Estudantes brasileiros matriculados na Europa na segunda metade do século XVIII decidiram fazer um pacto pela independência do Brasil. Além de obter apoio para o levante, jovens de vários estados brasileiros, mineiros, paulistas, cariocas e nordestinos, todos matriculados na Universidade de Coimbra, em Portugal e Montpellier, na França, construíram uma aliança estratégica com os líderes da Inconfidência Mineira, entre os anos de 1785 e 1789. Muitos deles retornaram ao Brasil e se integraram ao levante de Minas Gerais. José Joaquim da Maia, um dos principais líderes do movimento, morreu antes de poder se juntar a seus companheiros no Brasil.
Sob uma brutal repressão comandada pelo chefe de polícia de Lisboa, Pina Manique, e num clima de um intenso reacionarismo que se abateu sobre a sociedade portuguesa após a “Viradeira” de 1777 – pondo fim aos tênues traços de liberalismo e à pequena autonomia em relação à coroa inglesa, introduzidos pelo Marquês de Pombal -, um grupo de 12 estudantes brasileiros reuniu-se clandestinamente na Universidade de Coimbra no ano de 1785. Nessa reunião os estudantes fizeram um pacto de luta pela Independência do Brasil. O encontro de Coimbra, e as resoluções ali aprovadas, ficaram conhecidos como o “Pacto dos 12” (Varnhagen,1953:397-398).
PERSEGUIÇÃO
“A perseguição em Portugal era implacável contra os estudantes brasileiros que, influenciados pela crescente insatisfação manifestada no Brasil por seus pais, e em contato com as idéias do iluminismo, alimentavam a esperança de libertar o país do obscurantismo colonial. Manique chamava de “pestilentas” as idéias revolucionárias que os rebeldes das camadas médias e intelectuais incorporaram para guiar suas atuações políticas. Elas foram energicamente combatidas e impedidas de se desenvolver pelos órgãos repressivos da Corte Portuguesa, tanto no Brasil-Colônia quanto no Reino lusitano. E, um dos espaços mais reprimidos pelos órgãos policiais foi o setor da Educação”. (O Estudante Paraibano no Brasil-colônia: Luis Carlos Costa Nascimento)
Em Portugal e no Brasil eram proibidos – e considerados subversivos – muitos autores, sobretudo autores franceses anti-feudais, como Raynal, D’Alembert, Buffon, Condorcet, Condillac, Mably, Montesquieu, Rousseau, Voltaire, em uma lista que incluía a maior parte dos filósofos da Ilustração. Diversos livros traduzidos na língua francesa se encontravam proscritos, ou podiam ser lidos somente com “licença”, como obras de Pope, Swift, Etrne, Goethe, Robertson, Hume, Hobbes e Locke (…) (Ventura, 1990:166).
JOAQUIM DA MAIA
O líder do “grupo dos 12” foi o estudante carioca José Joaquim da Maia, que adotou o codinome de “Vandek” nos contatos secretos estabelecidos com Thomas Jefferson, à época embaixador dos EUA em Paris, em busca de apoio para o movimento. Maia “cursou Medicina em Coimbra (1782-1785)”, e, depois de graduado, transferiu-se para a Universidade de Montpellier onde “matriculou-se a 01/08/1785 para o doutorado em medicina, obtido a 10/05/1787”. (Oliveira, In: Autos de devassa da Inconfidência mineira. Vol.II. 1977:270).
José Joaquim da Maia nasceu no Rio de Janeiro em 1751 e era filho de um empreiteiro de obras. Na época em que ele estudava medicina em Coimbra, outro futuro inconfidente fazia o curso de filosofia, era José Álvares Maciel, mineiro de Vila Rica, cunhado do então comandante militar das Minas Gerais, o tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, também um futuro inconfidente. Não se tem conhecimento exato sobre todos os participantes da reunião, mas sabe-se que lá estiveram, além de Maia, José Bonifácio, Domingos Vidal Barbosa e José Mariano Leal. Estes últimos estudaram em Montpellier e participaram junto com Maia dos contatos com Jefferson nas ruínas de Nimes, na França. José Pereira Ribeiro e José de Sá Bittencourt também estiveram no encontro de Coimbra. Ficaram lá até 1788, momento em que terminam os estudos e voltam ao Brasil. No ano seguinte participam da Inconfidência Mineira.
Francisco de Melo Franco – autor do poema “O Reino da Estupidez” – igualmente tomou partido do grupo secreto. Esse jovem iniciou Filosofia na Universidade de Coimbra em 1776, curso que substituiu pelo de medicina no ano seguinte, do qual se bacharelou em 1786, depois de amargar quatro anos na prisão inquisitória. Em seu poema aparece uma leve referência ao grupo de revolucionários: “Tal a cega paixão, o vil apego / Que estes míseros moços têm aos vícios: Esta gente, revolta e mal criada / Tão soberba e ociosa, que entre tantos / Apenas se acham muito doze / Que o nome de estudantes bem mereçam / A ler o edital chegam a montes / E batendo nas palmas: – “Bravo, bravo / Oh, que férias agora não teremos: Viva a Estupidez” – dizem saltando. (Grifo nosso). (Franco, 1995:85).
A realização da reunião secreta dos estudantes brasileiros em Coimbra ocorreu logo após a decisão da rainha Maria I, de baixar o Alvará de janeiro de 1785, proibindo a existência de qualquer fábrica no Brasil. Após o Alvará várias fábricas que existiam no país foram desmontadas e seus equipamentos recolhidos e transportados para Lisboa. A ordem portuguesa de impedir as atividades produtivas e aumentar a extorsão à colônia foi fruto do agravamento da crise do regime de submissão à Inglaterra. O endividamento crescente de Portugal com Londres – resultado do tratado de Methuen – e a queda na produção de ouro no Brasil levaram Martinho de Melo e Castro e D. Maria I a aumentarem o já insuportável saque ao povo brasileiro. A proibição de fábricas desagradou vastos setores no Brasil.
E, para acirrar ainda mais os ânimos do povo, a coroa orientou Luís António Furtado de Castro do Rio de Mendonça, o Visconde de Barbacena, que assumia o cargo de governador da capitania de Minas, a decretar, em 1789, a derrama dos impostos. A derrama correspondia a uma taxa fixada em 100 arrobas de ouro anuais (1 arroba equivale a aproximadamente 15 quilogramas), ou seja, 1500 quilos. Com a crise do ouro, o quinto (20%) deixou de ser pago. Eles decidiram cobrar todos os impostos atrasados de uma só vez, confiscando bens e objetos de ouro. Essas duas decisões da metrópole foram a gota d´água para o início da rebelião mineira.
Os mineradores, comerciantes e proprietários de terras no Brasil, extorquidos e proibidos de expandir suas atividades, passaram a integrar a luta contra o domínio português. “As forças sociais desenvolvidas no Brasil já não podem aceitar sem protestos as proibições quanto a fabricação de tecidos e objetos de metal”. (Alencar apud Aquino, 2000:329).
Tiradentes já há algum tempo circulava entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais preparando a revolta contra a exploração colonial. Foi após a decisão de proibir as atividades no Brasil que comerciantes do Rio, certamente influenciados pelo alferes, decidiram enviar mensagem secreta a José Joaquim da Maia, para que este articulasse apoio internacional ao plano de libertação do Brasil. (In: Autos de devassa da Inconfidência mineira. Vol.VIII. pág.17). Há fortes indícios, como já tivemos oportunidade de demonstrar aqui no HP, de que o próprio Tiradentes tenha participado desses contatos feitos na Europa em busca de apoio ao movimento. (“Tiradentes face a face”- Isolde Helena Brans: Xerox do Brasil, 1992, 84p.).
CORRESPONDÊNCIAS
Sob o pseudônimo de Vendek, José Joaquim da Maia manteve três correspondências com Thomas Jefferson, embaixador dos EUA na França. Alguns anos antes os EUA acabara de se libertar do domínio inglês e a independência americana passou a estimular nos brasileiros o desejo de seguir seu exemplo. Os estudantes e os inconfidentes viam na independência das 13 Colônias do Norte e nas agitações revolucionárias da França, o caminho a trilhar para conquistar a liberdade no Brasil.
Nesta época ainda não havia amadurecido no interior das forças políticas norte-americanas as tendências imperialistas que mais tarde manchariam de sangue a história daquele país. De exemplo no século XVIII, os dirigentes dos EUA passaram, posteriormente – principalmente a partir do final do século XIX, quando cresce a ação dos monopólios e do capital financeiro -, a ser combatidos em praticamente todo o mundo, por suas agressões e saques a outros povos e nações, além de aumentarem a espoliação de sua própria população.
Na primeira carta de 2 de outubro de 1786, Maia apenas informa ao embaixador que tinha um assunto da maior importância para comunicá-lo, como se encontrava enfermo e impossibilitado de fazê-lo pessoalmente em Paris, pergunta: “se posso com segurança comunicar-vos por carta”. E termina a carta pedindo que, “mandeis a resposta a Mr. Vigarous, Conselheiro do Rei e Professor de Medicina da Universidade de Montpellier”. (Autos de Devassa da Inconfidência Mineira. Vol. VIII. p.19-20).
O embaixador Jefferson se interessou de pronto em saber do que se tratava e assinalou de maneira positiva ao jovem líder do grupo estudantil na França. Numa carta de 21-11-1786, o estudante brasileiro não perdeu tempo e assim se expressou: “Sou brasileiro e sabeis que a minha desgraçada pátria geme em atroz escravidão, que se torna todos os dias mais insuportável depois da vossa gloriosa independência, pois que os bárbaros portugueses nada poupam para tornar-nos desgraçados com medo que vos sigamos as pisadas, e como conhecemos que esses usurpadores, contra a lei da natureza e da humanidade, não cuidam senão de oprimir-nos, resolvemos seguir o admirável exemplo que acabai de dar-nos, e, consequentemente, quebrar as nossas cadeias e fazer reviver a nossa liberdade, que está de toda morta e oprimida pela força, que é o único direito que os europeus têm sobre a América”.
Convencido de que o Brasil precisaria de apoio internacional para derrotar Portugal, Maia abre negociações com Jefferson. “Mas cumpre que haja uma potência que dê a mão aos brasileiros, visto que a Espanha não deixará de unir-se a Portugal e, apesar das vantagens que temos para defender-nos, não o poderemos fazer, ou pelo menos seria prudente aventurar-nos, sem certeza de sermos bem sucedidos”.
O representante dos EUA aceita ajudar, mas impõe condições, principalmente vinculadas a garantia de pagamento das despesas demandadas pelo apoio e garantias de compras futuras dos produtos de seu país. Acertado tudo com Maia, Jefferson abriu aos brasileiros os contatos com a burguesia revolucionária francesa, que havia ajudado seu país na luta vitoriosa contra o domínio inglês. José Joaquim da Maia, acompanhado de outros estudantes, saiu de Nimes e foi ao encontro dos franceses de Bordéus. Dos entendimentos surgiu a garantia de ajuda à Inconfidência Mineira com tropas e três navios de guerra.
OBRAS NO RJ
Não era por outro motivo, senão para levantar os recursos destinados a cobrir esses compromissos com franceses e americanos, que Tiradentes desenvolveu os seus projetos de obras no Rio de Janeiro. Até a construção do depósito (trapiche) na área portuária, incluso nos planos do alferes, visava garantir embarques e desembarques futuros de produtos negociados com os americanos. Ele sabia que precisava de dinheiro para financiar a revolução. Além disso, a tentativa frustrada do inconfidente de se apoderar do carregamento do ouro destinado ao pagamento dos impostos a Portugal, antes de desencadear a revolta, tinha também este mesmo objetivo.
LEVANTE
Maia deve ter morrido entre Coimbra e Lisboa em fins de fevereiro ou início de março de 1788, isto é, quando José Álvares Maciel já viajava de regresso para o Brasil, portador que foi da mensagem que, em julho, transmitira aos comissários do Rio de Janeiro e à Sociedade Literária de Silva Alvarenga.
Tiradentes e o padre Rolim já o esperavam no Rio de Janeiro. Dali eles partiram para Minas com a incumbência de organizar o levante. Domingos Vidal de Barbosa deixou Bordéus provavelmente em março de 1788, chegando ao Rio em fins de setembro, pois em outubro já estava na Fazenda Juiz de Fora, onde pela primeira vez mencionou a seu irmão, Pe. Francisco Vidal de Barbosa, as ocorrências da França. (…) A viagem de Lisboa ao Rio, foi feita na companhia do Dr. José Pereira Ribeiro (…) radicado em Mariana a partir de outubro de 1788, em cuja bagagem veio também o livro do Abade Raynal e o volume das Leis constitutivas dos Estados Unidos. Exemplar desta última já havia chegado às mãos de Tiradentes. (Oliveira. Idem. p.92).
Em relatório enviado ao Secretário de Estado, Jonh Jay, logo após encontro com os estudantes, Jefferson mostra ter recebido deles uma série de informações importantíssimas sobre a situação do país e as possibilidades de vitória da rebelião. Ele defende o apoio ao movimento. “(…) Há 20.000 homens de tropas regulares. A princípio eram portugueses, mas, à medida que foram morrendo, foram substituídos por naturais, de forma que estes compõem presentemente a massa das tropas, e o país pode contar com eles. Os oficiais são em parte portugueses, em parte brasileiros (…)”. “(…) Reina entre brasileiros e portugueses ódio implacável (…)”. “Uma revolução bem sucedida no Brasil não podia deixar de interessar-nos” (Autos de Devassa da Inconfidência Mineira.Vol. VIII. p.28-29).
Essas são informações que só poderiam ter vindo de pessoas que estavam muito bem enfronhadas com toda a situação política do Brasil e especificamente com a situação das forças militares em Minas Gerais. Esse fato comprova a estreita ligação entre o movimento dos estudantes na Europa e os inconfidentes de Minas. Tiradentes era uma das pessoas que mais dominava a situação política e social do Brasil. Fazia discursos repletos de dados, muitos deles presentes no relatório de Jefferson, e conhecia como ninguém a situação militar. Foi o alferes quem recrutou praticamente todos os militares envolvidos na Inconfidência. Só ele poderia ter feito chegar essas informações ao estudante “Vandek” ou até mesmo diretamente a Jefferson.
DÍVIDA HISTÓRICA
Não há dúvida, portanto, com todos esses dados e informações, que o movimento estudantil teve uma participação decisiva em todo o processo de preparação e montagem da Inconfidência Mineira. Eles foram grandes aliados de Tiradentes. O que nos parece é que, se José Joaquim da Maia não tivesse morrido antes de viajar para o Brasil, o alferes teria tido nele um poderoso aliado nas articulações que deveriam ser feitas no Rio de Janeiro nos dias que antecederam o levante. Certamente este estudante brasileiro, assim como os outros que enfrentaram a repressão portuguesa e vieram para o Brasil lutar pela independência, merecem um lugar de maior destaque em nossa histórica. Temos uma dívida com eles e devemos pagá-la com o nosso reconhecimento.
É verdade que pelo menos um dos 12 estudantes que participaram do “Pacto de Coimbra”, José Bonifácio, assistiria, mais tarde – por outros caminhos, e com uma grande ajuda sua – os objetivos defendidos pelo grupo serem conquistados. Ao voltar ao Brasil ele tornar-se-ia o “Patriarca da Independência”. Não foi à toa, portanto, que Martinho de Melo e Castro, então ministro para Assuntos Ultramarinos de Portugal (principal ministério responsável pelo assalto às riquezas brasileiras), disse a um seu auxiliar, em 1789, que não deixasse Bonifácio voltar ao Brasil, “senão ele nos trará muito mais problemas do que os que nós já temos por lá”. A história mostrou que o ministro estava coberto de razão.