Os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e da França, Emanuel Macron, discutiram por telefone a cúpula pela paz no Donbass – o leste sublevado da Ucrânia -, que irá ocorrer em Paris no dia 9 de dezembro, no chamado formato Normandia, que inclui a Alemanha e a Ucrânia. Como declarou o chanceler russo Sergei Lavrov, “as condições amadureceram” para essa cúpula.
Lavrov expressou ainda a expectativa de a França e a Alemanha influenciem a Ucrânia para que tome medidas adicionais para implementar os acordos de Minsk. “Esperamos que eles usem seu relacionamento com Kiev oficial para que perceba que não há alternativa ao movimento em direção à implementação completa do complexo de medidas de Minsk”, acrescentou.
O telefonema entre Putin e Macron ocorreu em paralelo à devolução, pela Rússia, na segunda-feira (18) de três navios ucranianos, apreendidos no final do ano passado quando fracassou a provocação no Estreito de Kerch, com a qual o então presidente Piotr Poroshenko tentava interferir no quadro eleitoral desfavorável, o que se confirmou com a eleição do comediante Volodymyr Zelensky, protagonista de um seriado em que encenava combater a corrupção. Em setembro, a tripulação desses barcos havia retornado a Kiev por meio da troca de prisioneiros que beneficiou 35 de cada lado.
Também o novo governo de Kiev se dispôs a aceitar a chamada ‘Fórmula de Steinmeier’, sugerida pelo então ministro das Relações Exteriores e agora presidente alemão, para superar impasse na aplicação dos Protocolos de Minsk, e que estabelece o mecanismo para a concessão de status especial ao Donbass. A Ucrânia também concordara em iniciar a retirada de tropas e armas pesadas nos assentamentos de Petrovskoye e Zolotoe, o que porém só se concretizou no dia 12, depois de sucessivos adiamentos e protestos dos extremistas.
STATUS DO DONBASS
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, advertiu contra exagerar ou subestimar as expectativas da reunião, que terá o primeiro encontro entre Zelensky e Putin. A última reunião do Formato Normandia foi há mais de três anos. Ainda há muitos obstáculos, inclusive a questão da iminente expiração da lei do status especial do Donbass. Em entrevista coletiva na cúpula do BRICS no Brasil, Putin advertiu: “no dia 31 o prazo termina, e aí? O que discutiremos no Formato Normandia? Esta é uma questão fundamental”.
Peskov classificou a lei sobre o status especial de Donbass como “corajosa”, mas observou que as autoridades ucranianas deveriam discutir sua extensão com as autoridades das repúblicas do Donbass, o que é dificultado pela falta de contatos diretos entre as partes no conflito.
Kiev tem enviado sinais contraditórios sobre essa questão essencial, o que uma fonte do partido Servo do Povo explicou à RT tratar-se de um ato para ampliar o espaço de manobra de Zelensky na cúpula.
“ATÉ O ÚLTIMO UCRANIANO”
Há outras vozes na Ucrânia propondo a revisão do curso que levou o país à devastação. Em entrevista ao The New York Times, o oligarca Igor Kolomoisky afirmou que a Ucrânia tinha de restaurar os laços com a Rùssia por uma questão de sobrevivência. Kolomoisky acusou o Ocidente de fracassar em oferecer assistência financeira e abrir mercados para Kiev e assinalou que a política de Washington é usar o país ‘até o último ucraniano’ na guerra para enfraquecer a Federação Russa.
Kolomoisky foi internamente um dos principais articuladores do golpe de 2014 e financiador dos grupos russófobos mais extremistas, se desentendeu com o esquema Poroshenko e acabou, ao exibir em seu canal de tevê o seriado anti-corruptos estrelado por Zelensky, possibilitando a notoriedade que o levou a derrotar o regime Poroshenko por larga margem nas urnas.
Para ele, os ucranianos estão cansados da guerra no Donbass, que está sendo travada para agradar os Estados Unidos. “A restauração dos laços com a Rússia é necessária para a sobrevivência econômica da Ucrânia. Levará de cinco a dez anos, e eles esquecerão o sangue [derramado]. Descrevo objetivamente o que vejo e para onde tudo está se movendo ”, afirmou Kolomoisky.
Ele apontou que Kiev precisa entender que a Ucrânia nunca será admitida na UE e na OTAN; portanto, “não há motivo para perder tempo com conversas vazias”, enquanto a Rússia incluirá com prazer a Ucrânia no que chamou de “novo Pacto de Varsóvia”.
Ele disse que chegou a essas convicções, apesar de não ter sentimentos calorosos em relação à Rússia. Ao NYT, Kolomoisky reiterou que “precisamos melhorar nosso relacionamento [com a Rússia. As pessoas querem paz, uma vida boa, não querem lutar. E você, América, nos faz lutar e nem nos paga por isso ”, registrou.
Kolomoisky estimou em US$ 100 bilhões a ajuda que a Rússia precisaria conceder, para ajudar a reconstruir a economia arrasada, resolver os problemas e restaurar a cooperação, em substituição ao conta-gotas em vigor do FMI – e, naturalmente, deve esperar que uma parte dessa modesta ajuda escorra para seus bolsos fundos. Na entrevista, o oligarca refutou suposições da mídia quanto a sua influência sobre Zelensky. “Se eu me olhar através desse prisma, vejo um monstro, um manipulador, o dono de Zelensky, alguém que está construindo planos apocalípticos”, ironizou.
O levante no Donbass foi em resposta ao golpe de estado da CIA de 2014, que derrubou o presidente Yanukovich a um ano da eleição, e instaurou um governo pró-EUA, que desencadeou uma perseguição à população de fala russa e aos setores progressistas, baniu os comunistas e elevou colaboracionistas nazistas a patronos do novo regime, além de pretender anexar o país à Otan.
O levante deu origem às repúblicas populares de Donetsk e de Lugansk, que rechaçaram e derrotaram o assalto armado dos neonazis e de tropas ucranianas, gerando um impasse que conduziu aos Protocolos de Minsk, que preveem a reintegração, desde que respeitada a autonomia e a língua russa, concedida anistia e realizadas eleições. A violenta repressão ao povo do Donbass acelerou, ainda, a decisão da Crimeia de, por plebiscito, se reunificar com a mãe-pátria Russa.