Com a mídia ocidental em estado de êxtase sobre o resultado nas eleições distritais em Hong Kong – “uma avalanche”, como registrou El País -, curiosamente o diário espanhol transcreve comentário que denota “mais cautela”, feito por Avery Ng, identificado no artigo como presidente da Liga Social Democrata, um agrupamento dentro do chamado, na ex-colônia, de ‘campo pan-democrático’, que se dedica a resistir à reunificação com a China.
“Afinal, se olhas a proporção de votos, é mais ou menos a mesma de sempre (desde o retorno à China): uns 60% para os democratas, uns 40% para os conservadores (sic) [como ele se refere aos favoráveis ao progresso chinês]”, afirmou Ng.
O social-democrata acrescentou que “o que mudou foi que os votantes desta vez não levaram em conta as questões locais, mas sim o partido”. “O sistema eleitoral das municipais de Hong Kong (similar ao britânico, em que o candidato que tem mais votos em uma circunscrição ganha o mandato e seu rival fica com as mãos vazias, ainda que seja por um voto só de diferença) nos favoreceu desta vez, porém temos de levar em conta que segue havendo uns 40% de pessoas que, depois de tudo o que se passou, acreditam que vale a pena votar em Carrie Lam (a chefe do governo autônomo) e nos partidos que a apoiam”, enfatizou.
A análise é interessante porque, à primeira vista, parecia que o apoio à oposição seria de 85% (dos 452 mandatos de conselheiro local). Na eleição, o campo que resiste ao progresso sob o renascimento da milenar nação chinesa ganhou o controle de 17 de 18 juntas de distrito que, no entanto, têm um poder restrito a questões locais como coleta de lixo e pequenos reparos.
Para Ng, é preciso “encontrar uma maneira” de utilizar esses mandatos para fazer avançar o que chamou de “agenda democrática”. Mas ele descartou que o “amplo triunfo eleitoral” dobre Pequim ou o governo autônomo.
De qualquer forma, o inédito comparecimento de 71% dos eleitores implica em uma enorme participação – quase o dobro do último pleito -, o que contrasta fortemente com o encolhimento dos protestos, que chegaram a reunir centenas de milhares e acabaram reduzidos a confrontos encabeçados por black blocks, depredações e grupos de gatos pingados cantando o hino norte-americano ou o God Save the Queen.
MAIS, NÃO MENOS, INTEGRAÇÃO À CHINA
O fato de Hong Kong ir ficando cada vez mais para trás em relação ao avanço da China, com os jovens vendo suas possibilidades murchando, ao contrário dos jovens do continente, a que se somam condições sociais particularmente penosas em decorrência do ultraliberalismo e especulação que grassam, de que o número recorde de bilionários e os minúsculos cubículos em que os pobres vivem são um retrato dramático, torna o quadro complexo e urgente.
Para Hong Kong, cuja economia já foi igual a 18,5 % do PIB da China (em 1997), o que agora não passa de 3%, o caminho é mais integração com o dinamismo da China, não menos, e mais direitos para a população.
Pelo sistema eleitoral de Hong Kong, uma dezena dos 70 assentos no parlamento autônomo está reservada aos representantes de distrito. No colégio eleitoral de 1200 notáveis que escolhe a chefe de governo, aos conselheiros distritais cabem 110 votos.
Após a teleguiada ‘Revolução dos Guardas-Chuvas’ de 2014, quando similarmente, embora em proporção menor, foram eleitos vários candidatos ligados a essa oposição nos distritos, boa parte deles não se reelegeu na eleição seguinte, por falta de apego a servir ao povo.
“ASSUNTO INTERNO CHINÊS”
A China tem reiterado que Hong Kong é “assunto interno” e exigido de Washington o respeito ao princípio de “Uma Só China” – pedra angular das relações sino-americanas desde Nixon -, de que o status de Hong Kong de “um país, dois sistemas” é um corolário. A chefe do governo autônomo, Lam, que atribuiu o resultado “à insatisfação com a situação e a problemas muito arraigados na sociedade, prometeu escutar “com humildade” os reclamos dos cidadãos.
Durante reunião de chefes da diplomacia do G-20, realizada em Tóquio o chanceler chinês Wang Yi, disse o central sobre Hong Kong é que “é parte do território chinês como uma região administrativa especial” e que as tentativas de “causar problemas e abalar sua estabilidade e prosperidade nunca terão êxito”.
Pequim também convocou o embaixador dos EUA para rechaçar a Lei da Democracia e Direitos Humanos de Hong Kong, aprovada pelo Congresso dos EUA com a finalidade óbvia de interferir na região chinesa, e que estabelece um mecanismo anual de ingerência e ameaça desencadear sanções.
Na terça-feira, o presidente Trump assinou a lei, cinicamente asseverando tê-lo feito “por respeito ao presidente Xi, à China e ao povo de Hong Kong”. Mas, se não o tivesse feito, pela histeria anti-China no Congresso, provavelmente o veto seria derrubado.
Na guerra comercial, os dois lados têm se mostrado esperançosos de que a “Fase 1” de um acordo seja alcançada em breve. Em novo ato de provocação, o notório senador gusano-americano Ted Cruz está articulando um projeto de lei para reconhecimento por Washington dos símbolos estatais de Taiwan, em violação ao princípio de “Uma só China”. Em outubro, ele visitou Hong Kong, fantasiado de black block, para insuflar os confrontos.
O início dos protestos em Hong Kong coincidiu com a deflagração da guerra de tarifas de Trump contra a China, e foram precedidos de viagem da oposição a Washington para se aconselhar com o secretário de Estado Mike Pompeo e com a presidente da Câmara, Nancy Pelosi.
O pretexto foi uma lei de extradição cuja motivação foi o assassinato de uma jovem de Hong Kong, pelo namorado, durante visita a Taiwan, com o homicida não podendo ser extraditado por falta de provisão legal, já que esse mecanismo só existia para os EUA, a Grã Bretanha e mais 18 países.