Na semana passada, Bolsonaro editou a Medida Provisória 907 (MP 907/2019), chamada de “A hora do Turismo”, que isenta o setor hoteleiro de pagar direitos autorais ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) por execução de obras literárias, artísticas ou científicas, dentro de quartos, suítes – hospedagens de modo geral.
O governo diz que a medida pretende baratear o custo de aposentos para clientes finais. Mas, o valor cobrado por aposento representa em média R$ 0,60 por diária, sendo que, de acordo com o município em que fica localizado o hotel, o Ecad concede um desconto de região socioeconômica, que varia entre 15% e 60%. Esse abatimento é previsto no regulamento da entidade, não é uma promoção.
A MP tira da classe artística R$ 110 milhões por ano. Em 2018, o Ecad distribuiu R$ 971 milhões para mais de 326 mil titulares. Até outubro de 2019, foram R$ 832 milhões para mais de 358 mil titulares. Nos últimos cinco anos, houve um crescimento de 43% dos valores distribuídos.
Para compreender mais a fundo como funciona o Ecad e o que representa a MP de Bolsonaro entrevistamos Marcel Godoy, presidente da Associação de Músicos e Interpretes (ASSIM), entidade nacional fundada por Elis Regina, em 1978.
Marcel demonstra que a MP de Bolsonaro tem apenas um objetivo causar “um grande prejuízo econômico há uma camada específica da sociedade, nada mais que isso”.
Considerando que o valor arrecadado por unidade é tão baixo – R$ 0,60 – cortar o repasse não beneficia o consumidor de verdade, como disse o governo. Mas então, qual o real motivo para mais esta tentativa de diminuir verba do ECAD?
Está muito claro que o motivo, neste caso, é atender uma demanda específica de uma camada de empresários privilegiados com forte influência neste governo, que, creio eu, se aproveitaram do desconhecimento e falta de informação deste governo para tirar proveito próprio.
Medidas como esta escancaram que há muita desinformação do governo. É evidente que não haverá nenhum benefício ao consumidor final, não haverá nenhum benefício à economia – pelo contrário, não haverá grande benefício sequer aos hotéis, considerando que são valores muito pequenos considerando a grandeza destes estabelecimentos.
Essa medida, tão somente trará um grande prejuízo econômico há uma camada específica da sociedade, nada mais que isso. Prejudicará diretamente mais de 300 mil titulares de direitos autorais e conexos que recebem seus direitos autorais pelo licenciamento de suas obras e fonogramas, via ECAD, quando da utilização pelos hotéis, em suas dependências físicas. Serão mais de 300 mil titulares deixando de receber algo entre 40 a 50 milhões de reais por ano, para beneficiar donos de hotéis.
Me pergunto: Em que país isso é bom? Fomentar o Turismo é uma obrigação do Estado e os criadores da música, seus intérpretes, músicos não tem que pagar essa conta. Será que a Sociedade tem noção do que essa medida acarretará? A sociedade Brasileira apoia essa medida que privilegia donos de Hotéis em detrimento de todos os artistas brasileiros de todos os segmentos musicais em todas as regiões de nosso país? Certamente, não!
O que a classe artística pretende fazer frente a mais este ataque?
A Classe artista está em plena mobilização. É o que precisa ser feito. No âmbito político, a Classe artística terá o apoio de parlamentares que tem se manifestado contrariamente a esta medida e já trabalham para derrubá-la. E não é só no Congresso que há o apoio, já há também, inclusive, da própria OAB.
Por que o ECAD é importante para a classe artística?
O ECAD é um órgão de natureza privada, criado pelos artistas brasileiros através de suas Associações há mais de 40 anos para a defesa e a preservação de seus direitos.
Sua única função é a de arrecadar e distribuir direitos autorais e conexos no Brasil, e, em conjunto com as Associações que o integram é o maior representante e maior defensor dos compositores, autores, intérpretes, músicos e todos os demais titulares de Direitos autorais e conexos do repertório brasileiro e estrangeiro.
O ECAD é imprescindível na vida de milhares de artistas brasileiros. É uma instituição privada, porém, regulada e fiscalizada pelo Estado através da lei 12853/13. Trata-se de uma entidade geradora de emprego que contempla milhares de titulares de direitos autorais, beneficiando assim, milhares de famílias ao distribuir quase 1 bilhão de reais por ano, sem sequer receber ou gerar um único centavo de custo ao Estado.
E aí eu pergunto: Aonde isso não é excepcional? Nós que trabalhamos neste segmento, trabalhamos por uma causa, por um propósito, com a missão de preservar a música que é tão fundamental na vida de qualquer pessoa.
Por que existe tanta dificuldade em perceber a necessidade do direito autoral e de se ter uma instituição como o ECAD? Você acha que estamos avançando ou retrocedendo no atual período?
Na verdade, a falta de percepção em relação às obrigações relacionadas aos Direitos autorais no Brasil por parte do empresário é de cunho cultural. A meu ver, por pura ignorância. Entretanto, justiça seja feita, não de todos.
O ECAD só não é (vamos dizer) “bem-vindo” para a maioria dos empresários, pois, na visão destes, trata-se de mais um gerador de custo. Sendo que isso não é verdade.
Os Direitos autorais são devidos àqueles que utilizam da música em seus estabelecimentos comerciais. O problema é que os empresários acham que podem fruir gratuitamente da música, e não é assim que funciona.
Partindo do princípio da boa-fé, há, no mínimo, uma falta de conhecimento por parte deles da legislação bem como das suas obrigações implícitas decorrentes do uso da música em ambiente público. E o Estado, em vez de fomentar esse conhecimento junto ao empresariado e coibir com veemência seu inadimplemento, em vez disso, tramita propostas de isenção de pagamento de direitos autorais. Um absurdo sem tamanho!
Tenho fé de que, ainda que em última instância, o judiciário de nosso país, que historicamente esteve ao lado da lei que protege os direitos autorais, sane, coíba e proíba definitivamente esse tipo de intenção.
Estamos conquistando grandes avanços ao longo dos últimos anos, mas medidas como essa, com este viés desta MP que isenta o pagamento de direitos autorais por quem deveria estar pagando, pela forma imposta, nos traz a um retrocesso de 40 anos, similar aos tempos da ditadura, e, isso num país democrático é inconcebível.
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