Desde seu início, o governo Bolsonaro surpreendeu e chocou pelo baixo nível cultural de seus componentes e pelas opiniões tresloucadas de seus mentores. Sob certo aspecto, parecia a composição burlesca de um teatro de comédia com palhaços chinfrins. Mas apenas parecia – porque o palco desse teatro bufa era o governo do Brasil.
HAROLDO LIMA (*)
Pairava acima do grupo governamental tido como “ideológico”, a figura alucinada de um chamado guru que vivia nos Estados Unidos como uma assombração, deitando falação sobre uma porção de coisa, esbanjando ignorância, petulância e palavrão.
E assim foi-se constituindo o governo. No ministério do Exterior aboletou-se um diplomata de terceiro escalão que acha que fascismo e nazismo foram movimentos de esquerda, o que constrangeu o próprio Museu do Holocausto de Israel e o governo alemão; no ministério da Educação foi posto um ser para quem universidades públicas “fazem balbúrdia” e devem ter seus orçamentos cortados; no Meio Ambiente uma figura condenada em primeira instância em São Paulo por improbidade administrativa, por ter favorecido a uma mineradora em detrimento do meio-ambiente; no ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos uma mulher que começou suas atividades recomendando que “meninos vistam azul, e meninas, rosa”, expondo um anacronismo cultural que dá pena.
Mas, nos últimos dias, Bolsonaro suplantou-se na capacidade de indicar para seu governo pessoas rudemente atrasadas, desconhecidas e de um reacionarismo exacerbado.
O tipo que indicou para defender a cultura negra na Fundação Palmares, Sérgio Camargo, acha que “não há salvação para o movimento negro. Precisa ser extinto! Fortalecê-lo é fortalecer a esquerda”. E mais: o Dia da Consciência Negra, que “celebra a escravização de mentes negras pela esquerda, precisa ser abolido”. Negro, provocou a repulsa imediata de seu irmão Wadico Camargo, que veio a público declarar “Tenho vergonha de ser irmão desse capitão do mato”.
Para a presidência da Fundação Nacional das Artes (Funarte), órgão que cuida do fomento às artes visuais, à música, ao teatro, à dança e ao circo, Bolsonaro nomeou, em 2 de dezembro passado, um tal Dante Mantovani, que disse, entre outras barbaridades, que os Beatles eram comunistas e que “o rock ativa a droga, que ativa o sexo, que ativa a indústria do aborto. A indústria do aborto, por sua vez, alimenta uma coisa muito mais pesada, que é o satanismo. O próprio John Lennon disse abertamente que fez um pacto com o diabo para ter fama”. Uma estultice completa.
O Mantovani investiu ainda contra o musical da abertura da Olimpíada do Rio, em 2016, criticando os clássicos da música popular brasileira interpretados por Caetano Veloso, Gilberto Gil e Anitta, entre outros.
Nos seus ataques diversificados, Mantovani abre uma exceção para a banda Angra. O baixista da banda, Felipe Andreoli, correu para dizer: “Quanta ignorância, quanta desinformação – e que vergonha ter minha banda citada em associação a esse cara”.
Finalmente, nesse mesmo dia 2, também foi nomeado para a presidência da Biblioteca Nacional um Rafael Nogueira, que se considera “aspirante de filósofo” e aluno do boquirroto “ideólogo” que mora em Virgínia, o Olavo de Carvalho. Descobriu-se que o Rafael, em 2017, examinando causas do analfabetismo entre nós, avaliou que uma das razões é a existência de “livros didáticos cheios de músicas de Caetano Veloso, Gabriel O Pensador, Legião Urbana”.
A nomeação de pessoas desse naipe para cargos da maior importância na administração federal enche-nos de vergonha, e nos envergonha perante o mundo. De cambulhada com tudo isso vem a estúpida desconfiança da ciência, a crítica a cientistas como Einstein, Darwin, Newton, e as considerações ridículas sobre o “terraplanismo”, a teoria de que a Terra é plana.
A coisa chegou a um ponto tal que o juiz Emanuel Guerra, da 18ª Vara Federal do Ceará, considerando o atrevimento e o deboche de um presidente que nomeia para chefiar um órgão de defesa da negritude uma pessoa que insulta os negros, resolveu suspender a nomeação de Sérgio Camargo para a presidência da Fundação Palmares. O magistrado escreveu que as declarações do Camargo se constituíam “em frontal ataque às minorias cuja defesa, diga-se, é a razão de existir da instituição” que ele iria presidir.
Tudo isso mostra que caímos muito, nos enredamos num pântano humilhante e sórdido.
Bolsonaro age com total irresponsabilidade nessas nomeações. Nem ele mesmo sabe quem são as pessoas que nomeia. Ante o vexame que causou a nomeação do Sérgio Camargo para a Fundação Palmares, foi logo se explicando: “Não o conheço pessoalmente”.
O Camargo foi barrado porque houve protestos vários, que respaldaram o recurso jurídico contra o despotismo obscurecido.
A disputa pela vanguarda do bestialógico é grande. Mas na frente mesmo, isolado, está o comandante do espetáculo, o Bolsonaro.
* Haroldo Lima, engenheiro e ex-deputado federal, é membro do Comitê Central do PCdoB
Artigo reproduzido do Portal Vermelho