(HP, 15-20/01/2016)
O texto que apresentamos hoje aos leitores é um discurso pronunciado pelo empresário e senador pernambucano José Ermírio de Moraes, eleito pelo PTB de Jango – e, depois da extinção dos partidos pela ditadura, pertencente à bancada do velho e combativo MDB.
José Ermírio de Moraes foi um homem notável – e não apenas por ter sido o construtor daquele que foi, durante muitos anos, o maior grupo empresarial privado brasileiro.
Além disso, era um empresário plenamente consciente de que a empresa nacional somente podia, e somente pode, ter algum futuro como – e não se trata de uma redundância – empreendimento nacional, isto é, ligado ao país e ao seu povo.
Vale dizer: a empresa nacional somente tem futuro como parte da nação, ou seja, se esta também tiver futuro. Ou a empresa nacional é um propulsor desse futuro ou deixa de ser nacional.
O discurso foi proferido no Senado. A data desse pronunciamento, 8 de fevereiro de 1966, é mais do que significativa.
O país, debaixo do regime oriundo do golpe de 1964, passava pelo maior processo de destruição de sua economia – e, especialmente, da indústria nacional – em mais de trinta anos, desde, precisamente, a Revolução de 30, que desencadeara o mais longo ciclo de crescimento da História do Brasil.
Até então, o país – desde, pelo menos, Washington Luís – não passara por algo como a política econômica de Castelo Branco, Roberto Campos e Octávio Gouveia de Bulhões.
O objetivo, naquele primeiro governo da ditadura, como depois ressaltaram alguns autores, era “limpar o terreno” para a entrada dos monopólios multinacionais.
É verdade, parte deles já entrara após a sinistra Instrução nº 113 da Sumoc, no governo Café Filho, elaborada pelo mesmo Bulhões que agora, 12 anos depois, era o ministro da Fazenda da ditadura, e por seu mentor, Eugênio Gudin, então no Ministério da Fazenda de Café Filho, um breve governo pró-imperialista, após o martírio do presidente Getúlio Vargas.
O presidente que foi eleito em seguida, Juscelino Kubitschek, cuja posse fora garantida pelo Exército, comandado pelo general (depois marechal) Lott, deslanchou um acelerado processo de crescimento no país, baseado nos grandes investimentos públicos – no setor elétrico e na construção de Brasília, fundamentalmente, embora não exclusivamente.
No entanto, cometera o erro de deixar essencialmente intocada a famigerada Instrução 113 e fazer concessões exatamente nessa área – a da entrada, sob privilégio, dos monopólios estrangeiros.
Mas isso, quando a ditadura se instalou, em 1964, era um processo que não se estendia ao conjunto da economia brasileira.
O plano de Castelo, Campos e Bulhões era, exatamente, estendê-lo.
Para isso, a política econômica foi a de triturar empresas nacionais para deixar o campo livre aos monopólios estrangeiros – ao mesmo tempo em que se promovia o mais violento arrocho salarial já imposto no país.
Uma coisa tinha relação direta com a outra: as empresas nacionais produziam, sobretudo, para o mercado interno. O arrocho salarial as deixava com um mercado cada vez menor – mais achatado, como se dizia na época.
O fato de que as multinacionais não ocuparam o espaço aberto pela quebradeira de empresas nacionais, promovida por Campos e Bulhões, somente demonstra que os amos não têm obrigação de preencher os desejos ou contemplar os planos dos lacaios.
Essa política foi, portanto, um estrondoso fracasso.
É uma anomalia – uma aberração ideológica – que, diante desse fracasso, até hoje existam alguns acadêmicos que exaltam “Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil”, a tese de Fernando Henrique Cardoso, de 1963, publicada em livro no ano seguinte.
Existem até alguns que classificam essa pesquisa com empresários paulistas de “obra inovadora”, “obra seminal”, ou qualquer idiotice do gênero.
Não estamos nos referindo aos acadêmicos do PSDB, pois é claro que estes são satélites do satélite, ou lacaios do lacaio – giram em torno de Fernando Henrique Cardoso. Vide o sr. Serra, que não consegue ter vida independente de Fernando Henrique.
Estamos falando, principalmente, dos acadêmicos ligados ao PT, como Mantega, com seus elogios babosos a Fernando Henrique (v. Guido Mantega, “Teoria da dependência revisitada”, 1997).
Ou até de gente melhor – p. ex., a professora Leda Paulani, no seu livro de crítica ao primeiro mandato de Lula (v. “Brasil Delivery”, 2008, pp. 81 e segs.).
Mas, o que diz Fernando Henrique nesse livro de 1963?
Basicamente, que os empresários brasileiros não estão interessados nem em Nação (isto é, nação brasileira), nem em aliança com os trabalhadores ou com o “Estado” – o que eles querem mesmo é se “associar” ao capital estrangeiro.
A questão não reside apenas em que essa “associação” não existe – ou não é associação: significaria, como significou para muitos, a perda de suas empresas, engolidas pelo capital estrangeiro monopolista, financeiro.
Há uma questão, no entanto, mais comprometedora para Fernando Henrique e seus admiradores, porque mostra uma profunda ignorância da teoria desenvolvida desde o século XIX: deduzir a estratégia para um país da consciência – isto é, correndo aqui, sim, o risco da redundância, da consciência subjetiva – dos empresários, ou de tal ou qual classe social, é a própria miséria da sociologia.
Evidente que aquilo realmente importante desse ponto de vista – estratégico – são os interesses objetivos, não a consciência deformada (que inclui, pelo esmagamento ideológico, até a mera negação dos próprios interesses) que tais ou quais elementos de uma classe possam ter deles.
Segundo: uma pesquisa é um péssimo instrumento para se aferir qualquer coisa nesse campo, pois a média da opinião de uma classe, enquanto o país não está liberto, é sempre medíocre.
O que importa, realmente, nesse caso, é o pensamento das lideranças, dos homens mais avançados de uma classe. São esses que concentram a consciência mais verdadeira – ou mais próxima – dos interesses objetivos dessa classe.
Referimo-nos ao livro de Fernando Henrique Cardoso não porque ele tenha grande importância histórica ou do ponto de vista intelectual. Na época, muito pouca gente deu atenção a ele. Como em tudo o que escreveu, Fernando Henrique é um intelectual de salão. Quando muito.
No entanto, em São Paulo, e nos acadêmicos “paulistas” de outros Estados, ainda se fazem panegíricos em torno desse charlatão.
Resta ainda uma questão, agora de outro ponto de vista de classe: certamente, como frisou Cláudio Campos, a revolução nacional e democrática, assim como a aliança com o empresariado nacional, são uma necessidade para os trabalhadores – e essa necessidade nada tem a ver, exceto sob o ângulo meramente tático, com a consciência que o empresariado manifesta em determinado momento.
Porém, antes disso, veremos que o discurso de José Ermírio de Moraes é um desmentido flagrante da suposta tese, expelida três anos antes, por Fernando Henrique.
Quanto a hoje, quando Dilma repete o governo Castelo Branco – e por atacado – não é necessário mais argumentar contra afirmações do tipo: “Contra o diagnóstico corrente das teorias do imperialismo e da acumulação capitalista, Cardoso demonstrou que a nova fase de expansão do capital poderia, sim, levar à industrialização e ao desenvolvimento da periferia do sistema” (L. Paulani, op. cit., p. 81).
Nem é preciso demonstrar que o chamado “milagre brasileiro” não foi resultado da dependência, mas daquilo que conseguiu ser independente sob a ditadura.
Ao invés, diante de uma afirmação assim, basta dizer: estamos vendo…
C.L.
JOSÉ ERMÍRIO DE MORAES
Discurso no Senado (Diário do Congresso Nacional, terça-feira, 8 de fevereiro de 1966, p. 92 a 94)
O SR. JOSÉ ERMÍRIO: Sr. Presidente, Senhores Senadores, volto ao plenário do Senado para trazer ao conhecimento dos meus pares, críticas que julgo construtivas, em beneficio do País.
Senhor Presidente, Senhores Senadores, ao ensejo da retomada das atividades legislativas, sentimos de nosso dever chamar a atenção, mais uma vez, tanto da Nação como de seus dirigentes e responsáveis, de todos os Poderes, para problemas que se agravam a cada dia, sem que sejam tomadas providencias concretas e sérias para sua solução.
Bem sabemos, senhor Presidente, que as palavras proferidas neste recinto nem sequer ultrapassam os limites desta Casa, numa verdadeira conspiração de silêncio sobre o Poder Legislativo, em geral, e os que ousam ser oposição, em particular. Não importa: continuaremos a cumprir, serenamente, o que entendemos constituir nosso dever.
Estivemos durante muitos dias no Nordeste, mais precisamente em Pernambuco, cuja brava gente para cá nos enviou, em pleito memorável, como seu representante.
Tivemos oportunidade de entrar em contato praticamente com todas as camadas sociais, com moços e velhos, trabalhadores e patrões, ricos e pobres, estudantes e mestres.
Com exceção de alguns privilegiados, com fortuna pessoal ou fortuna política, todos nos transmitiram a mesma dolorosa impressão de angústia, de incerteza, de rápido e progressivo empobrecimento, com terror do dia de amanhã. O Nordeste, senhor presidente – e aqui não vai nenhuma tirada literária – está mesmo morrendo de fome.
Esta afirmativa, que é a expressão nua e crua da realidade, que nenhum serviço de informações pode ocultar ou disfarçar, também foi feita pelo 1º Simpósio Brasileiro de Alimentação, que embora se utilizando de dados ainda não atualizados, chegou a conclusões alarmantes a respeito do Nordeste, da Bahia ao Maranhão, vasta área que representa 18% do território nacional, e que com 23 milhões de habitantes (32% da nossa população) produz, apenas, 1,9% dos cereais colhidos no país, com uma mortalidade infantil de mais de 20% no primeiro ano, e uma vida média de 35 anos.
Entretanto, não se toma providência alguma a longo prazo, limitam-se a atendimentos afoitos sem qualquer planejamento, como se essa situação não fosse de “fome crônica”.
Limitam-se à demagógicas aberturas de frentes de trabalho, sem qualquer continuidade, que não resolvem tão grave situação. Agora, por exemplo, vai se repetir aquele drama do desemprego por ocasião das entressafras, e não vemos ser adotada qualquer medida por parte das autoridades responsáveis.
Ao lado dessas dificuldades, aumentando-as e aprofundando-as, temos a alta absurda dos gêneros de primeira necessidade, cada vez mais ausentes da mesa dos trabalhadores e até mesmo da classe media.
Agora no Recife, por exemplo, verificamos estar o feijão custando 800 cruzeiros, o arroz 650 cruzeiros, e a carne seca a enormidade de 2.500 cruzeiros o quilo. Onde está a tão apregoada COBAL? Onde se esconde? Ou será que pretende agir no infeliz Nordeste como fez no Rio Grande do Sul, onde adquiriu milho dos produtores a 3.000 cruzeiros o saco, vendendo depois à razão de 5.700 cruzeiros, ganhando à custa do trabalho daqueles?
Enquanto isso, numa atitude de acintoso desprezo pelos que lutam para ao menos sobreviver, os titulares de nossa política econômico-financeira se banqueteiam em São Paulo, em banquete insinuado, sugerido, encomendado mesmo, forçando uma “espontânea” manifestação de apoio das classes produtoras.
É o mesmo caso, Senhor Presidente, da tão anunciada concessão, pelo
Ministério do Planejamento, de bolsas de estudos para filhos de trabalhadores, num total de 15 bilhões de cruzeiros, mas… apenas para aqueles que “colaborarem para o aperfeiçoamento da vida sindical do Pais”. Que melhor instrumento de pressão, de coação, de instituição de um novo peleguismo, que poderíamos chamar de revolucionário?
Ora, Senhor Presidente, a verdade é que o governo está pessimamente
informado e pior assessorado, trancado entre quatro paredes impermeáveis ao som, à luz e ao calor, infenso a qualquer tipo de diálogo com agricultores, industriais, trabalhadores, estudantes e intelectuais.
Por isso mesmo, decidiu ficar deliberadamente surdo e cego aos anseios populares, entendendo, em sua perigosa autossuficiência, que aquilo que se chama povo deve se dar por muito feliz em ainda poder assistir, de longe e de fora, a espetáculos de arena.
A insistência, a teimosia, a frieza com que optaram pela eleição indireta nos Estados e pela nomeação dos Prefeitos das capitais, contrariando a esmagadora maioria da Nação, demonstra inacreditável insensibilidade política, a par de flagrante violação de compromissos solenemente assumidos e reiterados perante toda a Nação.
Pois foi o próprio Senhor Presidente da República que afirmou, por ocasião de sua investidura à frente dos destinos do Pais que: “Meu procedimento será o de um Chefe de Estado sem tergiversações no processo para a eleição do brasileiro a quem entregarei o cargo a 31 de Janeiro de 1966.
“Nossa vocação é da liberdade democrática, governo da maioria com colaboração e respeito das minorias”.
O Sr. Josaphat Marinho: Permite V. Exª um aparte?
O SR. JOSÉ ERMÍRIO: Com muito prazer.
O Sr. Josaphat Marinho: Note V. Exª que a contradição do Governo cresceu quando houve, em mais de uma oportunidade, o compromisso solene do Presidente da Republica de respeitar e manter o regime democrático. Ainda em fevereiro de 1965, o Presidente da República, discursando
perante o IV Congresso Brasileiro de Assembleias Legislativas fez a afirmativa que peço licença a V. Exª para ler: “Tenho a certeza de que a Revolução não tem receio de eleições e as deseja firmemente. Empenhar-se na sua realização e delas não ter medo, sem subterfúgios, nem vacilações, quer dizer: existência de condições para a escolha livre dos candidatos”.
Agora, nem livre nem cerceada.
Não há escolha, porque o que vai haver é nomeação, como V. Exª bem acaba de salientar.
O SR. JOSÉ ERMÍRIO: Senador Josaphat Marinho, V. Exª, grande jurista, homem capaz e que tem lutado, desde o princípio de sua vida, dá ao meu discurso, com o seu aparte, auxílio inestimável, que agradeço.
(Lendo)
A verdade é que toda a Nação, de Norte a Sul clama, pede,
exige, defende o voto direto e secreto.
Ciente de tudo isso, que faz o governo?
Decreta eleições indiretas e o voto a descoberto, por Assembleias que não se cansa de ameaçar com o processo sumário das cassações de mandatos, com base em subversão e corrupção! Vejam os Srs. Senadores com que “liberdade”, com que “independência”, com que “autonomia” vão ter de votar os senhores deputados estaduais. Aliás, a simples lista dos candidatos da preferência governamental nos diversos Estados evidencia a absoluta ausência de base popular nessas estranhas candidaturas de última hora. Não seria mais
simples, mais econômico, mais correto nomear-se logo interventores em cada Estado?
Somente através da força, da violência, da prepotência, da arbitrariedade e da coação é que um governo pode assim desafiar frontalmente a opinião de toda a Nação. Aliás, as contradições do atual governo são imensas e chocantes: violentou a ordem jurídica e as instituições democráticas, sob o pretexto de defendê-las: extinguiu abruptamente, sem um estudo prévio, os partidos políticos, ao arrepio de uma legislação eleitoral por ele mesmo elaborada, e forçando um artificial e confuso bipartidarismo; baixou atos proibindo a intromissão de Governantes e Ministros nas chefias dos aglomerados provisórios que fazem às vezes de partidos, mas enfeixou em suas mãos todas as confabulações de cúpula.
Enfraqueceu a indústria nacional, através de uma política de excessivas concessões ao capital estrangeiro, em escala jamais verificada em nossa história.
No tocante à política internacional, transformaram nosso País, de líder inconteste da América Latina, em mero caudatário totalmente submisso aos interesses norte-americanos, cada vez maiores aqui dentro.
Haja vista, por exemplo, o escândalo da interferência norte-americana em nossa imprensa escrita, falada e televisada, novela escabrosa de que conhecemos apenas os primeiros capítulos.
Haja vista a acintosa apresentação à sociedade do Recife, dos dois jovens Vice-cônsules norte-americanos PARA ASSUNTOS POLÍTICOS, Srs. Robert W. Stone e Willíam Patrick Kelly, cujas fotografias classicamente sorridentes constam da reportagem social que aqui exibimos.
Mas cabe-nos indagar: que assuntos políticos serão esses do Recife, que exigem a presença de dois Vice-Cônsules?
Estará o nosso Itamaraty ciente da missão que os trouxe para cá?
É usual esse tipo ou modalidade de representação consular?
Mas, infelizmente, não para aí a falta de consideração internacional com que temos sido tratados.
Aqui está o número de novembro de 1965 do conceituado e sisudo “Mining Engineering”, editado em Nova Iorque, onde, à pág. 66, encontramos artigo sobre o trabalho dos “adidos para assuntos minerais” dos Estados Unidos na América Latina, sob o título: “Nossos homens na América Latina”.
Por aí ficamos sabendo que atualmente esse adido no Brasil é o Sr. A. L. Ransome, que tem por função assessorar a AID nos programas e treinamentos
locais, bem como dar assistência às companhias americanas, como a U.S. Steel, Bethlem, Hanna e Alcoa sobre problemas de obter concessões e facilidades.
Aqui está escrito, com a maior clareza, para não dizer desfaçatez deste mundo, que:
“Seu antecessor foi responsável pela inserção de uma cláusula na Constituição Brasileira que abriu a porta para os investimentos industriais norte-americanos naquele país. Este resultado por si só justificaria todo o programa dos adidos para assuntos minerais.”
Tenho aqui a revista que explica tudo pormenorizadamente.
O Sr. Aarão Steinbruch: Permite V. Exª um aparte?
O SR. JOSÉ ERMÍRIO: Com prazer.
O Sr. Aarão Steinbruch: Vossa Excelência, nobre Senador, vem sistematicamente, através de discursos pronunciados, nesta Casa, e em requerimentos de informações dirigidos a autoridades governamentais, denunciando esses atos. Fá-lo mais uma vez, no brilhante discurso que ora profere. Infelizmente, não tivemos conhecimento de que o Governo tenha procurado averiguar essas denúncias, de vez que a política entreguista continua a mesma em nossa Pátria.
O SR. JOSÉ ERMÍRIO: Parece-me que piora cada vez mais.
(Lendo)
Senhor Presidente, e que dizer de nossa trombeteada recuperação econômico-financeira? Não haverá banquetes, por mais bem servidos que o sejam, não haverá programas de televisão, de rádio, ou mesmo conversas ou conferências que nos convençam, e convençam ao povo, que nossa situação é cor-de-rosa. Vejamos o que afirmou, em janeiro, no Teatro Municipal de São Paulo, com a responsabilidade de sua função de Vice-Presidente do Conselho Nacional de Economia, o industrial Fernando Gasparian:
“O setor dinâmico básico da economia, a indústria, registrou em 1965 declínio de 3,4%. E se excluirmos o aumento da produção cafeeira excedente, que se destina a indefinida e onerosa estocagem, e fizermos o cálculo do Produto Interno Bruto, encontraremos a taxa de 1,85%, o que representa declínio do produto por habitante de 1,6%. Tal número dá conta de como, em termos relativos, nos empobrecemos no período, considerando o aumento de nossa população nos últimos cinco anos.
“O procedimento mais acertado para o País estaria exatamente em recobrar a velocidade de desenvolvimento que, a partir de 1960, vem se reduzindo até a mais completa paralisação que hoje se verifica. Assim, em vez de nos preocuparmos em diminuir o nível de vida do povo, reduzindo salários reais, teríamos que nos dedicar com toda ênfase ao aumento da riqueza nacional, vale dizer, a retomarmos o ritmo do progresso.”
De outro lado, a “Carta Econômica Brasileira”, de janeiro do corrente ano, à página 5, mostra que, em dezembro de 1965, “apesar de manter o déficit do Tesouro dentro dos limites previstos, o Governo não conseguiu manter seu orçamento monetário nos níveis fixados, tendo emitido aproximadamente 750 bilhões de cruzeiros, ou seja, cerca de 50% em relação ao montante da moeda em circulação a 31 de dezembro de 1964.
“Para justificar o nível elevado de emissões, que chegaram inclusive a ultrapassar o teto máximo permitido em lei, citaram-se oficiosamente as operações de garantia de preços mínimos e a compra de divisas. Esta explicação, como veremos adiante, só procede no que se refere a este último ponto”.
Quanto ao aumento do custo de vida, até o Departamento Nacional de Em
prego do Ministério do Trabalho desmentiu os prognósticos e as promessas do Governo, publicando oficialmente que, na Guanabara, em 1965, houve aumento de 60,08%.
Na verdade não podemos compreender como um país que alardeia aos quatro ventos possuir créditos no exterior no montante aproximado de 500 milhões de dólares, persista em sua política de favorecer operações tipo “swaps”, que apenas consultam aos interesses de firmas estrangeiras, que, por meio desses “vales”, obtêm dinheiro a juros irrisórios. Quem tem
numerário lá fora não precisa se utilizar desse processo, não deve se valer desse sistema prejudicialíssimo ao País. Aliás, só países desmoralizados no exterior é que lançam mão desse expediente. E se consultarmos o que consta dos registros do Banco Central da República, ficaremos alarmados a respeito da coincidência de serem praticamente somente estrangeiras as firmas favorecidas pelos “swaps”. Isto dará como resultado o açambarcamento de toda a nossa produção agrícola por essas firmas estrangeiras.
Aliás, os boletins do Banco Central são relativos aos meses de setembro e novembro.
Mas, nobre Senadores, são verdadeiros bilhetes.
Ora, se este país tem 500 milhões no estrangeiro, por que emite vales?
O SR. Aarrão Steinbruch: V. Exª permite um aparte?
O SR. JOSÉ ERMÍRIO: Pois não.
O Sr. Aarão Steinbruch: Nobre Senador José Ermírio, cada vez entendo menos a política econômica financeira do governo. Estarrecido, ainda lia, na edição de domingo último, do Jornal do Brasil, um artigo do ex-Deputado Barbosa Lima Sobrinho, no qual ele declarava, segundo informações prestadas pelo próprio Banco Central, que, só nesses poucos meses de governo Castelo Branco, emitiu-se o dobro do que foi emitido durante o período do governo João Goulart, num total aproximado de CR$ 125.000.000.000. Se essa política econômico-financeira é para combater a inflação, não compreendo como se possa ter emitido tanto em tão pouco tempo.
O SR. JOSÉ ERMÍRIO: Tem toda razão V. Exa. O Dr. Barbosa Lima Sobrinho é um grande estudiosos do assunto, é um grande patriota. Jamais sustentaria uma tese que não fosse exata.
(Retomando a leitura)
Entretanto, as empresas e os produtos nacionais continuam a suportar
carga tributária cada vez maior, num processo de sufocação e de asfixia.
Em Pernambuco, por exemplo, a carga tributária corresponde a 35% do
faturamento da indústria têxtil. E em relação ao Produto Nacional Bruto, a carga tributária representa, atualmente, no Brasil, cerca de 21%.
Perguntamos aos arautos e áulicos do atual governo: quem pode se
aventurar a ser agricultor nessas condições, com tantos ônus iniciais, que eliminam qualquer perspectiva de sobrevivência?
Não é à toa que nossos lavradores estão sendo paulatinamente arrastados à triste condição de verdadeiros párias.
Enquanto isso, basta a simples leitura dos balanços dos estabelecimentos bancários para se constatar o absurdo de quase todos, no ano de 1965, terem obtido lucros superiores ao seu próprio capital. Isso é consequência e resultado da política monetarista governamental, que transformou o dinheiro e o crédito nas mercadorias mais caras do mercado.
No Nordeste, como tivemos oportunidade de verificar recentemente, já se
pratica abertamente a chamada “operação roulement”, que significa o empréstimo rotativo para a agroindústria açucareira a juros de 1% a 1,5% por semana.
Ademais, com a criação de entidades como o INDA e o IBRA, a produção agrícola foi onerada em cerca de 30%. Para quê? Certamente para que o IBRA, conforme toda a imprensa noticiou, adquira na América do Norte, da fábrica “Lear”, de Wichita, avião de luxo para seis passageiros, pela bagatela de 1.200.000 dólares, que usa tipo especial de combustível e só pode operar em aeroportos de grande porte.
Mas quando alguém clama contra esses desmandos, esses abusos, é logo catalogado e apontado como inimigo do regime, se não da própria Nação.
É o fim, senhor Presidente. Quem diz não somos nós, mas uma publicação da importância do “The Economist”, de Londres, número de novembro de 1965, página 432:
“A Constituição do Brasil de 1946, ainda oficialmente em vigor, foi transformada em farrapo. O segundo Ato Institucional, promulgado quarta-feira, aboliu exatamente o que restava dos processos democráticos do país. Esta nova guinada para o absolutismo era meio esperada. A tensão veio aumentando desde que os candidatos do governo perderam para uma oposição amorfa em seis dos onze Estados que votaram nas eleições de 3 de outubro para novos Governadores.”
É um artigo interessante. Está aqui, na grande revista “The Economist”, de Londres (exibe a revista). São informações preciosas sobre a nossa situação econômica e financeira. Não tenho lido nenhum elogio ao nosso Pais. Tenho lido, sim, elogios ao México, que não dá nada, que não garante nada e que não admite maioria de capitais [estrangeiros] no país. Nós, que somos subalternos, nós que somos submissos, o que recebemos é isso!
E o popular “Saturday Evening Post” (exibe), fundado pelo grande democrata Benjamin Franklin, de dezembro de 1965, em editorial à página 90, não hesita em afirmar:
“No último mês os brasileiros tiveram sua primeira chance de votar em eleições locais desde o golpe, e os dois Estados mais importantes votaram preponderantemente contra o governo militar. O Presidente do Brasil, General Humberto de Alencar Castelo Branco, logo providenciou a resposta militar: um decreto dissolveu todos os partidos políticos, aboliu o voto popular direto para a próxima eleição presidencial e deu ao Presidente o direito de declarar o estado de sítio, desconvocar o Congresso, cassar qualquer mandato legislativo, e suspender os direitos políticos de qualquer cidadão. A explicação do general foi simples: ‘Precisamos de tranquilidade’, disse. Mas este ato – tranquilizador como possa ser – fez com que o Brasil desse um largo passo para trás, afastado de todo e qualquer ideal da Aliança para o Progresso”.
Senhores Senadores, o que estou dizendo é o que se passa lá fora. Pouco se fala no Brasil, pouco realmente se discute sobre nós no exterior. Mas esta é a pura verdade.
Finalmente, senhores Senadores, não queremos encerrar estas palavras sem nosso brado de alerta contra o deliberado entreguismo que está tomando conta dos destinos oficiais da Nação.
Haja vista o que nos conta a famosa “Life” (exibe), edição em espanhol, de 6 de dezembro de 1965, página 22:
“Recentemente o Ministro de Economia do Brasil, Roberto Campos, convidou as companhias petrolíferas estrangeiras a explorar o subsolo brasileiro, terminando assim com o controle da Petrobrás, o velho monopólio estatal.”
De tudo quanto dissemos, resta, ou deve restar, a impressão final da lamentável e triste imagem que lá fora fazem do nosso País, por exclusiva culpa dos eventuais responsáveis pelos nossos destinos, que teimam em festejar vitórias que não obtiveram, triunfos que não são seus, heroísmos de que não foram capazes.
Herói mesmo, em toda essa história, ou estória, senhor Presidente, somente encontramos um: o paciente, o bravo, o inteligente e estoico povo brasileiro.
Mas não devemos nem podemos jamais esquecer que para tudo existe um limite.
Muito obrigado.
(Muito bem, muito bem)
(Palmas).