Chris Wallace, considerou que Sondland estava tentando “mais se proteger do que proteger qualquer outra pessoa”. “Até certo ponto, pegou o ônibus e passou por cima do presidente Trump, do vice-presidente Pence, de Mike Pompeo, John Bolton, Rudy Giuliani e Mick Mulvaney. Ele implica todos eles”.
NARRATIVAS & FAKE NEWS
Na Casa Branca, o presidente bilionário reagiu asseverando que, ao contrário do que tantos concluíram sobre o que Sondland relatou na audiência, o embaixador [que “não conhece muito” … mas parece “um cara legal”] o exonerou de qualquer responsabilidade. “Está tudo acabado”, garantiu. Fim de linha da “caça às bruxas”.
Para incredibilidade dos repórteres, Trump disse que até “desligou a tevê”, após ouvir Sondland relatar sua lembrança da ligação com ele sobre a Ucrânia. Para Trump, o que Sondland testemunhou foi ele, o presidente, dizendo duas vezes, que não queria “nada da Ucrânia”, exceto que o presidente Zelensky fizesse “a coisa certa”.
“Foi uma conversa muito curta e abrupta que ele teve comigo”, declarou Trump, que acrescentou que o embaixador lhe perguntara repetidamente o que ele queria da Ucrânia. “Eu não quero nada, eu disse duas vezes”, disse Trump ter dito, acrescentando novamente ter dito que não queria “quid pro quo” [termo jurídico para contrapartida, propina].
Como os jornalistas se mostrassem espantados com seu cinismo sobre o depoimento, Trump os repreendeu, dizendo: “Se você não fosse uma notícia falsa, a cobriria adequadamente”. Mas, quanto à afirmação de Sondland de que o presidente estava de mau humor durante a ligação, Trump contestou – foi o único reparo que fez à testemunha -, afirmando estar sempre “de bom humor, não sei o que é isso”.
Sondland relatou sua versão daquele telefonema entre ele e Trump já citado em audiência anterior pelo embaixador interino em Kiev, Bill Taylor, que teria sido ouvido por um assessor dele.
O empresário do setor hoteleiro que Trump agraciou com uma embaixada em reconhecimento à polpuda doação de campanha, após dizer que não se lembrava dos “detalhes precisos” da ligação de 26 de julho, acrescentou que na época “não parecera significativa”.
Disse “não se lembrar de discutir sobre o vice-presidente Biden ou seu filho nessa ligação ou após o término dela”, mas deixou a porta aberta para eventual remendou dizendo que “ficaria mais surpreso” se Trump “não tivesse mencionado” investigações.
Questionado se dissera na ligação a Trump que Zelensky ‘preza seu rabo’ – como já dito ao inquérito por outro depoente -, Sondland não negou, mas também não confirmou diretamente, asseverando que “parece algo que eu diria”. “É assim que o presidente Trump e eu nos comunicamos, muitas palavras de quatro letras. Três letras neste caso”, acrescentou.
Na ligação, Sondland buscara tranquilizar Trump, que lhe perguntara: “então ele vai fazer a investigação?”. “Ele vai fazer”, porque Zelensky “fará qualquer coisa que você pedir”. Era nessa parte que entrava a “palavra de três letras”.
Com tais declarações, parece que o próprio Sondland preza muito suas próprias três letras. Mas não é o único.
O gabinete de Mike Pence divulgou comunicado rechaçando peremptoriamente que Sondland haja discutido a questão com ele antes da cúpula de Varsóvia: “O vice-presidente nunca teve uma conversa com Gordon Sondland sobre investigar o Bidens, Burisma ou a liberação condicional de ajuda financeira à Ucrânia com base em investigações em potencial”.
Para evitar ser arrolado no circuito extraoficial gerido por Giuliani, Sondland enfatizou que mantinha o secretário de Estado Mike Pompeo, bem como o Conselho de Segurança Nacional, informados de todos os desenvolvimentos importantes da campanha de pressão sobre a Ucrânia.
QUANTO MAIS MEXE …
Com o impeachment transformado em turno preliminar das eleições de 2020, muita água vai passar debaixo da ponte e o que foi exposto até aqui ampliou a chance de aprovação da abertura do impechment, mas ainda não é o suficiente para o Senado controlado pelos republicanos abandonar Trump – apesar de que a fedentina segue empesteando o Capitólio e adjacências.
Apesar da resposta “sim” à “pergunta simples” se “houve um quid pro quo”, ao retrucar a um membro do comitê, Sondland disse que Trump “nunca disse diretamente” a ele que a ajuda e as reuniões estavam “condicionadas”.
“A única coisa que recebemos diretamente de Giuliani foi que a reunião da Casa Branca estava condicionada à Burisma e às eleições de 2016. A conclusão foi minha, pessoal, baseada em suposições, novamente, em sua analogia, dois mais dois igual quatro”, remendou.
O embaixador magnata do setor hoteleiro confirmou ter dito a um assessor de Zelensky [identificado como Mr. Yermak] sua crença de que [os ucranianos] precisavam anunciar essas investigações antes da liberação da ajuda: “eu disse que não sabia exatamente o porquê, mas isso poderia ser um motivo”. Ele concordou em que além da reunião da Casa Branca a ajuda à segurança também estava envolvida: “eu disse que poderia estar envolvida, sim”.
Sondland insistiu em que tanto quanto ao embaixador Taylor, quanto a outros participantes das gestões sobre a questão, ele estava expressando meramente suas conclusões a respeito.
Nesse ponto, depois de várias no cravo, Sondland contemplou a ferradura. “Meu testemunho aqui é que nunca ouvi do presidente Trump que a ajuda estava condicionada a um anúncio sobre as eleições [sic]”.
Questionado pelo deputado sobre essas “palavras específicas”, ele garantiu que “jamais ouviu essas palavras”. Já segundo David Holmes, que testemunhou o telefonema Sondland-Trump em um restaurante, o embaixador lhe disse que o presidente bilionário só se importava com “grandes coisas” na Ucrânia, como “a investigação dos Biden”.
A.P.